JAPÃO – UMA HISTÓRIA MACABRA

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Autoria de Lu Dias Carvalho

caveira

Sogen Kato é o homem mais velho do Japão, país aclamado pela longevidade de sua gente e pelo carinho que dedica aos idosos e às crianças. É também o país das maravilhosas cerejeiras, que florescem em março, após a partida do intenso inverno, embelezando todo o arquipélago do Sol Nascente. Mas elas são tão efêmeras, com é a nossa crença de que ali vivem os humanos mais imaculados do planeta Terra.

A crueldade dos nipônicos já é conhecida através da caça às baleias e aos golfinhos, transformada, literalmente, num mar de sangue. E pior, o país usa de subterfúgio para matar centenas desses mamíferos anualmente, aproveitando-se de uma brecha em um acordo internacional de 1986 que, apesar de proibir a caça comercial, permite a prática para fins de pesquisa. Ou seja, ludibriam o acordo para justificar a matança. O meu leitor querido poderá estar pensando que amanheci meio abilolada, pois deixei o personagem central perdido lá no início desta história. Em parte, é verdade, mas tenho apenas o intuito de prepará-lo para o que virá a seguir.

Hoje é dia de aniversário de Sogen Kato. O bom velhinho completou 111 primaveras. Ou seriam cerejeiras? Os funcionários da prefeitura de Tóquio são instados a visitar o ancião mais velho da capital do país. Vão até a sua casa, mas ele não os quer receber. A família entra e sai tentando convencer o pirracentinho, mas nem uma legião de kami conseguiria removê-lo de sua decisão. Quer passar os seus 111 anos apenas com os seus entes queridos que tão bem zelam por ele. Nada de formalidades governamentais. Os funcionários, se quiserem, que vão visitar outros velhinhos. A família explica e explica, mas os burocratas são ciosos no cumprimento de seus deveres. Poxa, eles bem que poderiam respeitar o desejo de Sogen Kato. Para que tanta pertinência com alguém que não precisa de quase nada neste velho mundo? A insistência incomoda os parentes que não arredam pé para atender o patriarca.

Quando tudo parecia resolvido, a polícia bate à porta da família em questão, que não a abre. Acha que o velhinho tem todo o direito de ser atendido em seu desejo. A lei não se dá por vencida e invade a casa da família de classe média. E lá, no seu quarto enfeitado com lanternas vermelhas e brancas, e com um perfumado altar dedicado a Buda, está Sogen Kato todo arrumadinho e cheirando a cerejeira, na sua cama de pinho, sem um fio de cabelo fora do lugar, estampando no rosto um meio sorriso. Pede aos funcionários que se aproximem dele e lhes beijem as mãos. Depois pede à filha que lhes sirva uma dose de saquê (bebida fabricada pela fermentação do arroz e tomada geralmente quente e em grandes comemorações) com bolinhos de feijão.

Não! Peço ao leitor que apague o parágrafo acima. Não foi nada disso. Tomei mais saquê do que deveria. Na verdade, Sogen Kato não passava de um cadáver empoeirado, vestido com um pijama e coberto com um cobertor, tendo ao lado um jornal datado de 5 de janeiro de 1978. Segundo os legistas, o mais velho ancião de Tóquio já estava morto havia 32 anos. A múmia do vovozinho dividia a casa com a filha de 81 anos, o marido dela, de 83, e seus dois netinhos. Isso é que é amor! Coitadinha da família, não tinha culpa nenhuma e tampouco tinha conhecimento do ocorrido. Por isso, não devemos julgar sem conhecimento de causa. Imagine o leitor que, ao ser interrogada, a inocente netinha de 53 anos disse à polícia invasiva que, há alguns anos, vinha “desconfiando” que o vovô estivesse morto, mas não tinha certeza. Coitadinha! E arrematou:

– Ninguém entrou no quarto, desde que ele se trancou ali, para se tornar um Buda vivo.

Não posso omitir que o velhinho recebia 1.617 dólares de aposentadoria, mensalmente, em sua conta, que era movimentada pela família, já que Sogen Kato não tinha mais energia para fazer tal tarefa.  E sua história levou a outras, pois dias mais tarde, próximo à casa do finado, policiais encontraram o filho de um homem de 103 anos, “desaparecido” há 38 anos, que continuava a receber a pensão do pai. Mas ele se mostrou muito respeitoso e preocupado com o seu genitor, explicando com muita sabedoria:

– Continuo recebendo a pensão, para a eventualidade de um dia ele voltar para casa.

No que estava muito certo, pois um homem prevenido vale por dois. Vai que o velhinho volta e ainda traz consigo uma mulher e mais meia dúzia de filhos… É melhor prevenir do que remediar. O fato é que os dois casos deixaram o governo japonês com a pulga na orelha. E, para não levar a pecha de babão, resolveu se intrometer na vida de todos os centenários. Fez 100 anos? Pimba! Lá está um funcionário batendo à porta para levar flores e um prato de doce de feijão azuki, mas que só podem ser entregues na mão do aniversariante. Mas que falta de confiança na família, minha gente!

Num intervalo de poucos dias, a busca pelos centenários contabilizou 280 idosos mortos ou desaparecidos, embora estivessem cadastrados como “vivinhos da silva”. E outros 840 estavam sendo investigados. Mas mais macabras são as aposentadorias imorais vistas em nosso país, que atingem mulheres e filhos de certas categorias. Elas nunca lavaram uma xícara em prol de seu país. As aposentadorias políticas são um desrespeito ao trabalhador. O Brasil, desde a sua época de colônia, tem sido pródigo com uma chusma de lesa-pátria. No Japão, pelo menos, medidas são tomadas e os salafrários punidos – pensará o leitor, com toda a razão.

Nota: Caveira num Nicho – Barthel Bruyn

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2 comentaram em “JAPÃO – UMA HISTÓRIA MACABRA

  1. Jovimari

    Hahaha…
    Espertinhos em todo lugar há de sempe existir!
    Infelizmente… e como diz meu pai: enquanto houver trouxas, haverá espertos!
    😉

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Jovi

      Minha mãe usava uma expressão muito engraçada:
      “Cacunda de bobo é puleiro de esperto.”

      Beijos,

      Lu

      Responder

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