Recontado por Lu Dias Carvalho
Igual a certos homens que só vivem à cata de mulheres fisicamente esmeradas, ainda que modeladas pelo silicone, Pigmaleão só achava imperfeições nas fêmeas humanas que encontrava pela vida. Nenhuma delas era do seu gosto ou servia a seu contentamento. Nelas encontrava os mais diferentes vícios e defeitos. Seu senso de perfeccionismo era tal, que o moçoilo acabou abraçando a vida de solteirão. Se o mundo não o presenteava com a mulher de seus sonhos, preferia a solidão da solteirice e ponto final. Era também um homem muito temente aos deuses, nutrindo um grande encantamento por Vênus, a deusa da beleza. E era no feitio dela o seu sonho de ter uma mulher. Mas entre deuses e humanos havia uma grande distância. Com ele não tinha essa de que “quando não tem o que se quer, ama o que se tem.”.
E assim viveu o exímio escultor por muito tempo, até que a vontade de ter uma companheira bateu forte no seu coração desiludido. Se não tinha a que buscava, executá-la-ia com as suas próprias mãos, ainda que não pudesse transmitir-lhe o sopro da vida. E assim passou o dito, dias e dias a fio, sozinho na sua oficina, trabalhando numa magnífica peça de marfim. E dali ia brotando uma estátua estonteante, à qual nenhuma mulher igualaria em sua lindeza. Antes mesmo de dar o polimento final, Pigmaleão já se encontrava perdido de amores por sua obra. Acordava no meio da noite para vislumbrar aquela belezura. Quanto mais a olhava, mais cria que fosse uma jovem em carne e osso. Chegava até a acariciá-la para ter certeza de que não era humana. Mas, com o tempo, sua cachola foi perdendo a lucidez, talvez pela falta disso e daquilo, a ponto de presenteá-la com pedras, aves, flores, contas de âmbar e coisa e tal. Já num estágio mais agudo de debilidade mental, ou de falta mesmo, vestiu sua estátua com uma bela túnica e cobriu-a de reluzentes joias e chamou-a de Galateia. E mais, levou-a para seu leito e tratou-a como esposa, embora seu corpo continuasse duro como sempre. Coitado!
De uma feita, numa festa dedicada à deusa Vênus, da qual era devoto, ante o altar dos deuses Pigmaleão fez o seu ardente pedido:
– Deuses poderosos, que governais a vida dos pobres humanos, vede o sofrimento em que me encontro, e dai-me como esposa uma mulher semelhante à minha virgem de marfim.
Vênus, que ali se encontrava, sabia, contudo, que ele queria como esposa a sua própria obra, mas que tivera vergonha de fazer tal pedido. E se aquele era seu dia festivo, já tendo inclusive recebido vários sacrifícios humanos, flores e incensos, achou por bem fazer a vontade do artista, seu fiel seguidor, sem que ele de nada desconfiasse.
Mal terminaram os rituais festivos, Pigmaleão voltou apressado para casa, louco para tomar nos braços sua deusa de marfim. E lá se encontrava ela quietinha no leito do casal. Deitou-se a seu lado e começou a beijar-lhe os lábios ardorosamente. Sentiu o calor desses, mas imaginou que sua paixão estava esvaindo para a loucura. Quanto mais a beijava, mais quentes os lábios e o corpo ficavam. Estava pirado totalmente – pensava ele. E ainda assim continuava a acariciá-la nos lugares mais recônditos, que se mostravam mais macios ainda. Seu corpo parecia responder às suas carícias, exalando o néctar dos apaixonados. Somente após a junção do fálus ereto com a taça molhada pelo desejo, Pigmaleão tomou consciência de que sua criação, com o poder de sua amada Vênus, havia transformado-se em mulher. E que mulher! Da união entre Galateia e Pigmaleão nasceu Pafos, que deu nome à cidade consagrada à deusa Vênus.
Nota: Pigmalião e Galatéia (1886), obra de Ernest Normand
Fontes de Pesquisa
Mitologia/ Thomas Bulfinch
Mitologia/ LM
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