Autoria de Lu Dias Carvalho
Estou terrivelmente fascinado pelo problema de pintar cenas ou efeitos noturnos no local, ou melhor, à noite. Com frequência penso que a noite é mais rica e viva em cores do que o dia. (Van Gogh)
Nos últimos anos de sua vida o pintor holandês demonstrou um grande interesse pelos céus noturnos. Dizem que nutria grande interesse pela astronomia, sendo um leitor assíduo de uma revista com tal tema. Segundo algumas fontes, quanto mais ele questionava a relação entre o homem e o Cosmo, mais se interessava por tal ciência. Em uma de suas cartas ao irmão Theo, ele fala com grande entusiasmo sobre as cores e cintilações das estrelas e outros corpos celestes: No azul profundo as estrelas eram cintilantemente esverdeadas, amarelas, brancas, cor-de-rosa, de um brilhante mais vítreo do que em casa – mesmo em Paris: chame-se lhes opalas, esmeraldas, lápis lazuli, rubis, safiras. Certas estrelas são amarelo-limão, outras têm um rubor rosa, ou um verde ou azul ou um brilho que não se esquece. E, sem querer alargar-me neste assunto, torna-se suficientemente claro que colocar pequenos pontos brancos numa superfície azul-preta não basta. (Carta de Van Gogh a Theo em 19 de junho de 1888)
Nesta aula, ao findarmos nosso estudo sobre as obras de Van Gogh, às quais acabei dando um destaque maior, possivelmente pela empatia que nutro pelo artista, faremos o estudo de duas de suas pinturas: Noite Estrelada sobre Ródano (à esquerda) e Terraço do Café à Noite (à direita). Outras obras maravilhosas do artista encontram-se neste site.
A tela Noite Estrelada sobre Ródano foi pintada em Arles, sul da França, para onde Van Gogh mudou-se em busca de luz e cor, nove meses antes de internar-se num sanatório. Apesar da exuberância das cores azul e amarela, vistas na pintura, tudo se mostra calmo e esplendoroso com as luzes naturais, vindas das estrelas, e a luz dourada das casas refletindo-se no rio. As ondulações da água trazem um clima romântico. O impacto visual causado é imediato, estabelecendo uma magia entre a pintura e o observador.
Esta cena noturna baseou-se, segundo os pesquisadores, numa experiência comovente da escuridão sem fim, que Van Gogh descreve numa carta ao irmão: Uma vez fui dar um passeio pela praia deserta, à noite. Não foi alegre, nem triste – foi belo. O Ródano (francês Rhône) é um importante rio europeu que tem sua nascente na Suíça e acaba seu curso na França, onde desagua no mar Mediterrâneo. É o rio francês mais caudaloso e o mais importante rio europeu a desaguar no Mediterrâneo.
A composição intitulada Terraço do Café à Noite é uma obra de Van Gogh. Retrata a Praça do Fórum em Arles. Trata-se de uma cena noturna pintada no local. O artista tinha fascinação pelas noites provençais, cheias de estrelas, como podemos ver em muitas de suas telas. Sobre esta obra o artista assim se expressou: Aqui está um quadro noturno, sem ter usado tinta preta, somente azuis, violetas e verdes maravilhosos.
O céu de Terraço do Café à Noite encontra-se todo pintado de azul e não de preto, salpicado de estrelas de diversos tamanhos, embora seja noite. As pinceladas deixadas pelo pintor estão bem visíveis, pois a superfície não é alisada, sendo possível acompanhar o rastro do pincel. Várias pessoas estão assentadas em frente ao café. O garçom está vestido com um avental branco em meio aos clientes. Algumas mesas e cadeiras encontram-se vazias na entrada do café. Outras estão espalhadas pela rua à espera dos fregueses.
Alguns transeuntes conversam parados na rua. Um cavalo, que parece puxar uma carruagem, surge no centro da composição em direção ao café. Tanto as pessoas que se encontram na rua, quanto o cavalo recebem o reflexo amarelado da lâmpada a gás dependurada no café. Van Gogh usou a perspectiva na metade inferior do quadro, atraindo o olhar do observador em direção ao café. A composição apresenta duas fontes de luz: a natural – vinda das estrelas – e a artificial – vinda do café. Essas fontes se fundem, trazendo à obra uma luminosidade toda especial.
O café – em especial o toldo – apresenta inúmeros tons de amarelo que contrastam maravilhosamente com os diversos tons de azul. O verde também marca sua presença na tela. O vermelho está presente em pequena quantidade. Como o próprio artista registrou, embora se tratasse da noite, não existe a presença do preto.
Ficha técnica: (Noite Estrelada sobre Ródano)
Data: 1888
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 72,5 x 92 cm
Localização: Museu d`Orsay, Paris, França
Ficha técnica (Terraço do Café à Noite)
Data: 1888
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 81 x 65,5 cm
Localização: Kröller – Müller Otterlo, Holanda
Curiosidades:
Àqueles que se sentiram emocionados com a história de Vincent van Gogh, sugiro as seguintes obras:
- Sede de Viver – filme de Vincent Minelli
- Sonhos – filme de Akira Kurosawa
- Vincent e Theo – filme de Robert Altman
- Van Gogh – filme de Maurice Pialat
- Van Gogh/ Vida e Obra – Editora Taschen
Fontes de Pesquisa:
Van Gogh/ Editora Taschen
Tudo Sobre Arte/Editora Sextante
Van Gogh/Coleção Folha do Estado de São Paulo
Van Gogh/Abril Cultural
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Lu
Van Gogh considerava que a cor era o elemento mais importante da pintura. E ele sabia usá-la muitíssimo bem em suas pinturas. “Noite Estrelada sobre Ródano” é uma paisagem criada à noite, com cores fortes, originais, sem matizes. Passam as emoções que ele sente e quer transmitir através de sua arte. Essa obra mostra uma certa calma em relação a outras composições dele. Mas sua técnica harmoniosa impressiona. É notável pela firmeza, pelas cores e surpreende pela criatividade do gênio perturbado, mas que soube transmitir todas as suas emoções com tanta profundidade.
Marinalva
Você descreveu a obra de Van Gogh com muita sensibilidade. O artista sabia, como nenhum outro, transmitir aquilo que lhe ia pela alma. Apesar de sua mente conturbada, ele nos legou criações incríveis.
Abraços,
Lu
Lu
As obras de Van Gogh são lindas. Ele apresenta uma calmaria de vida através do céu que provoca uma sensação de tranquilidade, diferentes de outras obras suas – mostradas anteriormente – que eram carregadas de grande perturbação. Em suas cartas enviadas ao irmão Theo nota-se que tinha grandes dificuldades financeiras, sendo notório o contraste entre o sucesso póstumo (reproduções vendidas aos milhões e quadros vendidos por dezenas de milhões de dólares) e o fracasso e a rejeição que o artista experimentou em vida. Talvez isso tenha sido um dos motivos da tensão e de sua solidão intensa, sabendo de seu valor artístico não reconhecido.
Adevaldo
Sim, comparadas às obras anteriores, as duas apresentadas são bem mais calmas. Suas dificuldades financeiras eram realmente enormes. Não tinha dinheiro nem para comprar as tintas necessárias, sendo ajudado por seu amado irmão Theo. Não sei se Van Gogh tinha consciência de sua capacidade artística. Nunca li nada a respeito. Sei que ele apenas criava… criava, talvez para tentar escapar de sua depressão. O sucesso póstumo é mesmo um paradoxo.
Abraços,
Lu
Lu
Van Gogh pintou essa obra magnifica, “Noite Estrelada sobre Rodano” no quarto de Arles,na sua casa amarela. Esse foi um dos períodos mais brilhantes do artista, porque nessa fase ele foi muito feliz. Essa obra foi concebida antes da outra, vista anteriormente, o “Quarto de Arles”, também foi feita na casa amarela, especificamenteem seu quarto. Noite Estrelada Sobre Rodano remete uma tranquilidade para o observador, com o céu repleto de estrelas cintilantes refletindo na água, dando uma sensação de equilíbrio e beleza. Era a materialização dos sentimentos mais profundos que Van Gogh vivia naquele momento da sua existência. Infelizmente, nove meses depois ele foi internado num hospital psiquiátrico no sul da Franca, próximo de onde residia,e dois anos depois ele se suicidou, deixando o legado imensurável de um artista genial que não foi compreendido no seu tempo.
Hernando
Você amplia o texto ao trazer mais dados às pesquisas. O verdadeiro aluno é esse que não se contenta somente com aquilo que lhe foi repassado, mas sai em busca de novas informações. É realmente lamentável o fato de Van Gogh ter partido tão cedo, quando ainda poderia legar à arte obras maravilhosas. A genialidade excessiva é um grande bem, mas também um mal, pois muitas vezes o cérebro não é capaz de conter tantas ideias, passando por curto circuito. Veja o caso de Leonardo da Vinci que poucas vezes conseguiu complementar suas criações.
Abraços,
Lu