Prof. Hermógenes
O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental. Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos fala sobre o que realmente é ser normal.
Se você responder que sua cura é voltar a ser normal, eu ainda lhe pediria que meditasse um pouco sobre o que é ser normal. O que você chama de normal?
Esta pergunta não tem recebido resposta plenamente satisfatória. Ninguém pode dizer com infalibilidade o que é ser normal ou quem é normal. O critério considerado mais científico é o estático, segundo o qual o normal é tudo aquilo que está dentro da norma, isto é, da faixa do mais frequente numa coletividade ou numa coleção. O anormal é o oposto, isto é, o menos frequente. Na loura Finlândia, por exemplo, um negro é uma anomalia. Nas selvas da Nigéria, um louro também o é. Jesus, Sócrates, Gandhi, Luther King, por exemplo, foram “marginais” ou anormais nos ambientes e nos tempos em que viveram. Todo marginal cria problema: sejam os de baixo (delinquentes) sejam os anormais de cima, isto é, os santos e os sábios.
Aquele que é normal é geralmente bem ajustado à coletividade, pois se acomoda à mesmice dominante; afina-se pela vulgaridade; tem o mesmo comportamento, os mesmos interesses, as mesmas limitações, os mesmos defeitos, os mesmos gostos da maioria e até mesmo os mesmos ideais.
É ponto pacífico em ciência dizer-se que, em maior ou menor grau, somos todos neuróticos. Assim, o comportamento neurótico, pode-se concluir, é normal na sociedade. Não lhe cause isto alarma ou protestos, pois, na verdade, quanto mais econômica, técnica e politicamente desenvolvida uma sociedade, mais grave sua condição neurótica. Em “Psicanálise da Sociedade Contemporânea”. Erich From começa por demonstrar, estatisticamente, ser a frequência de suicídios, homicídios e alcoolismo, bem maior (normal, diríamos) nos países como os EE. UU., altamente desenvolvidos em tecnologia e cujo padrão de vida do povo é muito alto. Para ele, a sociedade contemporânea está doente e todo indivíduo bem ajustado a ela não deixa de, consequentemente, ser um doente. Seu livro é um tratado sobre a patologia da normalidade.
Ao dizer tudo isto, pretendi fazer você deixar de lamentar-se por sentir-se anormal. Problemas psíquicos e orgânicos não são privilégios seus. Seus contemporâneos, seus familiares, seus colegas de escritório, o homem da rua e até possivelmente seu conselheiro espiritual, pelo fato de viverem na mesma cultura, porque não passam de meros seres humanos, também são tíbios e vulneráveis a assaltos de angústia, sofrem de carências e imperfeições, cometem erros e deslizes, têm certas fobias, padecem desgostos e algumas vezes fracassam. Esta é a norma. O normal é a instabilidade da saúde orgânica, o desajuste e insatisfação psíquica e o sofrimento moral.
O que tem tirado sua coragem, sua vontade, a esperança e o respeito por si mesmo pode ser um estado de espírito, um vício que, embora você não saiba, é normal entre os seus companheiros de humanidade. Não ligue para quem (inclusive você mesmo) farisaicamente lhe apontar o dedo duro, acusando-o de fraco, pecador, neurótico, errado, desajustado…
Todos, dentro de certos limites, somos frutos do meio em que vivemos. É preciso ser muito vigilante, hábil e corajoso para conseguir salvar-se da normalidade enfermiça, isto é, da mesmice niveladora e tiranizante. Quando a sociedade elevar o padrão de suas normalidades, então seremos por ela ajudados a evoluir em nós mesmos. Mas esta sociedade sã, infelizmente, ainda é utopia. Por enquanto, o que nos convém mesmo é acautelarmo-nos contra um ajustamento exato e automático, cômodo e inconsciente a esta sociedade na qual estamos inseridos. O que nos protege não é exatamente sermos normais. E preferível muitas vezes o desajuste do que a acomodação cega ao ambiente. Ser diferente é profilaxia contra a normalidade doentia.
No plano do corpo, o conceito de normalidade é mais preciso e mais simples do que no plano psíquico. Quando as funções orgânicas se realizam em harmonia, cada órgão perfazendo a contento seu papel específico na economia orgânica, isto é, enquanto funcione bem a capacidade autorreguladora, autocurativa, auto energizante do corpo, o organismo estará reagindo ao meio interno e ao meio externo de maneira normal, e isto é saúde.
Na verdade, porém, não podemos falar separadamente em saúde mental e saúde orgânica. A divisão do homem em corpo e alma é hoje, já o sabemos, uma noção obsoleta. A ciência está dizendo que mente e corpo, matéria e espírito, constituem unidade. Reafirmo a conveniência de que você pense um pouco antes de cair presa da ânsia de ficar bom, de tornar-se normal, de superar logo suas imperfeições e fraquezas. Não seja intransigente com ninguém e principalmente consigo mesmo. Deixe de se horrorizar com suas quedas e crises. Lembre-se de que muita gente por você tida como curada, normal e mesmo perfeita também carrega uma cruz, também cai e levanta-se e novamente tropeça…
*Esse livro é encontrado em PDF no Google.
Nota: A Siesta, obra de Van Gogh
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Que texto excelente, obrigada por compartilhar, querida amiga, sempre me fortalecendo, esclarecendo… Muito amor!
Thaisa
Só temos a agradecer ao Prof. Hermógenes pelo maravilhoso trabalho que nos legou.
Beijos,
Lu