ORIGEM DA ARTE CRISTÃ (Aula nº 16)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

As obras mais primitivas relativas à arte cristã jamais representam Jesus Cristo em pessoa. Os judeus de Dura pintaram cenas que dizem respeito ao Antigo Testamento em suas sinagogas com o objetivo principal de contar a História Sagrada de uma forma bem compreensível para os seus fiéis. Assim também procederam os primeiros artistas convocados a pintar imagens cristãs nas catacumbas romanas. Estudos comprovam que esses artistas tinham conhecimento sobre os métodos da pintura helenística encontrada em Pompeia (cidade romana, localizada no sul da Itália, enterrada sob as cinzas do Monte Vesúvio em 79 d.C., sendo hoje um riquíssimo sítio arqueológico).

Embora tais pintores fossem capazes de invocar mentalmente a ideia de uma figura humana, usando apenas algumas pinceladas, isso parecia não ser de interesse deles. A representação pictórica (relativa à pintura) não mais se fazia presente como algo belo em si mesmo, passando a servir unicamente à religião. Seu objetivo era levar  os fiéis à compreensão do poder e misericórdia de Deus. O fim da pintura era, portanto, didático, colocando-se sob o poder da Igreja. Isso fez com que a arte seguisse um novo rumo.

A arte pictórica passou a deixar de lado tudo aquilo que não tivesse relevância dentro do objetivo proposto pela religião cristã, dando espaço para a clareza e a simplicidade, ou seja, abandonando os ideais de perfeição e da imitação precisa. Era visível o empenho do artista para narrar as histórias com clareza e objetividade dentro do contexto bíblico. Outro ponto importante era o fato de a Igreja ser a maior freguesa dos artistas, encomendando-lhes um número de obras cada vez maior. Ninguém queria perder tão importante compradora. Portanto, eram poucos os artistas que ainda se atinham ao refinamento e à harmonia que outrora dominaram a arte grega.

Os escultores não mais trabalhavam o mármore com perícia, como até então faziam os artistas gregos. Seus métodos eram rudimentares e toscos, importando-lhes apenas as principais características de um rosto ou corpo, apenas para que ficasse reconhecível. O fato é que as maravilhas da arte produzida até esse período iam se esfacelando com as guerras, revoltas e invasões que faziam o Império Romano declinar.

Ao longo de nosso curso, vocês irão percebendo que toda mudança na História da Arte tem uma (ou mais) razão de ser. Nada acontece por acaso. Além das causas listadas acima, talvez a mais fundamental para a mudança drástica na arte dessa época tenha sido o fato de que alguns artistas tenham se cansado do esmerado virtuosismo do período helenístico e passaram a buscar novos caminhos, novos efeitos.

Retratos criados nos séculos IV e V, por exemplo, fogem totalmente daquilo que preconizava a arte helenística na busca pela beleza e harmonia, no entanto, eles parecem mais naturais e mais expressivos. As feições acentuadas, a preocupação em mostrar as rugas da testa e a pele ao redor dos olhos parecem lhes dar vida própria, pois assim são os seres humanos, com as suas imperfeições. Os artistas retratavam, sobretudo, pessoas que assistiam os cultos e aceitavam a ascensão do cristianismo — fato esse que culminou com o fim do mundo antigo.

A composição que ilustra este texto — encontrada na catacumba Priscila em Roma — recebeu o nome de “Três Homens na Fornalha Ardente”, sendo provavelmente criada no século III. Refere-se à história bíblica (Daniel 3) que relata o comportamento de três altos funcionários judeus — no reinado de Nabucodonosor — que não aceitaram ajoelhar-se diante de uma imensa estátua erigida em ouro e adorá-la. Em razão de seu comportamento, os três personagens foram jogados numa fornalha ardente. Milagrosamente, porém, o fogo não lhes causou nenhum mal, pois, segundo a narrativa bíblica, o Senhor “enviou seu Anjo e libertou seus servos”.

A cena cristã pintada não objetivava agradar o pintor, mas apenas repassar o ensinamento de que Deus ajuda os seus seguidores. E, assim, apenas as figuras toscas dos três homens em seus trajes persas, as chamas e a pomba (simbolizando a ajuda divina) eram o suficiente para a compreensão do devoto em relação à narrativa. O pintor apenas se preocupou em dar a maior clareza possível à sua obra. Colocou as três figuras de frente, olhando para o observador, com as mãos erguidas em oração. Sob o ponto de vista da pintura cristã da época, nada mais era necessário.

Exercício:

  1. O que fez a arte seguir um novo rumo nessa época?
  2. Por que os artistas passaram a produzir uma arte tosca?
  3. A representação artística acima seria capaz de emocionar os devotos? Por quê?

Ilustração: Os Três Homens na Fornalha Ardente, século III d.C., mural, Catacumba Priscilla, Roma.

Fonte de pesquisa
A História da Arte / Prof. E. H. Gombrich

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14 comentaram em “ORIGEM DA ARTE CRISTÃ (Aula nº 16)

  1. Marinalva Dias Autor do post

    Lu
    Este assunto é muito fascinante! Pelo que entendi, a arte Primitiva Cristã divide-se em dois períodos: antes e depois do reconhecimento do cristianismo como religião oficial do Império Romano por Constantino no Edito de Milão no ano de 330 da nossa era, o que inaugurou uma nova fase na arte cristã. Nas catacumbas havia símbolos dos cristãos primitivos como desenho do peixe representando Cristo, o pão representando a eucaristia, etc. Com o passar dos anos esse tipo de desenho simbólico deu lugar aos afrescos e relevos mais explícitos, sendo os artistas muito requisitados para trabalhar nessas obras. A qualidade da arte caiu muito, pois, enquanto os objetivos dos que mandavam era fazer a religião cada vez mais conhecida, a dos artistas era ganhar o salário deles, não se preocupando com a criatividade. É isso, quem pode manda, quem precisa obedece.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Marinalva

      Estudar a História da Arte é algo mesmo muito interessante, pois nos dá uma visão total de mundo, abrindo nossa percepção sobre fatos que, embora façam parte do passado, determinaram os caminhos da humanidade.

      Você compreendeu direitinho o que foi repassado. Tem sido uma participante exemplar, comprometida com o curso e em aprender cada vez mais. Parabéns, sua presença valoriza muito o nosso curso!

      Você escreveu em seu comentário:
      “É isso, quem pode manda, quem precisa obedece.”

      Sua observação é verdadeira. Quem precisa, ainda que discorde, muitas vezes é obrigado a sujeitar-se aos ditames dos poderosos – é o que chamamos de sujeição. E isso é ainda mais constante quando se trata de países culturalmente subdesenvolvidos em que o povo não passa de mero complemento, trocando em miúdos, é um zero à esquerda.

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  2. Adevaldo Rodrigues

    Lu,

    A esta altura do curso nota-se que as mudanças dos estilos da arte foram influenciadas pelas crenças, costumes e integração entre os povos. Nota-se, também, que arte e religião se encontram desde as pinturas rupestres.

    Você poderia esclarecer um pouco mais sobre o papel da religião na relação com as artes, dentro do contexto da espiritualidade e expressão artística e suas formas de transmitir mensagens.

    Abraço,

    Devas

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Adevaldo

      Ainda que não se tenha certeza absoluta, muitos historiadores relacionam as pinturas rupestres com a religião, enquanto outros acham que tem a ver com drogas alucinógenas, já usadas naquela época. Poucos povos viram na arte apenas a sua finalidade, sem nenhum outro objetivo. A arte e a religião sempre estiveram atreladas, a exemplo dos habitantes da Mesopotâmia e do Egito Antigo. Ao que parece, o homem sempre se preocupou com a transitoriedade da vida, buscando na religião uma resposta para isso. A cultura greco-romana deixa isso ainda mais claro com sua infinidade de deuses. Fica ainda mais forte quando a religião cristã passa a ser oficializada no Império Romano e arte passa ter uma função apenas didática: a fé. A partir do Renascimento é que começamos a ver o desatrelamento da arte da religião.

      Abraços,

      Lu

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  3. Ângela Autor do post

    Lu
    Estou adorando o curso, aprendendo muito e mudando o meu modo de ver as coisas. Aqui em casa minha mãe, minha irmã e eu estamos fazendo todas as aulas. A gente fica discutindo sobre o assunto. É muito legal!

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Ângela

      Que bom, minha amiguinha. Todo aprendizado modifica o nosso modo de ver a vida. É muito bom saber que sua mãe e irmã estão participando. Convide seus colegas e amigos para participarem também.

      Beijos,

      Lu

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  4. Moacyr Autor do post

    Lu

    A ciência nasce da observação e da experimentação. O mesmo se dá com a arte. Uma vez que os artistas sentiram que não precisavam buscar o aprimoramento, eles simplesmente jogaram a toalha. O dinheiro entrava fácil e o serviço era mínimo. Isso acontece com os povos em todos os campos quando perdem o estímulo.

    Abraços

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Moacyr

      O estímulo é a mola mestra que levanta um grupo, um povo, uma nação. O exemplo que esses artistas repassam pode ser aplicado nos mais diferentes campos da vida humana. Fora disso o que existe é a proliferação do desinteresse, da mesmice e da vulgaridade – é o caos.

      Abraços,

      Lu

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  5. Hernando Martins

    Lu

    É interessante observar como a arte muda de vertente quando muda o direcionamento dos temas a ser abordados.

    A partir do momento em que a igreja passa a ter influência no Império Romano há uma mudança brutal na concepção da arte, principalmente das artes pictórica e escultural. Os artistas são orientados pela “santa madre igreja” a dar mais importância à simbologia na arte, no caso da pictórica, através de trabalhos com objetivo didático, de passagens bíblicas, com o intuito de fortalecer a fé cristã. Os trabalhos artísticos não têm mais aquela harmonia e perfeição das artes do período helenístico, sendo mais simples e menos elaborados.

    Verifica-se também nos trabalhos esculturais que o objetivo é mostrar a realidade com simplicidade e detalhes das expressões humanas com suas peculiariedades, como rugas, veias dilatadas, etc., enquanto na arte grega as esculturas eram mais grandiosas e harmônicas. A arte é a melhor forma de contar a história das civilizações, porque ela registra, através das obras artísticas, todo o pensamento político, social, cultural e religioso de determinada época da história da humanidade.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Hernando

      A arte é realmente o retrato fiel de uma época. Ainda que os artistas não fossem obrigados a criá-la como queria a Igreja – como acontecia no Egito Antigo quando todos deveriam seguir um código – eles sabiam que, se quisessem ter trabalho, teriam que seguir as determinações religiosas, uma vez que a Igreja era, nessa época, a grande empregadora e consumidora da arte, se comparada com os pequenos trabalhos encomendados pelos nobres. Ou os artistas se curvavam ante seus códigos ou ficavam desempregado. E todos buscavam avidamente trabalhar para a Igreja. E, com isso, eles foram se acostumando a fazer apenas aquilo que era estritamente necessário e, como consequência, foram embotando sua capacidade criativa, uma vez que não buscavam mais o aperfeiçoamento, deixando de lado a observação e a pesquisa. Mas, como neste mundo não existe bem ou mal que dure para sempre, vamos ver que mudanças começam a ocorrer ainda que gradualmente, até a chegada do Renascimento, quando acontece uma grande explosão na criação artística, inclusive no campo das descobertas. Reafirmo o que pensa:

      “A arte é a melhor forma de contar a história das civilizações, porque ela registra, através das obras artísticas, todo o pensamento político, social, cultural e religioso de determinada época da história da humanidade.”

      Abraços,

      Lu

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  6. Antonio Messias Costa

    Lu
    A motivação econômica sempre foi o pano de fundo em toda história, quando não para o artista, para aqueles que vislumbravam nele a possibilidade de ganhos, diretos ou indiretos. A influência da religião na arte não fugiu a esta regra. A perda de qualidade artística no início do período cristão, retrata o objetivo maior em detrimento da qualidade inspiradora. A pintura dos três indivíduos emocionava os devotos, cujo sentimento seguramente ultrapassava a percepção artística, embalados pelo medo e pela glória – assim se plantava para a humanidade o que hora ainda vivemos: a grande comercialização da fé. Pulando para a lógica do tema, Deus não se explica, cada um o vive no seu tempo, necessidade e processo!

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Antônio

      É interessante fazer um paralelo entre a fé cristã dos primeiros cristãos que se reuniam nas catacumbas e a dos cristãos que já se encontravam livres para professar a sua fé, a partir do momento em que a religião cristã tornou-se oficial no Império Romano. Há uma mudança substancial nas diretrizes dessa fé, quando o poder se instala. Ela perde a sua simplicidade para dar espaço à grandeza. E como era a Igreja Cristã a que mais oferecia trabalhos aos artistas, eles tiveram que se curvar aos seus métodos (não que ela os obrigasse a isso), se quisessem continuar prestando-lhe seus serviços, como vimos no caso de Caravaggio anteriormente. É realmente muito triste ver que a fé continua sendo um trampolim para a riqueza e o poder. Chega a ser imoral! É possível que isso não acabe nunca, principalmente nos países mais atrasados.

      Abraços,

      Lu

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      1. Antônio Costa

        Lu

        Concordo plenamente, a fé está sendo manipulada para obtenção de poder e grana. Por outro lado, embora a fé seja inexplicável à luz da razão, muitos cientistas já evidenciaram a sua influência no bem-estar, aumento da imunidade das pessoas fervorosas e até mesmo cura na vida de muitas pessoas. Daí a razão da importância de um estado laico.

        Responder
        1. LuDiasBH Autor do post

          Antônio

          A fé sem manipulações é realmente muito importante, pois tem o poder de transformar as pessoas em seres melhores, mas quando serve apenas de trampolim para o poder e a riqueza é como destampar o bueiro do inferno, como diz um amigo meu. Quanto a seus efeitos, eles estão mais do que comprovados, assim como os negativos, pois, desprovida de reflexão a fé pode levar à loucura, como veremos mais adiante em nosso curso. Também não podemos nos esquecer do efeito placebo…

          Abraços,

          Lu

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