Autoria de Beto Pimentel
É preciso estudar a sociedade pelos homens, e os homens pela sociedade: os que quiserem tratar separadamente da política e da moral nunca entenderão nada de nenhuma das duas. (Jean-Jacques Rousseau)
De acordo com Thomas Hobbes, a vida humana seria “desagradável, brutal e curta” sem autoridade política. Na sua ausência, vivemos em um Estado de natureza, onde cada pessoa tem ilimitadas as suas liberdades naturais, incluindo o “direito de todas as coisas” e, portanto, a liberdade de prejudicar todos os que ameaçam a nossa própria autopreservação. Neste sentido, haveria um interminável conflito de todos contra todos. Para evitar isso, homens livres estabelecem a comunidade política, da sociedade civil, através de um contrato social em que cada um ganha os direitos civis em troca de submeter-se ao direito civil ou à autoridade política. O contrato social é, portanto, um meio para um determinado fim — o benefício de todos só é legítimo na medida em que se reúne o interesse geral.
Rousseau, filósofo iluminista, entendia que a sociedade havia pervertido o homem natural, que vivia harmoniosamente com a natureza, livre de egoísmo, cobiça possessividade e ciúme. A sua teoria política pode ser considerada como uma síntese do pensamento de Hobbes e Locke. O ferro e o trigo civilizaram o homem e arruinaram a espécie humana. Para Rousseau, a maldade existente entre os homens explica-se na própria evolução humana, classificada por ele em três estágios diferentes:
1.º Estado – homem natural
2.º Estado – homem selvagem
3.º Estado – homem civilizado
O homem natural é um animal que se integra à natureza e a mesma é generosa para com ele, que vive isoladamente por vontade própria, independente do semelhante, mas dependente da natureza, de onde retira tudo o que precisa e é guiado pelo instinto da conservação. O homem selvagem, remetendo-nos às sociedades indígenas, já tem um interesse particular, marcas, vícios, conflitos a partir da consciência moral, de onde nasce a virtude. O homem civilizado tem seus interesses particulares fortalecidos e entra em conflito, pois sua consciência moral é abafada, existindo a oposição de interesses. Assim, o homem tornou-se egocêntrico e individualista, tornou-se um homem natural no pior sentido possível.
Por várias vezes, eu tenho procurado analisar alguns acontecimentos que presenciamos através da mídia, no convívio com diversas pessoas ou mesmo sofrendo as consequências da própria realidade que nos cerca: políticos corruptos, desvios de verbas públicas que poderiam ser investidas em hospitais, na melhoria da educação, a maldade sem limites dos tiranos, a desvalorização da vida por bandidos oriundos de todas as classes sociais. Enfim a maldade humana. Assim, volto sempre ao mesmo dilema, à questão básica: o homem nasce mau ou é fruto da sociedade onde vive? Procuro a resposta nos grandes filósofos da humanidade, mas não a encontro. Há sempre um ponto falho nos seus pensamentos e conclusões, ou não consigo entender. A causa seria as minhas próprias limitações intelectuais?
Entretanto, noutro dia encontrei um dileto amigo de infância no interior de São Paulo. Homem simples que crescera e ainda vivia no sítio da sua família. Após um bom papo de doces lembranças, surgiu a conversa inevitável sobre política e, por consequência, a questão básica: o homem nasce mau ou é fruto da sociedade onde vive? Foi então que o meu velho amigo, contou-me a seguinte fábula, que ouvira do seu avô:
“Durante uma enorme e devastadora seca, um incêndio de grandes proporções tomou conta da floresta. Todos os bichos, correndo juntos e esquecendo-se do fato de serem predadores ou presas, foram em direção a um grande rio. Os que sabiam nadar, o fizeram sem dificuldades. Os que não sabiam ficaram na margem, apavorados com o fogo que se aproximava. Mas eis que um escorpião avistou um pato vindo em sua direção e lhe disse:
– Compadre pato, por favor, ajude-me por piedade atravessar o rio. Preciso ver, pelo menos mais uma vez na vida, a minha fêmea e os nossos dez novos filhotes. Deixe-me atravessar nas suas costas!
Ao que o pato respondeu de pronto:
– De jeito nenhum. Já vi muitos parentes morrerem sem qualquer motivo por picada de escorpião!
Ao que o escorpião replicou:
– Mas compadre pato, vamos esquecer o passado. Ajude-me, pois morrer queimado é horrível. Além disso, eu nunca lhe daria uma ferroada, pois nós dois morreríamos afogados!
E o pato, movido pelos sentimentos que unia os bichos no momento de grandes catástrofes, concordou em dar uma carona ao escorpião. Mas, quando estavam no meio do rio, o pato sentiu uma forte e penetrante picada nas costas. E já perdendo as forças, dirigiu-se ao escorpião:
– Mas por quê? Você prometeu! – E, antes de perder os sentidos, o pato ouviu do escorpião:
– Eu sei que ambos vamos morrer. Mas o que eu posso fazer? Eu não posso evitar, pois o que acabo de fazer é próprio da minha natureza!”.
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