Autoria de Lu Dias Carvalho
Dona Iblantina e o senhor Dario Campos foram agraciados com seis meninas. Na verdade o casal não desejava uma prole tão numerosa, mas, enquanto esperava ansiosamente pela chegada de um varão, as meninas foram tomando a frente. Quando já eram cinco as mocinhas e já com um rebento no bucho, dona Iblantina deu um ultimato ao marido que tinha certeza que dessa vez viria um machinho.
– Sendo menino ou menina, homem, a fábrica será fechada. Já não aguento mais tanta espera e aperreação. Só eu sei o trabalho que essas crianças me dão! Já chega!
Pobre senhor Dario Campos, para seu desencanto quem chegou foi Rosalina, tão bonita como um botão de flor de laranjeira. O jeito foi se conformar, pois, como prometera sua mulher, a fábrica fora fechada a sete chaves.
As meninas foram crescendo e encorpando-se, atraindo os olhares gulosos masculinos. Mas rapaz algum servia para as filhas do distinto casal, pois dona Iblantina sonhava, para cada uma delas, criadas com muita denguice, uma vida de princesa. Dizia aos quatro ventos de sua pequena cidade:
– Filha minha só casa com rapaz diplomado, rico e bem apessoado. Não pari filhas para dar a um qualquer. Pés-rapados aqui passam longe. Não servem nem como visitantes.
Coitadinhas das seis mocinhas: Rosalva, Rosilene, Rosana, Ronilda, Rosmânia e Rosalina! Elas nunca arranjavam um namorado tal e qual queria a mãe. Se o varão tinha duas das qualidades exigidas, faltava-lhe a terceira e, se tinha apenas uma, faltavam-lhe as outras duas. E se não tinha nenhuma, não passava nem na calçada do casarão. Enquanto isso, as moçoilas iam ficando com aqueles olhos de cachorro pidão, à procura de um bom partido que agradasse à genitora. E o tempo passando!
O fato é que, como quem muito escolhe acaba ficando com o pior, a coisa foi se complicando. Já driblando o Cabo da Boa Esperança, sem mais alternativas para voltarem no tempo, casaram-se as seis moças com pés-rapados. Dona Iblantina, já adornada pelos cabelos brancos, ficou conformada. Nenhum dos maridos trazia sequer um dos atributos estipulados pela zelosa mãe, mas compensaram o fato de não serem ricos, diplomados e bem apessoados tratando suas filhas com muito amor e dedicação. Dona Iblantina caiu na real e mudou sua cantilena em relação às netas:
– Minhas netas não precisam se casar com moços diplomados, ricos e apessoados. O que importa na verdade é que sejam trabalhadores e dediquem-lhes muito amor. Podem ser pés-rapados ou pés-rachados, o que importa é a benquereça.
A expressão pé-rapado refere-se a uma pessoa de condição humilde, pobretona. Já era conhecida no século XVII, sendo usada até os nossos dias. Referia-se principalmente ao pé-rapado da zona rural. Pelo fato de andar descalço em razão de sua pobreza, o pobre trazia os pés sempre sujos de poeira ou lama, tendo que rapá-los para entrar nas casas, enquanto os que detinham melhores condições financeiras andavam a cavalo.
Tal expressão encontra-se registrada na Guerra dos Mascates, acontecida no início do século XVIII, no estado de Pernambuco. Enquanto as tropas portuguesas faziam uso de botas e uniforme militar, o exército de camponeses andava descalço, sendo tratado pejorativamente de pés-rapados. A expressão pé-rachado traz o mesmo sentido de pé-rapado, só que neste caso, além de ter os pés sujos de lama, o pobre coitado ainda traz rachaduras na sola dos pés em razão da falta de calçados. Pobre sofre!
Views: 4