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Autoria de Lu Dias Carvalho

Quando eu via meu pai, a barba e as rugas de seu rosto, sentia-me tomado de profunda pena. E quando contemplava uma árvore novinha, ou a lua, ficava encantado com sua beleza. Mas eu não atinava com o que eu poderia fazer dessas sensações. (Chagall)
O pintor russo Marc Chagall (1887-1953) nasceu de pais pobres e incultos, sendo que o cotidiano da família desenrolava-se num gueto judaico da cidade russa de Vitebsk. Desde pequeno ajudava o pai no mercado, onde tinha uma banca de peixes. Apesar do cansativo trabalho, não abria mão da leitura diária dos livros sagrados do Judaísmo e de assistir aos cultos na sinagoga. A vida em família era pacífica, apesar de simples, embora houvesse o temor dos periódicos “pogroms” (massacres). Desde criança, Chagall mostrava-se muito sensível, enternecendo-se com as coisas mais simples que via. Gostava de desenhar. Seus primeiros desenhos eram feitos com carvão e papel. Hoje veremos duas obras do artista: A Crucifixão Branca e Solidião.
A primeira composição, intitulada A Crucifixão Branca (ilustração à esquerda), em que Jesus Cristo, tido pelos judeus como um profeta do Deus da cristandade, é morto e crucificado como homem. Aqui, nesta sua única obra, o pintor deixa para trás a leveza e a doce ironia de suas obras, para buscar na religião uma resposta para o medo existencial. A imensa cruz com Cristo crucificado, coberto com um pano judaico da cintura para baixo, indo até próximo aos joelhos, e trazendo um pano na cabeça, em vez da coroa de espinhos, ocupa o cento da composição. Junto à cruz está a escada usada para retirar Cristo da cruz. Inúmeras cenas de selvageria acontecem em volta de Jesus Cristo crucificado:
- em primeiro plano, pessoas correm para fora do quadro, na tentativa de deixarem para trás o caos, inclusive uma mulher com seu bebê;
- um menorá (candelabro sagrado de sete braços), com suas velas acesas, parece iluminar o caminho dos que fogem;
- Asevero, o Judeu Errante, usando uma vestimenta verde e um saco às costas, passa por cima do rolo da Torá que se encontra em chamas;
- no céu tormentoso e amedrontador pairam quatro figuras, que são as testemunhas do Antigo Testamento, em lamentação;
- bandos de revolucionários com suas bandeiras atravessam uma aldeia, onde duas casas estão queimando e uma terceira encontra-se de cabeça para baixo. Eles estão roubando e destruindo o que encontram pela frente;
- dentro de um barco à deriva, os fugitivos, compostos por homens, mulheres e crianças, pedem socorro;
- à direita, um homem, com um uniforme nazista, ateia fogo numa sinagoga;
- vários objetos, incluindo livros sagrados espalham-se em derredor.
Um enorme raio de luz branca, vindo da margem superior da tela, ilumina Cristo crucificado, como a dizer que ainda há esperança, apesar de todas as atrocidades. Chagall em sua obra repassa a mensagem de que a fé é capaz de remover todo o sofrimento, por mais terrível que ele possa parecer, ou seja, há sempre esperança.
A segunda composição, intitulada Solidão (ilustração presente à direita), foge à alegria encontrada nas suas obras anteriores. O quadro exala uma contagiante tristeza, que ganha vida através do pincel do artista. Chagall não se mostra indiferente às ameaças ao seu povo. A pintura mostra um judeu, vestido com seu escuro hábito de orações, coberto por um manto branco, sentado no gramado, ao lado de um boi, com os olhos voltados para o chão. Seus cabelos são escuros assim como as espessas sobrancelhas. Um bigode e uma barba longa entrelaçam-se e ajudam a compor os seus fortes traços fisionômicos. Não se pode precisar qual seja a idade do personagem.
A expressão desse homem religioso, que se ampara na mão direita, repassa um profundo desalento. Ele se mostra perdido em suas divagações, como se não houvesse mais esperança em relação àquilo que o atormenta. Na mão esquerda traz o rolo vermelho da Torá (os cinco primeiros livros do Tanakh) ainda fechado. Parece encontrar-se alheio a tudo em derredor.
À esquerda do judeu encontra-se deitada uma vaca branca, trazendo também um olhar tristonho. O homem simboliza Asvero, o Judeu Errante, vagando pelo mundo sem destino certo. Um violino jaz no chão, possivelmente silenciado pela atrocidade das perseguições vividas pelo povo judeu. O anjo vestido de branco, no céu turbulento, é perseguido pelas árduas tempestades acontecidas na vida do povo judeu, como se a esperança voasse sempre para longe, vitimada pelas violentas perseguições. O anjo, o boi e o judeu parecem formar uma pirâmide branca. Ao fundo, em segundo plano, vê-se a cidade com suas casas e sinagogas.
Ficha técnica (A Crucifixão Branca)
Ano: 1938
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 155 x 140 cm
Localização: Instituto de Arte de Chicago, Chicago, EUA
Ficha técnica (Solidão)
Ano: 1933
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 102 x 169 cm
Localização: Museu de Tel Aviv, Telavive, Israel
Fonte de pesquisa
Marc Chagall/ Taschen
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