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Autoria de Lu Dias Carvalho (Clique na imagem para ampliá-la.)
Manet tem um grande talento, um talento que resistirá. Mas ele é frágil. Pareceu desolado e atordoado pelo choque. O que me impressiona é a alegria de todos os idiotas que acreditam que ele foi vencido. (Baudelaire)
Basta ser diferente dos outros, pensar com a própria cabeça, para se tornar um monstro. Você é acusado de ignorar a sua arte, fugir do senso comum, precisamente porque a ciência de seus olhos, o impulso de seu temperamento, levam-no a efeitos especiais. É só não seguir o córrego largo da mediocridade que os tolos apedrejam-no, tratando-o como um louco. (Émile Zola)
O pintor francês Édouard Manet (1832-1883) nasceu em Paris, numa família de classe alta, sendo seu pai juiz e sua mãe filha de um diplomata francês. Era o mais velho dos três irmãos: Eugène que viria a se casar com a pintora Berthe Marisot, e Gustave. Embora tivesse tido uma criação muito rigorosa, encontrando a oposição de seu pai em relação à carreira de artista, seu tio Édouard Fournier, irmão de sua mãe, levava-o ao Louvre, para conhecer os grandes mestres da pintura e da escultura. Para muitos as suas obras situam-se entre o realismo e o impressionismo. Manet esteve no Brasil quando era um simples marinheiro da Escola Naval, encantando-se com o exotismo do país, mas abominando a escravidão.
Nenhuma obra de arte causou tanto furor ao ser apresentada no Salão de Paris em 1865 como a Olímpia de Manet, numa reinterpretação de Vênus de Urbino do mestre Ticiano, em que a modelo é claramente vista como uma meretriz parisiense, embora adote uma pose semelhante à de Vênus no quadro citado. Seria Olímpia uma prostitua ou uma Vênus de sua época? O que choca a sociedade moralista e hipócrita é a falta de idealização do pintor, ao retratar a personagem nua, pois a Vênus moderna mostra-se dentro de um quarto de bordel.
Olímpia encontra-se num ambiente pequeno e contemporâneo, ao contrário da idealizada Vênus de Urbino (texto presente no nosso blogue), deitada sobre um xale de seda decorado com flores em suas margens. Ela pousa o braço direito sobre uma almofada branca e traz a cabeça levantada, olhando para o observador desdenhosamente. O painel rosado e as cortinas escuras impedem de ver o que há por trás, obrigando o observador a direcionar seu olhar para a mulher nua e sua cama desarrumada. Pode-se imaginar que algum cliente esteja à espera dos prazeres oferecidos pela Vênus mundana de Manet.
Críticos e público sentiram-se ofendidos com a tela do pintor. Ele foi julgado impiedosamente por sua irreverência, ao mostrar uma mortal comum e não uma ninfa clássica ou uma figura divina nua. Manet pagou um alto preço por confrontar a hipocrisia da época. A pintura também não agradou às mulheres presentes no Salão de Paris de 1865 que a consideraram imoral e uma afronta à sociedade. E pior, a composição não seguia os cânones do Salão, sendo vista apenas como a apresentação de uma mulher despida.
Não significa que a tela de Manet fosse incomum à época. Nada disso! Composições mostrando ninfas e deusas antigas nuas permeavam as exposições do Salão de Paris, sendo vistas com grande admiração pelos críticos e público. Contudo, Olímpia fugia à regra, pois era moderna, real e não trazia a beleza clássica tão inacessível e admirada por críticos e público de então. Seu corpo não era escultórico como as anteriormente mostradas e nem tinha as formas arredondadas idealizadas pelas convenções da época. Até o tom de sua pele foi criticado.
A única veste usada por Olímpia é uma fita preta em volta do pescoço em forma de laço com uma pedra no meio, o que torna sua nudez ainda mais aparente. Ostenta um penteado da época, arrematado por uma enorme orquídea rosa, símbolo de sexualidade. Traz brincos de pedras nas orelhas, uma pulseira no braço direito e chinelos de fio de seda nos pés que atestam a sua condição de prostituta elegante. O chinelo caído do pé direito, embora seja um mero detalhe no quadro, simbolizava a perda da inocência, segundo a simbologia convencional da época, atiçando ainda mais as críticas à obra.
A mão esquerda cobrindo a genitália também não agradou à crítica e ao público, pois, embora esta posição fosse comum nas composições clássicas, onde o gesto era visto como um símbolo do recato, na obra de Manet o olhar direto e franco de Olímpia não traduz retraimento ou decoro, mas indica desafio, indiferença. Sua figura expele luminosidade e sua pele branca sobressai diante do fundo escuro que também ressalta o rosa pálido do vestido da criada negra, usando um lenço avermelhado e brincos pendentes da mesma cor.
A criada, de pé, à esquerda de Olímpia, aguarda o momento preciso para lhe entregar um buquê de flores embrulhado em papel de seda. Possivelmente trata-se de um mimo de algum admirador que aguarda seus favores, segundo a interpretação da crítica. Em relação à escrava negra que se apresenta totalmente vestida, o que acentua ainda mais a nudez da patroa, discute-se ainda, nos meios acadêmicos, como sendo ela a personagem principal da composição.
Olímpia mostra-se indiferente à presença da mulher, sendo o distanciamento físico entre as duas personagens visto como um sinal da distância afetiva entre ambas. E o buquê de flores, símbolo clássico da sexualidade feminina naquele tempo, enfatiza a carga erótica da cena, como queriam alguns. A colcha (ou xale) de seda sobre o divã também é adornada com flores. Pode ser que o pintor, que lutava para romper com o convencional, não pensou em nada do que foi apregoado pelos críticos. Mas quem pode refrear a maldade presente na imaginação humana?
Enquanto Ticiano apresenta na sua composição um cãozinho dormindo, Manet coloca um gatinho preto aos pés de Olímpia, que se transforma no principal motivo de chacotas, aparecendo nas caricaturas que zombam do pintor. Manet, porém, transforma o bichinho num talismã, apresentando-o em inúmeras telas. O artista foi apelidado sarcasticamente de “o pintor dos gatos”. Alguns críticos acham que a presença do bichinho, fonte de superstição, “pode” indicar que a cena era vista como tabu. O que pode ser imaginado, mas não provado.
Para compor sua tela Olímpia, Manet inspirou-se em duas obras conhecidas: a Vênus de Urbino, obra de Ticiano (Ticiano – A VÊNUS DE URBINO), e a Maja Desnuda (Goya – A MAJA NUA), obra do pintor Goya. Ele levou dois anos para pintar sua tela e tinha o seu trabalho em alto preço, por isso, ficou arrasado com as críticas feitas a ela, tanto é que a tela permaneceu em seu ateliê até sua morte.
O impressionista Claude Monet foi responsável em 1890 por comandar uma campanha para que a tela Olímpia fosse comprada e doada para coleções públicas. Após 17 anos de luta a composição ganhou um lugar no Louvre, ao lado do quadro Grande Odalisca de Ingres.
Curiosidades
- Victorine-Louise Meurent, modelo favorita de Manet, é a mesma modelo de Almoço na Relva ( Manet – O ALMOÇO NA RELVA ), tela do pintor que também foi alvo de críticas, na qual ela também se apresenta nua. Foi justamente seu olhar penetrante e firme que chocou o público, achando que se tratava de uma prostituta despudorada e fria.
- Victorine também era pintora e muitas de suas obras foram mostradas no Salão.
Ficha técnica
Ano: 1863
Técnica: óleo em tela
Dimensões: 130,5 x 190 cm
Localização: Museu d`Orsay, Paris, França
Fontes de pesquisa
Manet/ Abril Coleções
Tudo sobre arte/ Editora Sextante
Grandes pinturas/ Publifolha
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
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