Assis Valente fez todos os sambas, na forma como na essência, dentro da norma carioca – ritmo, na estrutura e na linguagem. São quase sempre crônicas da vida no Rio, o quadro de costumes flagrando invariavelmente o ângulo mais interessante, de preferência com a acentuação do toque lúdico. Nas marchinhas carnavalescas, equilibrou irreverência e malícia, se é que se pode falar de equilíbrio a propósito de categorias tão picantes. (Moacyr Andrade – jornalista, escritor e crítico de música popular)
O compositor, protético e desenhista José de Assis Valente nasceu na cidade de Salvador/BA, em 1911, tendo como pai o descendente de portugueses, José Assis Valente e, como mãe, a negra Maria Esteves Valente. A primeira fase da vida de Assis Valente é bem obscura. Não há clareza nos acontecimentos. Nem mesmo o local de nascimento é confiável. Parece que ele foi morar com os “padrinhos”, dos quais se desligou, indo trabalhar num hospital. Também estudou desenho e escultura, além de concluir um curso de prótese dentária, em que foi excelente profissional. Como desenhista ganhou um prêmio importante que lhe foi entregue pelo governador da Bahia, à época.
Assis Valente deve ter vindo para a cidade do Rio de Janeiro, possivelmente, em 1927. Ali, ele trabalhou como desenhista nas famosas revistas Fon-Fon, O Cruzeiro e na Shimmy. Também trabalhou como protético. Heitor dos Prazeres, pintor e sambista, aproximou-o do meio musical. Uma de suas composições mais conhecidas é Boas Festas, tendo se inspirado, para compô-la, numa gravura em que uma menininha, com os sapatos sobre a cama, aguarda o presente de Papai Noel. A canção foi gravada por Carlos Galhardo, obtendo um retumbante sucesso.
Anoiteceu/ O sino gemeu/ A gente ficou/ Feliz a rezar/Papai Noel/ Vê se você tem/ A felicidade/ Pra você me dar…
Ao completar 21 anos, Assis Valente já estava sendo gravado por Aracy Cortes, rainha do teatro de revista. Ela gravou a música Tem Francisca no Morro, uma crítica ao excesso de estrangeirismos e modismos. Sua segunda intérprete foi Carmen Miranda, por quem nutria uma grande paixão. Foi uma longa parceria, entre compositor e intérprete, até que a diva partiu para a terra do Tio Sam.
Camisa Listrada, E o Mundo Não Se Acabou, e Uva de Caminhão são três das pérolas de Assis Valente interpretadas por Carmen Miranda. O samba Recenseamento foi a última composição do músico gravada por ela, ao voltar dos Estados Unidos. Infelizmente, Carmen se recusou a gravar Brasil Pandeiro, um dos sambas mais populares do autor, inclusive, gravado por inúmeros cantores da atualidade, como Morais Moreira, Pepeu, Baby Consuelo, etc… Para o fato de Carmen ter se recusado a gravar um samba de um compositor que a idolatrava, Abel Cardoso Júnior explica:
“Penso que Carmen não gravou Brasil Pandeiro porque a letra a exaltava e ela, por modéstia ou receio de parecer cabotina a recusou”.
Ruy Castro, biógrafo da cantora, tem a mesma opinião. O samba foi então gravado pelo famoso conjunto musical Anjos do Inferno. Ele lançou também muitas músicas com o conjunto Bando da Lua, dentre elas está o samba Mangueira, em parceria com Zequinha Reis, que é até hoje cantado pela Escola.
Assis Valente, cujo comportamento alternava entre a euforia e a tristeza, e que talvez fosse hoje incluído na categoria de bipolar, resolveu que iria parar de compor, dedicando-se apenas à profissão de protético. Protestos contra tal decisão chegaram de toda parte. Até o jovem Fernando Sabino, em Belo Horizonte, posicionou-se a favor do talento do compositor. Não se sabe se a decisão de Assis Valente era sincera ou se apenas era uma jogada de marketing. O fato é que ele se desculpou, dizendo que passava por um momento de descontrole, e que iria prosseguir compondo. E, para o bem da música popular brasileira, continuou criando várias pérolas.
Assis Valente casou-se com a datilógrafa Nadyle da Silva Santos que era 15 anos mais nova que o noivo. A situação financeira, sempre mal administrada, levou-o a morar na casa dos pais da mulher. Ali nasceu a filha Nara Nadyle. De tanta alegria, ele pediu que tatuassem o nome da filha no corpo. Mas, três meses depois, Assis Valente abandonou a mulher e a filha, alugando um quarto só para si.
Dizem que quando Assis Valente oferecia suas canções a outras cantoras, elas passaram a recusar, ressentidas com o privilégio que o compositor dava a Carmen Miranda. Mesmo assim, seu samba Fez Bobagem foi gravado por Aracy de Almeida, e Camélia Alves gravou a batucada Quem Dorme no Ponto É Chofer. Também continuou sendo gravado pelos conjuntos vocais, dentre eles Quatro Ases e Um Coringa. Na parceria feita com o conjunto Quatro Ases, lançou mais de uma dezena de títulos. O samba exaltação Onde Canta o Sabiá, em parceria com o compositor e cineasta José Carlos Burle, foi um dos grandes sucessos. E depois veio Boneca de Pano, canção gravada depois pelo cantor colombiano, Carlos Ramirez, num triste “portunhol”. A cantora Marlene, em 1956, gravou um LP com músicas do compositor, com interpretações fantásticas. Última homenagem.
Assis Valente recolheu-se definitivamente da vida, em março de 1958, aos 53 anos, deixando 154 composições gravadas. Seu corpo foi encontrado na Praia do Russel. Envenenou-se com formicida e guaraná. Não foi a primeira vez que tentou se matar, pois, também se atirou do Corcovado, sem grandes traumas. Certa vez, ele chegou a confidenciar a seu amigo embaixador, Paschoal Carlos Magno, a quem chamou num momento de extremo desespero:
(…) Eu vivo obsedado pela morte. Um dia me mato.
Nota
Cliquem no link abaixo para ouvirem Brasil Pandeiro
http://www.youtube.com/watch?v=iTXWpdkAp6Y
Fonte de pesquisa:
Raízes da Música Popular Brasileira/ Coleção Folha de São Paulo
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