O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental. Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele faz um paralelo entre a realidade e a ilusão.
Em um livro tradicional da Índia fala-se que uma pessoa chegou a um quarto escuro e se horripilou ao ver uma cobra que a ameaçava. Depois que acendeu o candeeiro, constatou que era tão somente uma corda.
Nossas reações de medo, ódio, cobiça, apego, finalmente todas as emoções com que reagimos ao mundo são originadas por um estado de ilusão, pois não vemos a corda, vemos a cobra. Reagimos à cobra que, embora sendo falsa, tem o real poder de afetar-nos. Não vemos a corda, embora ela seja real.
Na história da cobra e da corda, qual era real: a cobra ou a corda? A mente destituída de viveka (discriminação) viu uma cobra e caiu presa do medo, com todas as consequências desagradáveis desta emoção/choque. Na mente iluminada pela discriminação, a candeia de viveka afastou a ilusão. E, desiludido, o homem viu que não era uma cobra, mas uma corda. Isto lhe restaurou a calma e a segurança. Cada vez que nos capacitamos de que o mundo, com suas ameaças, desventuras, misérias, decepções e vicissitudes não é mais do que uma corda, que não é uma cobra, começa a instalar-se em nós a imperturbabilidade divina. À medida que o mundo, diante da luz de viveka, já não nos hipnotiza e ilude com suas fantasias, com seus prazeres ou dissabores, com seus atrativos ou ameaças, vamos caminhando para a libertação final, até atingirmos o Real.
Então, o mundo em que vivemos é ilusório? Vamos então cair no platonismo? Vamos negar a realidade ao que vemos, sentimos, sobre que agimos? O mundo não é ilusório inteiramente. Não é somente maya (ilusão). A cobra não é de mentira. É real. O mundo o é na medida e extensão em que consegue gerar medo ou apego. As reações somáticas do amedrontado emprestam realidade àquilo que lhe dá causa. E, enquanto a cobra for uma apavorante realidade, a corda não é vista e, portanto, não tem realidade, embora seja real. Dessa maneira o mundo fenomênico, isto é, o que vemos e sentimos é uma realidade, na medida e extensão dos efeitos que em nós provocam ou suas delícias ou suas misérias.
Em relação à realidade somos, naturalmente, hipnotizados, pois só lhe conhecemos as aparências sob o ângulo das sugestões particulares que em cada um predomina. A mais aproximada tradução para viveka é discriminação, isto é, a capacidade de discernir entre o falso e o verdadeiro, entre o efêmero e o eterno, a meta e os meios para atingi-la. É através dela que nos desiludimos, isto é, deixamos de ser engodados pelos aparentes do mundo. O estudo do Ser, isto é, svadhyaya, através da leitura de livros sagrados de todas as tradições religiosas, através de permanente observação das coisas de fora e de dentro de nós, é que nos dá a coragem resultante de matar a ameaçadora cobra da ilusão.
O estudo da filosofia é a chave que nos liberta da vinculação, dos sofrimentos, da cobiça, do medo e do ódio. Se é a ilusão que nos assusta ou prende, é a desilusão que nos salva. Nunca se entristeça por desiludir-se de algo ou de alguém. É uma libertação que merece seja comemorada com um sincero “Graças a Deus”.
*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google.
Nota: Aparição de Rosto e Fruteira numa Praia, obra de Dalí
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