Autoria de Lu Dias Carvalho
Um rumorejo espalha-se por todo o povoado de Manarairema, em razão da visita de Amâncio aos homens misteriosos. A demora é vista como um sinal de bons presságios, pois “conversa demorada é briga adiada”. Sem falar que “para saber se numa moita tem onça é preciso chegar perto”. E de longe, corre-se o risco de confundir veado com jaguar.
O carroceiro Geminiano transformara-se num enigma para a gente do povoado. Muitas pessoas estavam de acordo que ele “andava escondendo leite”, de modo que poderia dizer com segurança, se se tratava de onça ou veado. Outros o defendiam, dizendo que os forasteiros não iriam lhe contar nada.
Amâncio surgia como a salvação da lavoura. Era muito esperto para ser posto para trás. Além disso, não era funcionário dos intrusos. Enquanto a turma, reunida na venda do audaz pesquisador, discutia o assunto, um menino, que chegara na garupa de uma besta de carga, contou que vira os homens jogando peteca com o vendeiro. A notícia gerou um reboliço geral. Aquilo era invencionice do moleque que não tinha o que falar. Pois, se fosse verdade, estaria “tudo confuso, trançado, sobrando pontas”.
Com o sol já a pino, Amâncio entra na venda, trancado no seu antigo palavrório. Parece querer martirizar as pessoas, botando mais curiosidade nelas. Ao ser indagado sobre a ida ao acampamento, apenas responde “Fui e voltei. Não fui mordido. Proseamos, brincamos. Gente aberta, sem pé-atrás”. E tratou logo de botar outro rumo na conversa. Ao ser atochado por Manuel, acrescentou: “Compadre, eu vou lhe dizer uma coisa. Todo mundo estava comendo gambá errado. Se todo mundo aqui fosse como eles, Manarairema seria um pedaço de céu, ou uma nação estrangeira.”.
Tal como as gentes pensavam de Geminiano, também passaram a pensar de Amâncio. Ele estaria escondendo o leite, ou querendo ser bajulado pelos intrusos. O melhor seria dar o caso por encerrado e não tentar tirar dele nenhuma bisbilhotice. Seria chover no molhado, e ainda deixá-lo se sentido o tal. O caso estava morto morrido!
Quando o sol já ia dando de banda, a carroça de Geminiano estacionou na porta do vendeiro. Dela apearam três dos intrusos, muito bem vestidos, sendo recebidos com muito aprazimento pelo vendeiro. Logo após, a porta foi fechada. E o mais estranho é que essas visitas, de tanto se repetirem, acabaram caindo na rotina. Se havia algum freguês na venda, ele saía assim que os homens chegavam. Ninguém mais se preocupava com o que acontecia ali. Tudo já fazia parte da usança do povoado.
Um fato incomum começou a mexer com o ramerrão de Manarairema. O carroceiro Geminiano, antes tão calado e confiante, começou a rezingar. A princípio, suas lamúrias foram vistas como parte de se cansaço num serviço que nunca tinha fim. Até seu bom burro Serrote andava “desespiritado”. O caldo entornou, quando a carroça quebrou e metade da areia vazou para o chão. Desesperado, Geminiano deitou a soluçar como criança. Suas lágrimas misturavam-se a seus rogos: “O que é que eu faço, meu pai. Como vou sair desta prisão? Não aguento mais. O meu remédio é um tiro na cabeça ou um copo de veneno”.
O carroceiro, pranteando, consertou a carroça, ajuntou a areia e partiu para o acampamento com seu fiel amigo Serrote. Seus amigos ficaram para trás, tentando decifrar a causa da tristeza e revolta de Geminiano. Um deles falou condoído: “Tempo de escravo já acabou.” O outro completou: “Por que não manda os homens pentear macaco?”. Mas Dildério, sempre comedido, arrematou “Cada um sabe, onde morde o borrachudo.”.
O fato é que não mais existia o Geminiano de antes. Alguma coisa o impedia de largar aquele serviço. E, se assim fosse, estaria comendo o pão que o diabo amassou com o rabo. Mas, “se ele entrou no rio com os próprios pés, por que não saía também com os próprios pés, se não estava chumbado?”.
Passa o tempo e os fatos se repetem: Geminiano carreteando areia, cada vez mais deprimido e taciturno. Amâncio recebendo os homens do acampamento e fechando a porta, tão rebarbativo como as suas visitas. E a gente do povoado sem saber qual era a incumbência dos visitantes em Manarairema.
Peço a meus nobres colaboradores que me ajudem a desvendar as seguintes pendências:
1. O que aconteceu, para aproximar o vendeiro Amâncio dos homens misteriosos, a ponto de se tornarem amigos?
2. Qual é a causa da depressão de Gemininiano?
3. A que fim se destina a areia?
A seguir o capítulo 6…
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