Autoria de Luiz Cruz
No final da década de 1970, por iniciativa de Maria do Carmo Nabuco, então presidente da Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade, com o patrocínio da Embratur, Tiradentes ganhou um expressivo presente: projetos paisagísticos de Roberto Burle Marx (1904-1994). O artista plástico teve seus primeiros contatos com plantas no Jardim Botânico de Darlem, na Alemanha, entre 1928 e 1929. Ao retornar ao Brasil, seu primeiro projeto de jardim foi para uma casa projetada por Gregori Warchavchik e Lúcio Costa, em 1932 – ambos ícones do Modernismo Brasileiro.
Burle Marx foi um artista interdisciplinar e soube como poucos usar sua percepção para criar: pintura, desenho, litografia, cerâmica, azulejaria, tapeçaria, arquitetura e paisagismo. No espírito do antropofagismo buscou nas plantas nativas a beleza e a identidade. Realizou em nosso país e no exterior mais de dois mil projetos. Aqui seria impossível listar os mais célebres, mas vale destacar o Calçadão de Copacabana, os jardins de Brasília e os da Pampulha – hoje Patrimônio da Humanidade. Vários de seus trabalhos estão em sítios históricos tombados pelo IPHAN.
Para Tiradentes, Roberto criou os projetos para os largos das Forras, do Chafariz, do Sol, das Mercês, do Rosário e para os cemitérios da Matriz de Santo Antônio e das Mercês. Para cada projeto foram escolhidas plantas que estariam floridas na época em que o local tivesse mais uso. Por exemplo, no Largo do Sol a presença das quaresmeiras e as cássias para colorir o dia 21 de abril – feriado do Alferes Tiradentes. O início da implantação foi em 1980, mas infelizmente não foi possível executar o projeto do Largo das Forras, a praça principal. Em 1989, quando assumi a Secretaria de Turismo e Cultura, tive como um dos primeiros objetivos conseguir recursos e implantar o projeto de Burle Marx para o Largo das Forras. Foi um grande desafio! O prefeito era Nivaldo José de Andrade e juntos tivemos que enfrentar muitas adversidades. Inicialmente, foi propor adaptação do projeto ao autor, uma vez que acreditávamos que a cidade tornar-se-ia um polo turístico e precisaria de uma praça ampla.
Depois de longas conversas com Burle Marx e Haruyoshi Ono, no Escritório de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, chegamos a um senso comum de que seria um projeto para o largo. Assim que o projeto ficou pronto, foi exposto no próprio local, para que interessados conhecessem. Logo partimos para conseguir os recursos para torná-lo realidade. Apresentamo-lo em Minas, Rio e Brasília, sem sucesso. Através de Yves Alves, com o apoio da Fundação Roberto Marinho e de seu superintendente Joaquim Falcão, conseguimos o patrocínio. À frente, na execução, estava a arquiteta Sílvia Finguerut, desde então amiga e colaboradora de Tiradentes.
A implantação demandou muita atenção e dedicação. Não havia mão de obra em Tiradentes e precisávamos cumprir o cronograma. Fui até o Bichinho procurar mão de obra, uma vez que muitos homens de lá já haviam trabalhado na construção civil em São Paulo. Conseguimos e aos poucos alguns voltaram de São Paulo, para se dedicar ao projeto de Burle Marx. Na proposta inicial estava previsto o uso da pedra da Serra de São José, mas a área já estava protegida. Como se tratava de bem público, conseguimos licença junto à FEAM – Fundação Estadual do Meio Ambiente para catar as pedras já preparadas e estocadas. A outra pedra usada seria o paralelepípedo, que à época teria que vir da região de Divinópolis, mas o preço ficaria elevado e não havia como cobri-lo. Optou-se, então, pelo uso da ardósia, pedra que foi possível comprar com os recursos disponíveis. A obra foi inaugurada no dia 19 de janeiro de 1990, com a presença de Roberto Burle Marx, Maria do Carmo Nabuco, Joaquim Falcão e muitos outros. Paralelamente, foi implantado o Projeto de Programação Visual de Tiradentes. Tudo executado a custo zero para a municipalidade.
Lamentavelmente não se fez a manutenção dos projetos de Burle Marx, inclusive do Largo das Forras. Como o autor previu também, o largo seria palco de grandes eventos. E realmente assim tem sido. Porém, a cada evento usa-se o largo e nada contribui para sua manutenção. Às vezes nem limpam o caldo fétido de um evento e logo vem outro por cima. O largo está passando por segunda reforma, em cumprimento de TAC-Termo de Ajuste de Conduta de um empreendimento hoteleiro. Na primeira reforma utilizou-se terra vermelha, ácida e estéril para preencher os canteiros. Plantaram as mudas sem nenhum esterco ou fertilizante e essas não foram regadas, resultando num desastre absoluto. No segundo TAC, torcemos para que a Prefeitura e o IPHAN acompanhem sua realização e a obra seja digna de um projeto idealizado por Roberto Burle Marx, um dos mais consagrados paisagistas do mundo!
Nota: fotografias do autor: Burle Marx e Joaquim Falcão, o largo atual, e obra do TAC
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Parabéns Luiz!
Que seu alerta seja ouvido!
Abraço
Izabel
Izabel
Sua presença aqui só nos traz alegria. Sua vasta experiência profissional e sua elevada capacidade de coordenar trabalhos urbanísticos em prol do ordenamento da cidade são merecedores de nossos aplausos.
Um grande abraço,
Luiz Cruz
Lu, querida,
Tiradentes é uma cidade mais do que privilegiada, não só pela natureza e pelo patrimônio setecentista, mas pelo próprio homem. São inúmeros presentes que a cidade já recebeu. Porém, falta cuidado, falta manutenção. Consequentemente, quando ocorrem as obras, são necessários tantos recursos. A cidade é detentora de um conjunto de projetos de Roberto Burle Marx, um dos nomes mais consagrados do Paisagismo Internacional. Só esse conjunto poder-se-ia tornar um expressivo atrativo turístico. No momento, até mesmo grande parte da população nem deve saber mais da autoria desses projetos. Em nenhum local há essa informação. Milhares de turistas do Brasil e do exterior entram e saem da cidade sem obter dados sobre os projetos paisagísticos. Visitei duas exposições sobre a vida e obra de Burle Marx, ambas no Rio de Janeiro – uma no Paço Imperial e outra no Centro Cultural dos Correios. Fiquei impressionado com a vasta da obra do artista. Lá estavam os projetos que ele criou para Tiradentes, dentre tantos outros. Espero que com mais essa reforma, através do TAC, o Largo das Forras e seu urbanismo sejam mais respeitados e admirados.
Um grande abraço para você e obrigado pela atenção de sempre.
Luiz Cruz
Luiz
A princesinha Tiradentes mereceu ser agraciada com obras do grande Burle Marx. Encantou-me o fato de que “Para cada projeto foram escolhidas plantas que estariam floridas na época em que o local tivesse mais uso.”. Isso que é casar arquitetura com natureza. Fantástico!
A denúncia de que “não se fez a manutenção dos projetos de Burle Marx, inclusive do Largo das Forras” é de fundamental importância, pois os órgãos responsáveis não podem permitir que tais preciosidades sejam destruídas por falta de cuidados. Toda fiscalização é pouca.
Parabéns, amigo, pelo seu trabalho,
Lu