Autoria de Marguerite Yourcenar
Parece-me que uma das causas mais responsáveis pelo sofrimento animal (bichos), pelo menos no Ocidente, deve-se à injunção bíblica que Jeová transmite a Adão no paraíso, onde, depois de mostrar-lhe o mundo dos animais, o faz nomeá-los e declara-o mestre e senhor de todos eles.
Esta cena mítica sempre foi interpretada pelo cristão e pelo judeu ortodoxo como uma permissão para usar à vontade essas milhares de espécies que exprimem, por suas formas diversas das nossas, a infinita variedade da vida, e por sua organização interna, por seu poder de agir, gozar ou sofrer, a evidente unidade da vida. Contudo, teria sido bastante fácil interpretar o velho mito de outra forma: Adão, ainda isento de pecado, poderia perfeitamente sentir-se promovido à categoria de protetor, de árbitro, de moderador de toda a criação, utilizando os dons superiores que lhe foram dados por acréscimo, ou de modo diverso dos que foram outorgados aos animais, para perfazer e manter o belo equilíbrio do mundo, do qual Deus o fizera não o tirano, mas o intendente.
O cristianismo viria insistir nas lendas sublimes que unem o animal ao homem: o boi e o asno a aquecerem com seu hálito o menino Jesus; o leão enterrando piedosamente os corpos dos anacoretas, ou servindo de animal de carga e de cão de guarda a São Jerônimo; os corvos alimentando os Padres do deserto, e o cão de São Roque a seu dono doente; o lobo, as aves e os peixes de São Francisco; os animais da floresta buscando proteção junto a São Brás; a prece para os animais de São Basílio da Desareia ou o cervo trazendo a cruz que converteu Santo Huberto (uma das mais cruéis ironias do folclore religioso é ter esse santo se tornado o padroeiro dos caçadores). Ou ainda os santos da Irlanda e das Hébridas, que cuidavam de garças feridas recolhidas na praia, protegendo os cervos acuados, ou confraternizando-se com um cavalo branco ao chegar à morte.
Havia no cristianismo todos os elementos de um folclore animal quase tão rico quanto o do budismo, mas o seco dogmatismo e a prioridade dada ao egoísmo humano o levaram de vencida. Parece que a esse respeito um movimento supostamente racionalista e laico, o humanismo, no sentido recente e abusivo da palavra, segundo o qual se pretende atribuir interesse apenas às realizações humanas, é o herdeiro direto desse cristianismo empobrecido, ao qual foram retirados o conhecimento e o amor pelo resto dos seres.
Nota: texto extraído do livro “O Tempo, Esse Grande Escultor”/ Edit. Nova Fronteira
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A autora deste texto está corretíssima.
Simbolicamente, dentro do cristianismo, à partir do momento em que Eva, no paraíso,comeu a maçã da árvore do bem e do mal, instituiu-se o pecado, houve um despertar da consciência. Também no budismo,quando Buda encosta na árvore da sabedoria e do conhecimento houve um despertar do estado de consciência, possibilitando uma clarividência. Cada cultura tinha uma forma de analisar a simbologia de acordo com seus princípios. A humanidade esteve sempre no centro do domínio e transformações das culturas e os animais tiveram um papel fundamental em setores da economia e da ciência também.
O homem domesticou os animais para facilitar a sua vida, inclusive hoje muitas pessoas têm preferido a companhia dos animais domésticos a pessoas,justamente pelo amor incondicional que eles proporcionam, às vezes encontrado apenas nas mães verdadeiras. Eles não cobram nada de você, têm uma lealdade imensa, não falam, mas dizem tudo com suas expressões; a única coisa que querem é você e a sua presença.
Infelizmente a humanidade caminha em sentido contrário a sua essência; cada dia o vazio preenche mais os corações das pessoas, egos inflados, egoísmo exacerbado, materialismo como meta de vida, falta de comunicação, descontrole com uso de celulares o que aproxima os distantes e distância os próximos. Tudo isso tem levado todos a um total desequilíbrio, ninguém está satisfeito com nada. No final, muitas pessoas nascem e morrem sem saber quem são e para que vieram.
Abraços
Olá, Lu!
Este é um texto necessário para a contemporaneidade. Especialmente no momento em que o fogo destrói a Floresta Amazônica e queima uma infinidades de seres vivos. As cenas são terríveis! A supremacia do homem sobre os demais animais é antiga, é bíblica, é desrespeitosa. Por isso, as reflexões são significativas, o processo será longo, mas precisa ser feita a conscientização para o respeito aos demais seres vivos da terra. Afinal todos nós estamos apenas de passagem por aqui.
Abraços
Luiz
É com o coração doído que vemos a tragicidade do que vem acontecendo na nossa Floresta Amazônica. É um crime sem fiança deixar passar impune os responsáveis pelo “dia do fogo”. Milhares e milhares de vida (fauna e flora) já foi destruída. Depois que o mundo volta os olhos para tal horror é que sobem vozes dizendo que “a Floresta Amazônica é nossa”. Então que dela cuidem com responsabilidade. Cadeia para os responsáveis, esta seria a resposta num país sério, comprometido com o nossos irmãos de planeta.
Obrigada por sua presença. Você foi e será sempre muito especial.
Abraços,
Lu