Autoria de Lu Dias Carvalho
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A capacidade que nós possuímos para navegar por mares dantes navegados, ou seja, para direcionar o nosso olhar e atenção para certos fatos e coisas que até então nos eram desconhecidos ou indiferentes é latente, uma vez que o desejo de aprender, conhecer e investigar é inerente ao nosso ser. Mas, para que essa fagulha ganhe vida e transforme-se numa imensa chama, faz-se necessário que estejamos aberto ao novo, sem ideias preconcebidas, com o espírito acessível às informações e, sobretudo, carregue a humildade de quem reconhece que não sabe tudo — esse sentimento invejável que permeia a mente daqueles que são ávidos pelas descobertas e fazem dela seu caminho para a sabedoria. É o interesse em buscar, informar-se, desvendar e prosseguir, o responsável pelo saber humano, por suas grandes descobertas e criações. Sem ele não teríamos alcançado qualquer progresso como espécie.
A arte é um universo deslumbrante e mágico, onde inexistem regras, uma vez que o academicismo (obediência às normas tradicionais criadas para a arte) foi jogado por terra, pois não se pode regular a criação. Somente o artista é capaz de saber quais elementos deve usar, que caminho deve tomar ou qual é o momento em que sua obra encontra-se concluída. É por isso que é tão prazeroso conhecer a vida dos gênios da arte e, pelo menos, suas obras-primas. O estudo a eles dirigido abre nossos olhos para belezas jamais vistas. A cada passo dado é possível sentir como o nosso gosto vai se aprimorando, nossa capacidade de apreender vai sendo desenvolvida e nossa sensibilidade vai se aflorando. Exercitamos nosso olhar e a perspicácia diante de uma obra de arte, não importando seu estilo ou época. Aprendemos a nos deleitar quando de encontro a algo novo, até então despercebido. Como consequência desenvolvemos a habilidade de enxergar a vida com mais agudeza de percepção, com mais sensibilidade e compassividade. É por isso que a arte é tão importante na formação humanística do indivíduo, embora a maioria venha a desconhecê-la durante sua vida.
Ao apreciarmos uma obra de arte faz-se necessário abrirmos a mente aos mais variados padrões de beleza, expressos em numerosos estilos e em diferentes épocas. Eleger apenas um estilo ou um artista é ficar encalhado no tempo, ainda que para o deleite pessoal se possa preferir esse ou àquele. A arte possui inumeráveis caminhos que estão aí para serem trilhados por todos nós. Podemos viajar desde a Pré-história, passando pela Idade Medieval, pela Idade Média, até chegarmos aos nossos dias — Idade Contemporânea. Podemos contemplar desde as pinturas rupestres às abstratas. É preciso, muitas vezes, entender um pouco do estilo do artista. Compreender que o céu pode ser pintado de azul ou amarelo e que a floresta pode ser verde ou vermelha… A arte vai mudando com os tempos assim como a nossa própria vida.
A arte é tão incrível que muitas vezes, guiados pela nossa falta de entendimento, achamos que esse ou aquele pintor não sabe desenhar e que sua obra é muito malfeita. Mas tudo não passa de um engano. O artista assim fez de livre e espontânea vontade, atendendo aos objetivos de sua criação. Tomemos por exemplo um dos artistas mais geniais e conhecidos da Idade Contemporânea — Pablo Picasso — que transitou por vários estilos. Ele fez dois desenhos muito interessantes. O primeiro, criado em 1941, tem o nome de “Galinha com Pintinhos”; o segundo, criado em 1938, traz o nome esquisito de “Galo Novo”. Enquanto o primeiro é todo arrumadinho, desenhado dentro dos padrões normais, segundo a nossa noção de uma galinha “normal” rodeada de pintinhos, o segundo traz um galo meio abestalhado e zangadiço. A pessoa mais desavisada poderá achar que Picasso só foi aprender desenhar alguns anos depois de ter feito seu galo birrento. Nada disso! O seu objetivo era desenhar um galo tal e qual este que avistamos acima, no centro.
O julgamento de uma obra de arte exige muito cuidado, pois à visão é preciso ajuntar a vontade de lidar com o novo e a agudeza de espírito. O artista não é obrigado, por exemplo, a retratar a natureza, como nós a vemos. Ao contrário, ele se encontra sempre em busca de experiências novas. E, se assim não fosse, ainda estaríamos na fase dos desenhos rupestres. A título de ilustração, conta-se que o pintor e professor inglês Sir Joshua Reynolds, muito apegado às regras acadêmicas, em uma de suas aulas ensinou aos alunos que a cor azul era reservada apenas para fundos distantes — colinas diluindo-se gradualmente no horizonte — e jamais poderia ser usado no primeiro plano de uma pintura (parte mais próxima do observador). Para contradizê-lo, seu rival Thomas Gainsborough pintou o famoso “Menino Azul” (ilustração à direita), o que nos prova que a arte não tem regras fixas.
Exercício
1. O que é necessário para nos entranharmos pelo mundo da arte?
2. O que nos ensinam os dois desenhos de Pablo Picasso?
3. Como o pintor Thomas Gainsborough se contrapôs a Sir Joshua Reynolds?
Ilustração: 1.Galinha com Pintinhos (1941) – Picasso / 2. Galo Novo (1938) – Picasso / 3. Menino Azul (1770) – Thomas Gainsborough.
Fonte de pesquisa
A História da Arte / Prof. E. H. Gombrich
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O século XX é século da selvageria humana.
Heloísa
Embora esperemos que a humanidade evolua com o tempo, as atrocidades acontecidas na Terra ainda são muitas, sobretudo com os animais.
Beijos,
Lu
Mares dantes navegados lembra os navegadores portugueses descobrindo o Novo Mundo, quando a Espanha aproveitou com o Tratado de Tordesilhas, as nossas Capitanias Hereditárias adquiridas sem merecimento, enfim o Absolutismo. O Rei é dono de tudo e de todos. O Renascimento mostrou a arte em todo o seu resplendor com pintores italianos apoiados pela Igreja Católica. Fantástico. Cada pintor tem o seu estilo majestoso. As pinturas e estátuas são quase humanas.
Heloísa
Estou feliz por tê-la como participante do curso de HISTÓRIA DA ARTE. Seus comentários irão agregar muito saber às aulas.
Abraços,
Lu
“A capacidade que nós possuímos para navegar por mares dantes navegados”.
A escolha do fragmento poético para começar o texto foi digno de aplausos. É verdade, é preciso que haja uma espécie de semiose (compreensão de mundo) pelo espectador, para que haja uma unidade de sentido em relação à criatura (obra) e ao seu criador (artista).
José Eduardo
A arte nos permite vislumbrar novos horizontes e ter uma compreensão maior do mundo que nos acolhe, mas para isso é preciso aceitar fazer uma longa jornada através dos tempos, buscando conhecer um pouco daqueles que nos legaram uma grande parte de si – o talento.
Abraços,
Lu
Lu
O artista não é obrigado a relatar a natureza como nós a vemos. Não se pode regular sua criação.
Matê
A nós resta apenas apreciar o trabalho do artista sem estabelecer os nossos padrões.
Beijos,
Lu
Lu
Muito bom o texto, Picasso sem dúvida foi um dos melhores como pintor e também como homem que escolheu o lado da humanidade, retratando genialmente sua opção através da arte. O seu legado é excepcional e grandioso, uma fortuna de cultura.
Estou aprendendo muito por aqui.
Abraços
Leila
Leila
Picasso foi realmente um grande artista que teve grande influência em parte da arte contemporânea. É bom saber que está gostando das aulas.
Beijos,
Lu
Lu
Obrigado! Você não tem dimensão do bem que faz.
Cristiano
Fico muito feliz ao saber disso. Teremos aulas que nos ajudarão muito a ver a vida de uma maneira diferente. Conto com a sua presença.
Abraços,
Lu
Lu
Achei interessante a conexão que o Hernando fez entre as obras de Picasso com o início do Nazismo e da união de vários países para combatê-lo.
Você conhece alguma obra que mostra a união entre Hitler e o Fascismo com suas ideias extremistas?
O escritor Juan Arias afirma: “É curioso: todos os ditadores, todos eles, em qualquer parte do mundo, odeiam os livros e a leitura”. Você considera que acontece o mesmo com as outras manifestações de arte?
Abraço,
Devas
Devas
Realmente a alusão feita pelo Hernando foi muito interessante. Há, sim, obras direcionadas a criticar o Fascismo. Veremos isso ao estudar os Estilos da Idade Contemporânea.
A afirmação de Juan Arias está corretíssima. Os ditadores, quando leem, escolhem apenas as obras daqueles que comungam com as ditaduras (ou com a sua em especial).
Abraços,
Lu
Lu
A força visceral da arte atinge o subconsciente levando muitos indivíduo à reflexão sobre novos caminhos. É de fato algo transformadora. Faz-me também lembrar a nova metodologia terapêutica utilizadas nos manicômios modernos – um meio transformador e humanístico substituindo o cruel modelo antigo. É muito oportuna esta sua proposta de nos trazer a arte gota a gota.
Abraços
Antônio
A arte é realmente transformadora, daí a necessidade de nossa interação com ela.
Abraços,
Lu
Hernando
Achei muito interessante a sua interpretação dos dois desenhos, uma vez que uma obra artística é sempre aberta, permitindo inúmeras interpretações, principalmente as mais recentes criações, pois não se encontram sob o jugo do academicismo. Você acaba de demonstrar como a arte corresponde ao momento vivido pelo artista e, como o observador pode viajar através dela pelos caminhos da história da humanidade.
Abraços,
Lu
Lu
O texto é muito rico e descreve a arte e sua importância na vida das pessoas em todas as fases da evolução da humanidade. É interessante notar como elas expressam sua vida através de símbolos importantes para sua existência. Nos desenhos rupestres o homem primitivo desenhava animais de caça, pessoas, lanças, tudo que era importante para sua preservação. Na Idade Média havia muitos conflitos religiosos em razão da predominância acentuada do negacionismo, gerando uma característica peculiar nas obras de arte: os temas religiosos. Posteriormente veio o Renascimento com o antropocentrismo. O homem se tornou o centro do mundo, houve o uso de imagens simétricas e muita luminosidade nos trabalhos artísticos, ressaltando que o academicismo reinou por muito tempo. No século XX começou a haver muitas mudanças no mundo e isso alterou a forma de pensar e agir das pessoas da época. Começaram a surgir o abstracionismo e vários estilos novos, o que provocou muitas rupturas. Enfim, isto foi apenas uma pequena retrospectiva para chegarmos a Picasso.
Picasso era espanhol, mas vivia em Paris. Em 1938 na Alemanha nazista Hitler já tinha rompido com todas as determinações estabelecidas pelo Tratado de Versalhes que engessava a Alemanha para impedir que a mesma organizasse exército e armas em virtude da Primeira Guerra Mundial. Nesse mesmo período Hitler anexou a Áustria à Alemanha, conseguindo um grande feito – lembrando que ele era austríaco. E isso trouxe novas aspirações para o povo alemão, fortalecendo seu moral humilhado no pós-guerra.
O Galo Novo poderia ser essa nova Alemanha nazista, zangada e humilhada com o Tratado de Versalhes no pós-guerra. Observe que o galo está com as esporas afiadas, preparando-se para um futuro combate. Em 1941 houve um acontecimento importante que foi o rompimento de Hitler com o Pacto de Varsóvia que era um tratado entre a União Soviética e a Alemanha, proibindo ataques mútuos entre as duas nações.
Em 1941 Picasso desenhou a galinha e os pintinhos. Nessa época já havia a formação dos blocos antagônicos: Alemanha e aliados e Europa e Estados unidos.Todas as nações estavam se organizando (galinha) com seu povo (pintinhos) para se proteger dos ataques dos inimigos. Esta foi uma observação que fiz dos dois desenhos de Picasso. Como é algo simbólico, procurei sintonizar no momento político, socioeconômico e cultural que o mundo estava vivendo.