Arquivo da categoria: Cinema

Artigos variados sobre cinema e a análise de filmes que se tornaram clássicos.

Filme – RIO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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“Sempre gostei de araras. Acho um pássaro fascinante. Queria uma espécie que estivesse realmente em extinção. Foi aí que escolhi a ararinha-azul.” (Carlos Saldanha)

É impossível não se apaixonar por Blu, uma arara-azul brasuca, mas naturalizada americana por acaso. (Gustavo Cheluje – A Gazeta)

O filme Rio é a maior estreia da história do cinema no Brasil. Embora tenha sido escrito e dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha, trata-se de uma animação americana, com toda a riqueza própria de Hollywood. Foi lançado primeiro nos cinemas do Kazakistão em 3 de abril de 2011, depois na Argentina e mais 14 países em 7 de abril. Seu lançamento no Brasil aconteceu em 8 de abril. Abrangeu mil salas em todo o país, suplantando Eclipse (ano passado). Em Portugal a estreia foi em 14 de abril e nos EUA foi lançado em 15 de abril.

Mesmo sendo uma produção estrangeira, não é possível negar seu gostinho bem brasileiro, a começar pelo nome do filme e do diretor. Carlos Saldanha diz se tratar de uma homenagem à sua cidade, Rio de Janeiro, embora, para isso, tenha cometido alguns errinhos de geografia (como o fato de a ararinha-azul nunca ter vivido no Rio, pois era restrita às matas na beira dos rios do sertão baiano) e de biologia (os pés não correspondem aos da ave em questão, que são mostrados como se fossem pés de galinha). As músicas são inspiradas em ritmos nacionais e os desenhos maravilhosos. É, sobretudo, um panfleto em favor da ecologia.

O roteiro e o cenário de Rio são também cariocas. Conta a história de uma ararinha-azul, o macho Blu, que nasceu numa floresta carioca, mas que foi capturado ainda novinho, e levado para os Estados Unidos. Ali é domesticado, sem nunca ter aprendido a voar. Blu vive com sua dona e grande amiga Linda. A princípio, os dois pensavam que Blu fosse o último exemplar de sua espécie, mas depois descobrem que no Rio de Janeiro vive outra ararinha-azul. Era preciso encontrá-la para dar continuidade à sua linhagem, quase que totalmente extinta. E, assim, os dois partem para o exótico país, Brasil, onde encontram a única fêmea da espécie, a bela Jade.

Ao chegar ao Brasil, Blu encontra-se com a fêmea sonhada. É aí que começam as aventuras da dupla, que é seqüestrada por contrabandistas, indo parar em uma favela e se metem em várias confusões. Blue e Jade passam a viver uma agitada aventura, fugindo dos traficantes de aves em pleno Carnaval. Os dois voam de asa delta e viajam de bodinho. Outro personagem interessante do filme é Pedro, um cardeal-de-topete-vermelho.

A geografia do Rio de Janeiro está reproduzida com primor no filme: ciclovia de Copacabana, os vôos da Pedra Bonita, as Paineras, na Floresta da Tijuca, os passeios de bondinho do bairro da Lapa até Santa Tereza e muito mais da beleza que a Cidade Maravilhosa oferece.

“Como cenário, temos um Rio de cartão-postal, uma cidade exuberante, de cores fortes, que emana uma energia cultural intensa. Não à toa, uma das melhores sequências mostra um balé composto por aves tropicais, com muito vermelho, samba, e a paixão típica do carioca”, exemplifica seu diretor.

Junto com o desmatamento, o tráfico de aves em nosso país, e em grande parte do planeta, são as principais causas da extinção dessas maravilhas aladas que povoam a Terra. Segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, 35 mil aves são vendidas ilegalmente a cada ano no Brasil. Sendo que a maioria vai de avião para países estrangeiros, como se vê na animação. O filme Rio mostra como o tráfico levou a ararinha-azul a ser extinta na natureza.

“Mostramos vários pontos positivos da cidade, mas o filme também precisava abordar os problemas sociais. Para retratar as passagens na favela, por exemplo, um grupo de desenhistas veio ao Brasil por várias vezes. Estudamos cada detalhe das casas e procuramos nos informar sobre a realidade dos moradores”, diz Saldanha..

O ornitólogo, Luís Fábio Silveira/ USP, lamenta que o diretor tenha perdido a oportunidade de transmitir informações corretas sobre a fauna brasileira. Apesar disso, ele se encantou com a animação da fauna, da flora e da geografia brasileiras.

Para a Save (Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil), a mensagem, que o filme traz, suplanta os deslizes científicos. E, em se tratando de uma animação em que os bichos falam, não é imperativo ser fiel à sua distribuição geográfica. A imaginação dá as cartas, uma vez que não se trata de um documentário, o que permite liberdades criativas. Parte da renda do filme deverá ser usada em projetos de conservação e os personagens usados em campanhas educativas.

A trilha sonora tem a participação de Sérgio Mendes e Carlinhos Brown. Há samba, bossa nova, funk, rock e reggae nacionais. Rio também se destaca por sua trilha sonora, concebida pelo músico Sérgio Mendes, radicado nos EUA. A seleção inclui gravações de Bebel Gilberto (“Samba de Orly”), Carlinhos Brown (“Sapo Cai” e “Let me Take You to Rio”, com Ester Dean) e Will.I.Am (do grupo Black Eyed Peas). O próprio Mendes está entre os selecionados, com “Valsa Carioca” e uma versão de “Mas que Nada”, em que canta ao lado da mulher, Gracinha Leporace.

Não há quem não se apaixone por Blu, a ararinha-azul, brasileirinha da silva, por sua namorada Jade e pelos demais personagens. Feita em 3D, a produção chama a atenção pela qualidade técnica, tanto na reprodução de paisagens da cidade carioca, quanto nos detalhes técnicos na composição dos protagonistas, como a movimentação realista das penas dos pássaros.

O cineasta Carlos Saldanha, 46 anos, deixou o Rio de Janeiro em 1991 para estudar animação nos EUA. Em 1993 ele se juntou à equipe da Blue Sky Studios, onde dirigiu sucessos como a Era do Gelo 2 e 3. Sendo que A Era do Gelo 3 teve a maior bilheteria de 2009 no Brasil. Saldanha é o maior nome brasileiro em Hollywood nos dias de hoje. Mesmo assim, o cineasta diz que o sucesso não modificou a sua rotina.

Prestes a sediar as Olimpíadas de 2016, o Rio de Janeiro tem em Blue um excelente cartão de visitas. A Cidade Maravilhosa agradece. E o Brasil também.

Sinopse:

O filme começa numa floresta próxima à cidade do Rio de Janeiro, quando são vistos pássaros de várias espécies. Um filhote de ararinha-azul não consegue voar e acaba caindo de seu ninho. Em certo momento, várias dessas aves são engaioladas, inclusive a ararinha-azul. São levadas para Minnesota, nos Estados Unidos, durante o inverno, sendo muitas delas abandonadas, inclusive a ararinha-azul, cuja gaiola cai na rua. Uma garota chamada Linda encontra o pássaro e o leva para sua casa, dando-lhe o nome de Blue. Ao longo de vários anos, Linda e Blue crescem e se tornam grandes amigos.

Quinze anos depois, um cientista do Rio de Janeiro, Túlio, entra na livraria e conta para Linda, que Blue é uma ave rara, o último macho de sua espécie. Diz que ela precisa levá-lo ao Rio de Janeiro, onde se encontra a última fêmea, para que se acasalem e preservem a espécie. No início, Linda rejeita a proposta, mas acaba partindo para o Rio de Janeiro.

Blue conhece Jade e se apaixona por ela. Mas o local é invadido por contrabandistas de animais, que sequestram o casal, com o intuito de vendê-lo. Jade e Blue conseguem fugir, mas têm Niguel, o pássaro fiel aos contrabandistas, no encalço. É aí que a aventura começa. O pai de uma família de tucanos tenta ensinar Blue a voar.

Linda e Túlio espalham vários cartazes pela cidade, até conseguir uma pista do casal. Depois de muitas peripécias, descobrem que Blue e Jade serão levados num vôo, mas não conseguem impedir. Durante o voo, Blue consegue libertar várias aves presas, que fogem voando.

E quanto a Blue, conseguirá superar o medo de voar? O casal dará prosseguimento à linhagem? Bem, agora é preciso ver o filme para saber o final.

Nota: Blue significa azul em inglês, que se pronuncia Blu.

Fontes:
Revista Veja/ 4 de abril de 2011
Gazeta Online

Filme – O DISCRETO CHARME DA BURGUESIA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O filme não é rude nem amargo, mas desconcertante e cínico. (Roger Ebert)

Os filmes de Buñuel constituem um dos mais importantes conjuntos de obras do primeiro século do cinema. Ele era cínico, mas não deprimido. (Roger Ebert)

O cineasta francês Luis Buñuel apresenta-nos no seu filme O Discreto Charme da Burguesia (1972) uma interessante comédia, que faz dançar a cabeça do espectador, pois, como diz o aclamado crítico de cinema Roger Ebert, já falecido, “mais parece uma punhalada, fingida e dolorosa”, pois três casais, por mais que tentem, jamais conseguem se sentarem e comerem juntos.

Assim como em O Anjo Exeterminador (1962), considerado um dos melhores filmes do diretor Buñuel, onde os convidados chegam para o jantar e, em razão do divertimento, não mais conseguem deixar a casa do anfitrião, sendo que a permanência de tantos dias, juntos, dilui todo o verniz de civilidade do grupo, mostrando a verdadeira face de cada um, o assunto em O Discreto Charme da Burguesia é semelhante, só que os convidados não conseguem comer, movidos pelas mais díspares razões: enganam-se quanto ao dia do convite, ou encontram o cadáver do dono do restaurante sendo velado numa sala contígua, ou são importunados por um grupo de militares que fazem manobras próximas ao local onde vão comer, etc.

Buñuel apresenta o jantar como o mais importante rito social da classe média, que o usa como um meio de ostentar suas posses e mostrar o quanto é civilizada. Ao trazer “o ato de comer” como tema, fazendo da comida o assunto central, o diretor mostra como é vazia e tola a classe burguesa, desprovida de assuntos interessantes, e aqueles, que possui, são tão escabrosos, que faz tudo para mantê-los ocultos.

O filme enfoca a decadente aristocracia europeia, composta por políticos, militares e ricaços, deixando à vista os segredos velados, adultérios, drogas, corrupção, depravação, golpes militares e, sobretudo, o aborrecimento e o fastio que toma conta dela, que nada de útil tem para fazer. Para demonstrar o seu descontentamento com a Igreja, o cineasta acrescenta ao elenco um bispo, cujo prazer é se vestir de jardineiro e trabalhar  nos jardins dos milionários.

Os personagens de O Discreto Charme da Burguesia andam muito bem vestidos, são autoconfiantes e fazem uso da posição que ostentam na sociedade. Dentre os personagens principais estão presentes: o pomposo embaixador (Fernando Rey), a anfitriã ricaça (Stèphane Audran), a sempre enfadada e neurótica filha (Bulle Ogier) e o bispo cheio de fetiche (Julllien Bertheau), que ora se apresenta como jardineiro e ora como um eminente convidado.

O filme francês, que se tornou um dos grandes sucessos de Buñuel, e, que acabou ganhando o Oscar de melhor filme estrangeiro, o único Oscar do autor, estreou no auge na Guerra do Vietnã, época em que a classe média alta, apesar de se encontrar na moda, era alvo de desprezo de parte da sociedade. E nele, o diretor mais uma vez demonstra o seu não acatamento das ditas autoridades constituídas e sua descrença em relação à natureza humana, sempre cheia de máscaras. Com uma visão ferina, ele demonstra a superficialidade que existe nessa sociedade que se julga bem-educada, mas que é marcada pela luxúria e pelo valor que dá à riqueza.

O filme inicia-se com um casal esperando seus convidados para o jantar, mas, enquanto isso, marido e mulher deixam-se levar pelo prazer do sexo. A chegada dos convidados não é capaz de interromper a avidez amorosa. Como a mulher faz muito barulho durante o sexo, o casal desce pela janela e vai para o jardim terminar o coito iniciado. Faz o retorno do mesmo jeito, só que um dos convidados repara que ela tem grama nos cabelos.

Uma cena engraçada é aquela em que o bispo, em trajes de jardineiro, bate à porta de uma das famílias procurando emprego, e é logo despachado, sem obter coisa alguma, mas ao voltar, todo metido em suas roupas clericais, tentando se explicar, é recebido com veemência. Além de obter o serviço, ainda passa a fazer parte do grupo. Outra cena hilária é a que mostra um dos convidados debaixo da mesa, escondendo-se dos soldados que abrem fogo contra o grupo, mas ainda assim tenta pegar seu prato de comida. Também não é possível esquecer o encontro das mulheres em um café, com um tenente que narra a sua infância. Noutra, durante um jantar, os frangos assados que o criado põe à mesa não passam de objetos de cena, ocasião em que a cortina se levanta e os convidados encontram-se diante de uma plateia. Tudo para diversão de Buñuel, que dá vasão às suas fantasias.

Sugestão:
Outros bons filmes do diretor: O anjo exterminador, Tristana, Um cão andaluz, Esse obscuro objeto do desejo, O diário de uma camareira, O estranho caminho de São Tiago ou Via Láctea, O fantasma da liberdade, etc.

Fontes de pesquisa
Grandes filme / Roger Ebert
1002 filmes para ver…/ Editora Sextante

Filme – CONTOS DA LUA VAGA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Se não sonhar alto, como um homem pode crescer na vida? A ambição deve ser ilimitada como o oceano. Juro pelo deus da guerra que estou cansado de ser pobre. (Tobei)

Dinheiro é tudo. Sem ele a vida é dura e toda a esperança perece. Ganharei cada vez mais. Vou tentar fazer cada vez mais cerâmicas. O máximo que puder. (Genjuro)

Eles são ambiciosos demais. Lucro fácil ganho em tempos caóticos nunca dura. Um pouco de dinheiro inflama a cobiça dos homens. (Líder da aldeia)

Não é o quimono. É a sua generosidade que me faz feliz. Desde que você esteja comigo, não quero nada mais da vida. (Miyagi)

O cineasta japonês Kenji Mizoguchi (1898-1956) brinda-nos, em Contos da Lua Vaga (1953), com uma de suas obras-primas, numa linguagem simples e poética e uma mistura de realidade e sobrenatural. O filme foi também considerado pelo mago da crítica cinematográfica, Roger Ebert, já falecido, como “um dos melhores filmes de todos os tempos”, sendo responsável, ao lado de Rashomon, de Kurosawa, por encantar as plateias ocidentais, despertando nelas o gosto pelos filmes japoneses. Mizoguchi foca sempre a angústia e a resignação do universo feminino, ao mostrar o Japão feudal.

O filme narra a história de dois irmãos que, repentinamente, veem-se consumidos por uma sôfrega ambição: ficar ricos, mesmo tendo suas terras assoladas pelos guerreiros sem lei, que vagam estuprando mulheres, recrutando homens à força para as guerras travadas entre os poderosos chefes, e saqueando tudo, os dois põem em risco a família, para atingir seus objetivos.

Mizoguchi inicia Contos da Lua Vaga mostrando uma aldeia, bem primitiva, com casas toscas, cujos telhados são seguros com pedras e paus, que impedem que sejam levados pelo vento. Aí vivem os irmãos Genjuro (Masayuki Mori) com sua esposa e Genichi, o filho pequeno do casal, e o irmão Tobei (Eitaro Ozawa), com a mulher. Enquanto o primeiro é ceramista, o segundo é um camponês que lida com plantações. A vida poderia ser pacata na aldeia, se não houvesse se espalhado a notícia de que soldados estão próximos do lugar, cometendo barbaridades com as pessoas que encontram.

A maior preocupação de Genjuro são suas peças de barro. Ao ouvir tiros, apressado, ele embala tudo com palha, joga numa carroça e já está prestes a partir, quando seu irmão se oferece para ajudá-lo, puxando ele próprio a carroça, mesmo a contragosto de sua mulher Ohama (Mitsuko Mito). Ainda que sua esposa, Miyagi (Kinuyo Tanaka), suplique-lhe para não colocar sua vida em perigo, ao viajar em tempos tão conflituosos, alegando que ele deveria ficar para protegê-la, juntamente com o filho, Genjuro não ouve seus rogos, só pensando no montante que irá ganhar com a venda das peças.

Genjuro retorna à aldeia, prazeroso com o resultado das vendas na cidade. Coloca as moedas nas mãos da esposa para que ela avalie o peso. Também a presenteia com um belo tecido, mas ela deixa claro que o amor dele é muito mais valioso do que qualquer presente. Transtornado pela ambição, ele parece não entender suas palavras, só reforçando que quer ficar rico, e retoma o trabalho de oleiro com sofreguidão.

Tobei, por seu lado, está seduzido pelo desejo de ser um vassalo de samurai e, quando vê um deles, tenta se alistar em seu exército, mas é humilhado e preterido sob a alegação de que é um mendigo incapaz de ter sua própria armadura e lança. Volta para casa envergonhado, sendo repreendido pela esposa já desesperada com sua ausência. Une-se ao irmão para, juntos, fazerem muitas peças de cerâmica, de modo a vendê-las na cidade. Fica acertado que um terço da venda será dele. Quando se preparam para queimá-las, um grupo de guerreiros invade a vila e eles são obrigados a fugir com a família. Genjuro desespera-se com a possibilidade de perder seu trabalho, caso o fogo do forno venha a se apagar. Antes mesmo de os soldados deixarem o terreno, ele retorna, seguido de Miyagi amedrontada, para ver que suas peças, por milagre, estão salvas. O casal quase é surpreendido pelos guerreiros retardatários.

Genjuro e Tobei, agora mais cuidadosos, resolvem viajar de barco para a cidade, levando as esposas e a criança. A viagem pelo lago é uma das cenas mais belas do filme, quando o barco adentra numa camada de nevoeiro e neblina. Enquanto os demais descansam, Ohama rema, cantando uma bela canção. Mas um barco solitário vem em direção ao deles, com seu barqueiro já quase morto. Esse pede água, avisa para terem cuidado, pois há piratas no lago e cai dentro do barco. Os irmãos ficam amedrontados e Genjuro resolve voltar, e deixar a esposa e o filho na margem do rio, para que voltem para casa, sob o protesto dela.

A viagem foi tranquila para os irmãos e Ohama, pois na cena seguinte já se encontram na feira, vendendo as peças de cerâmicas. Ali, Genjuro recebe a visita de uma nobre, Lady Wakasa (Machiko Kyo), uma mulher muito bela, e de sua dama de companhia, que compra algumas peças e pede para que ele as leve até sua morada. Ao se dirigir ao local, ele observa alguns tecidos numa loja, imaginando a alegria de sua mulher ao recebê-los. Mas Lady Wakasa aparece acompanhada de sua dama e o conduz até seu castelo. Genjuro encanta-se com a beleza da mulher, e se sente lisonjeado pelos elogios que ela faz à sua arte. Enquanto canta para ele, a voz do pai morto da nobre é ouvida no aposento. A dama de companhia encoraja Genjuro a se casar com a patroa e “não enterrar seus talentos em uma pequena aldeia.”.

Tobei, por sua vez, pega sua parte na venda e foge para comprar uma armadura e uma lança, deixando para trás a esposa e o irmão, ainda com a ideia fixa de ser um vassalo de samurai. Ao ver um deles decepando a cabeça de um inimigo, mata-o depois, e pega a cabeça do morto, que entrega como troféu ao samurai chefe, como se fosse o autor da façanha. Como recompensa, ele ganha um cavalo, uma casa e homens para servi-lo. Mas surpreende-se ao levar seus acompanhantes para os prazeres de uma casa de gueixa, e lá encontrar Ohama, abandonada por ele e violentada pelos soldados que invadiram sua aldeia. Os dois acabam voltando para a vila.

Caído pelos encantos da nova mulher, Genjuro vai à cidade comprar-lhe um presente. Como o dinheiro não desse, pede ao comerciante que vá até a casa de Lady Wakasa. Visivelmente amedrontado ao ouvir tal nome, o homem entrega-lhe tudo e pede-lhe para não mais voltar. No caminho, ele se encontra com um sacerdote que lhe fala: “Eu vi a morte em seu rosto! Tu te encontraste com um fantasma?”, e o adverte para não se deixar “iludir por uma forma proibida de amor”. O sacerdote cobre-o com símbolos de exorcismos, que impedem o contato de Lady Wakasa com ele. Fica então patente que ela é um fantasma. Depois de muitas reviravoltas, Genjuro consegue voltar para a aldeia, em busca de sua mulher e do filho.

Miyagi recebe o marido com muita alegria. Ela o trata carinhosamente e cuida dele, que se encontra muito cansado. Somente no dia seguinte, quando é procurado pelo líder da aldeia, que estava cuidando do pequeno Genichi, é que Genjuro descobre que sua esposa havia morrido na mão de soldados famintos, ao tentar conservar o alimento do filho e protegê-lo. Ele havia se encontrado, portanto, com o fantasma dela.

O filme Contos da Lua Vaga mais se parece com uma fábula, com personagens extremamente humanos, dois deles movidos pela ambição extremada, e duas mulheres corajosas e realistas, que tentam mostrar aos maridos que a riqueza não é tudo, ainda que lutem para ajudá-los a conseguir o que buscam. Os fantasmas, por sua vez, são mostrados com respeito e reverência. Não há também qualquer cena erótica. Mesmo Lady Wakasa não se mostra sensual. Traz o corpo coberto, e quase sempre, oculta o rosto com véus.

O mais interessante nas cenas do humanista Kenji Mizoguchi é que cada uma, com poucas exceções, equivale a um corte. Ou seja, o cineasta filma uma cena longa e já a dá por terminada, pulando para outra bem diferente, num outro contexto. Essa característica do cineasta fica bem clara na cena em que Lady Wakasa e Genjuro banham-se num tanque ao ar livre. Quando o espectador imagina que haverá um contato amoroso entre os dois, a cena seguinte já mostra o casal fazendo um piquenique. Os detalhes alusivos à época feudal, em que a história é passada, são perfeitos: o vilarejo, o mercado da cidade, o quartel do samurai, a loja de armaduras e espadas, etc.

Como o Japão era um mercado muito fechado, os filmes do genial Mizoguchi só aportaram no Ocidente em meados da década de 50, para delírio dos cinéfilos, embora ele já trabalhasse com cinema desde a década de 20. Contos da Lua Vaga mostrou uma nova maneira de se fazer cinema.

Outras obras-primas do autor:
Elegia de Osaka, Oharu: AVida de uma Cortesã, As Irmãs de Gion, Os Amantes Crucificados, Conto dos Crisântemos Tardios, O Intendente Sansho, A Rua da Vergonha e Senhoria Oyu, etc.

Obs.: A coletânea de Mizoguchi pode ser encontrada, em promoção, na Livraria da Folha, pela internet.

Fonte de pesquisa
Grandes filmes/ Roger Ebert

Filme – ANTES SÓ DO QUE MAL ACOMPANHADO

Autoria de Lu Dias Carvalho

ASQMA– Você não é santo. Arrumou táxi de graça, quarto de graça e alguém para ouvir suas histórias chatas. Não percebeu que quando falava no avião eu começava a ler o saco de vomitar? Será que não se tocou: “Acho que o cara não está interessado!” Nem tudo é piada. Precisa saber discernir. Escolher o que é engraçado, meio divertido ou interessante. Você é um milagre! Suas histórias não têm nada disso! Não são divertidas nem por acidente. (Neal)

– Quer me magoar? Se você se sente melhor assim, continue. Sou o alvo fácil. Tem razão. Eu falo demais. Também ouço demais. Posso ser um cínico como você, mas não gosto de ferir os sentimentos dos outros. Pense o que quiser de mim. Não vou mudar. Gosto de mim mesmo. Minha esposa gosta de mim. Meus clientes gostam de mim. Sou artigo genuíno. O que vê é o que sou. (Del)

O filme Antes Só do que Mal Acompanhado (1987), obra do cineasta estadunidense John Hughes, é uma daquelas obras que sentimos prazer em rever, pois sua temática é sempre atual: a arte da convivência humana. Os atores Steve Martin e John Candy parecem interpretar a si mesmos, de tão natural e perfeito que é a interpretação e sincronia dos dois, numa direção apurada de Hughes.

Neal Page (Steve Martin) é um publicitário de Chicago, atraente e impecavelmente vestido, dono de uma situação próspera, que expande autoconfiança, mas que não se sente à vontade perto de pessoas comuns e em meio a situações que fogem ao seu controle. Possui uma mente extremamente organizada, mas não sabe viver com a simplicidade. Por sua vez, Del Griffith (John Candy) é um caixeiro-viajante de Chicago, que tem como ofício vender argolas para cortinas de banheiro, que ele considera “as melhores do mundo”. Ao contrário de Neal, Del é um sujeito alto, gordo, desengonçado, desorganizado e que se esconde debaixo de um amontoado de agasalhos, e, que gosta muito de conversar com as pessoas que se encontram a seu lado.

O filme narra a véspera do Dia de Ação de Graças (Thanksgiving Day) nos Estados Unidos, data que é comemorada na última quinta-feira de novembro. As pessoas estão ansiosas para voltarem para casa, a fim de comemorar o feriado junto com a família, como acontece com os dois protagonistas do filme. Eles se encontram em Nova York e querem retornar a Chicago. Neal ouve impacientemente o chefe, ansioso para que a reunião acabe, pois já tem passagem com hora marcada. Na rua, existe uma frenética batalha para se conseguir um táxi. E foi nessa guerra de nervos, para não perderem o voo, que Neal e Del encontram-se pela primeira vez, com o segundo levando a melhor. E, como se não bastasse, ambos pegam o mesmo voo, e sentam-se próximos.

O inverno está rigorosíssimo. Aeroportos estão superlotados, alguns voos são cancelados e outros desviados. Juntos, Del e Neal passarão pelas mais inusitadas aventuras, uma vez que o voo é desviado, em razão do mau tempo. Contudo, o que fica em evidência daí para frente é o atrelamento dos dois, donos de temperamentos totalmente diferentes, mas sendo obrigados a conviver durante a inusitada viagem. Enquanto o primeiro faz tudo para agradar o seu novo “amigo”, o segundo só anseia por ficar livre dele, preferindo permanecer sozinho, numa clara hostilidade.

Del é uma pessoa alegre, empática, que se preocupa com os problemas de Neal, fazendo tudo para ajudá-lo a ir para casa e chegar a tempo de passar o feriado com a família. Seus sentimentos são visíveis. Sente-se triste ao saber que o táxi que pegara seria de Neal. Quer ajudá-lo de todas as formas, enquanto o outro parece se fechar num casulo, sem mostrar nenhuma simpatia. O voo dos dois é desviado para Wichita, onde não existem mais vagas em hotéis. Ali, fazendo uso de seu cartão de crédito e de sua autoconfiança, Neal consegue um quarto de motel, onde, em razão da desorganização e modos de Del, é terrivelmente franco com ele, criticando seu jeito de ser e dizendo que quer se ver livre dele. Nesse momento há um diálogo tenso entre os dois. A tristeza e a mágoa de Del são visíveis. A partir desse momento, ele ganha totalmente a simpatia do espectador. E o filme, numa mudança fantástica, passa a ser muito mais do que uma simples comédia.

Um dos momentos cômicos do filme é quando Neal acorda entrelaçado com Del, na estreita cama do motel. Outro momento engraçado é quando Neal solta todos os palavrões possíveis, quando descobre que foi enganado pelo dono da locadora de automóveis, sendo obrigado a caminhar cinco quilômetros até o terminal rodoviário, em meio à neve e à lama. Não se contém ao encontrar com a atendente da locadora, que se encontra num alegre bate-papo ao telefone. Há também um momento cômico dentro do ônibus, quando Neal puxa uma música que ninguém sabe cantar e é olhado com desdém. Del salva a situação puxando “We´re the Flinstones!”. O enorme baú, que Del carrega a trancos e barrancos, é hilário.

O final do filme é surpreendente, pois ficam claras as mudanças operadas no sisudo Neal, em razão da convivência com Del, como se ele tivesse aprendido a julgar as pessoas pelo que elas são e não pelas aparências, pois sempre tomava como parâmetro a sua maneira egoística de olhar a vida. A cena final, que mostra Neal voltando para buscar Del, que se encontra triste e solitariamente num banco da plataforma da estação ferroviária, é tudo aquilo que o espectador esperava que acontecesse, atingindo diretamente seu coração.

Nota: outros filmes do diretor: Clube dos Cinco, Mulher Nota Mil, Curtindo a Vida Adoidado.

Fonte de pesquisa
Grandes Filmes/ Roger Ebert

Filme – A BELA DA TARDE

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O filme A Bela da Tarde (1967), que tem por base um romance publicado em 1928, de Joseph Kessel, é uma obra-prima perspicaz, subversiva e erótica do cineasta espanhol Luis Buñel, que narra a história complexa de Séverine Serizi (Catherine Deneuve), uma bela burguesa de 23 anos, esposa de um conceituado e convencional cirurgião, Pierre (Jean Sorel), que se orgulha das qualidades virtuosas de sua mulher. Embora ele se mostre apaixonado, a relação entre os dois é insossa, com ela sempre recusando um contato físico com o marido. Séverine é dona de uma beleza fria e distante, e se mostra visivelmente frígida. A narrativa do filme desenvolve-se sob a perspectiva dela.

Séverine equilibra-se numa vida dupla, pois ao mesmo tempo em que é uma respeitável senhora, é também uma prostituta que, secretamente, trabalha num bordel de classe alta, no centro da capital francesa, durante algumas tardes por semana, enquanto o marido encontra-se no trabalho. Importa a ela apenas o sexo, ou seja, a sua própria satisfação, sem nenhum compromisso com o amor. Nas aparências de seu comportamento virtuoso, esconde-se uma vida cheia de fantasias e desejos, muitas vezes expressos através de seu sorriso enigmático. É no bordel que Séverine encontra segurança e liberdade para vivenciar suas fantasias masoquistas, que ela mesma diz serem impossíveis de controlar.

Embora A Bela da Tarde trate-se de um filme altamente erótico, é surpreendente a sutileza com que Buñel trata seu erotismo, visto de uma maneira totalmente diferente daquela a que estamos acostumados a acompanhar no cinema nos dias de hoje. O filme é muitas vezes também poético. Em sua obra, o diretor deixa as cenas libidinosas por conta da imaginação do espectador. Ele apenas as sugere. Tudo acontece por trás das portas fechadas do bordel. Há, até mesmo, um cliente debaixo de um esquife, local em que busca satisfazer suas fantasias eróticas, fazendo Séverine passar por morta. Tampouco o cineasta põe às claras a psicologia dos personagens ou o cotidiano dos mesmos.

O simples fato de Séverine entrar num quarto de bordel, indiferentemente daquilo que ali venha a se desenrolar, ou com quem se encontre, já é suficiente para despertar um alto grau de erotismo, tornando-se desnecessário explicitá-lo. Portanto, não existe nenhuma cena de sexo expresso formalmente no filme, elas são apenas insinuadas. E, como a imaginação é sempre muito mais intensa, o filme acaba ganhando em densidade.

Henri (Michel Piccoli), amigo do casal, também se sente atraído pela beleza e discrição de Séverine, que faz questão de demonstrar um gélido desinteresse por ele, sempre que se encontram. E é Henri que, indiretamente, dá-lhe o endereço do bordel de Madame Anais, pois ao tomar conhecimento de que donas de casa trabalham em bordeis, à tarde, enquanto seus maridos estão fora, a fim de ganhar um dinheiro extra, Séverine vê-se seduzida por esse tipo de lugar.

Séverine veste-se toda de preto, usando grandes óculos escuros, para ir à busca do bordel de Madame Anais (Geniéve Page), que parece não ter interesse por homem, mas apenas por mulheres. Trata-se de uma mulher experiente no seu ofício, que logo aprende a lidar com a novata, que foge no seu primeiro dia de trabalho, mas não tarda a voltar. Séverine também tenta escolher seus clientes, mas Madame Anais mostra-lhe que isso não é possível, pois a escolha é do freguês e, com dinheiro, todos eles são iguais.

Além de ser masoquista, pois gosta de ser tratada rudemente pelos clientes do bordel, Séverine também possui fetiches particulares, como se excitar com o miado dos gatos e com o barulho de sinos de carruagens. Em suas fantasias eróticas, esses sons aparecem, como acontece logo no início do filme, quando ela imagina estar sendo violentada pelos dois condutores da carruagem, a mando do marido, que a pune por ser fria com ele. O mesmo acontece na cena em que, usando um vestido branco, ela se imagina sendo violentamente amarrada, com os homens a lhe atirar lama, incluindo o marido. Outra cena que chama a atenção é aquela em que um cliente de origem asiática mostra algo dentro de uma caixinha a uma das companheiras de Séverine que o recusa, e depois a ela, que o aceita. Ao espectador não é dado saber o que a pequena caixa contém. Ele ouve apenas um zumbido saindo de dentro dela. Deduz-se que na caixinha havia algo de grande magnetismo erótico.

Dois clientes chegam ao bordel de Madame Anais, ambos criminosos. Um deles, o mais velho, já é conhecido da casa, enquanto o outro, Marcel (Pierre Clémenti), é novo ali. Ele é um jovem impetuoso, arrogante e convencido. Usa um casaco preto de couro, tem a boca cheia de dentes de aço e carrega uma bengala cortante. E é exatamente pelas maneiras rudes e pelos insultos de Marcel que Séverine sente-se atraída. Os dois passam a ter um relacionamento mais intenso, e ele se vê no direito de tê-la quando bem quiser, como sua propriedade. Fica enlouquecido, quando a bela não aparece no bordel. É incapaz de compreender que não é dele que Séverine depende, mas daquilo que ele representa, ou seja, ele é apenas uma vazão para suas fantasias, aquilo que de melhor pode encontrar para realizá-las, mas sem nenhum vislumbre de amor.

Séverine é surpreendida por Henri no bordel, onde é impiedosa com ele, apesar de lhe pedir para não contar nada a seu marido, alegando que fora ele quem lhe dera o endereço. Mas acontece uma reviravolta, quando Marcel, insatisfeito com o sumiço dela, descobre seu nome e endereço e vai até sua casa, no momento em que seu marido está prestes a chegar do trabalho. Ela o convence a sair, mas ele fica de tocaia na rua. Ao descer de seu carro, Pierre é baleado por Marcel, que, em seguida, é cercado e morto pela polícia, enquanto fugia.

Pierre vai para o hospital e depois volta para casa numa cadeira de rodas. Ele não fala, não enxerga e não anda. Séverine toma conta dele. Mas Henri vai visitar o amigo e diz a ela que vai lhe contar tudo. Não fica claro se isso acontece. O filme termina com Séverine tendo outras de suas fantasias, ao ouvir o som da sineta da charrete que passa na sua rua, vendo Henri levantar-se e abraçá-la.

A Bela da Tarde é sem dúvida o filme mais conhecido e icônico de Luiz Buñel, em que ele retoma seu ataque à hipocrisia da classe burguesa, aqui retratada por Séverine, uma mulher jovem, rica, elegante e bem casada, mas, que vai à procura de um bordel para vivenciar suas fantasias eróticas, onde convive com a humilhação, num grande contraste com a sua vida de burguesa. O diretor também faz presente o seu posicionamento anticlerical, ao mostrar, num rápido flashback, Séverine, ainda criança, rejeitando a hóstia durante a comunhão. Outro momento de flashbacks é mostrado quando ela sobe as escadas do bordel e vê imagens de sua infância, inclusive sendo molestada.

Embora alguns possam entender que o filme seja um caminho para a liberação feminina, as coisas não são bem assim, pois Séverine é uma mulher triste, que tem por companhia apenas homens cruentos, hostis e criminosos. Seu jovem marido Henri, a quem ela ama, é incapaz de realizar suas fantasias, ou talvez ela não tenha coragem de expô-las para ele, por timidez ou medo de ser censurada. É também difícil saber qual é a verdadeira Séverine. Seria ela a mulher muito bem vestida com roupas de grife e impecavelmente penteada ou aquela de cabelos soltos e roupas mínimas? A esposa linda, mas distante, ou a amante submissa e realizada? Talvez seja ela a junção das duas, onde uma necessita da outra para sobreviver.

Para que o espectador possa entender melhor o filme, pois muitas vezes realidade e sonhos confundem-se, é bom que preste atenção na presença de sinos, que é o sinal dado para nos advertir que Séverine está fantasiando. Fica também a consideração de que o diretor não teve nenhum interesse em mostrar respostas. Trata-se de uma obra aberta, de modo que cada um possa fazer a sua própria interpretação.

Sugestão
Outras obras do diretor: Um cão andaluz/ A idade do ouro/ Os esquecidos/ Nazarin/ Viridiana/ O anjo exterminador/ Diário de uma camareira/ Tristana – uma paixão mórbida/ O discreto charme da burguesia, etc.

Para quem gostou do filme fica a sugestão de assistir a “De Olhos Bem Fechados” (1999) – Stanley Kubrich.

Fontes de pesquisa
A Magia do Cinema/ Roger Ebert
Tudo sobre Cinema/ Sextante
Cinema com Rubens Edwald Filho

Filme – ADEUS, MENINOS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Gastei muito tempo para realizar “Adeus, Meninos”. Eu vivia angustiado, com um medo terrível de não fazer algo bem feito. Hoje, vejo o filme como o apogeu de minha carreira. (Louis Malle)

Um artista verdadeiro pode se servir do horror para revelar o belo – e vice-versa. É exatamente o que fez Louis Malle em Adeus, Meninos, drama pungente de inocência ameaçada pela barbárie nazista, mas também crônica de afetos cultivados em silêncio, como frágeis flores de estufa. (José Geraldo Couto)

Filme sobre os reencontros – com memória pessoal, com a história coletiva, com o próprio país – “Adeus, Meninos” conjuga a emoção com o distanciamento. Através do tempo filtrado pela memória, o prematuro testamento cinematográfico de Louis Malle é o documentário mais preciso que o realizador podia rodar sobre si mesmo. ( Esteve Rimbau)

O filme Adeus, Meninos (1987), escrito, dirigido e produzido pelo cineasta francês Louis Malle, traz como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial, quando os nazistas ocuparam a França. Ele se inicia numa estação de trem, com o garoto Julien Quentin (Gaspar Manesse) e seu irmão François (Stanislas Carré de Malberg), despedindo-se da mãe para retornarem ao internato católico, onde estudavam. O garoto não se mostra satisfeito com a volta ao colégio, depois das férias do Natal, mas a mãe diz-lhe que é necessário frente aos problemas vividos. Ao garoto não resta alternativa a não ser tomar o trem em direção à cidade interiorana, onde se encontra sua escola.

Julien surpreende-se com a chegada de três novos alunos no internato, sobretudo com a presença de Jean Bonnet (Rapahael Fejto), seu colega de sala, com quem, a princípio, quer competir. O comportamento do garoto inteligente e tímido, que reza em língua hebraica e com velas acesas, usando um solidéu, quando todos se deitam, e se diz protestante, aguça mais ainda a sua curiosidade. Assim, põe-se em campo em busca de respostas. Sorrateiro, quando todos estão presentes em outras atividades, vai até o dormitório e abre o armário de Bonnet, descobrindo a sua origem judaica. Para testar o garoto, Julien oferece-lhe pão com patê de carne, que é prontamente recusado, fato que reforça a sua descoberta. Depois revela ao novato que sabe quem ele é.

Mesmo após a descoberta, Julien não conta nada a ninguém. Ao contrário, aproxima-se mais de Bonnet, vivenciando com ele seus medos, pois o garoto judeu, sempre amedrontado, entra em pânico ao ver um policial. Numa visita de sua mãe ao internato, Julien pede-lhe para convidar Bonnet para almoçar com eles, ao notar que ninguém vem visitá-lo. Os dois passam a andar juntos e compartilhar segredos.

Joseph (François Négret) é um rapazinho problemático que trabalha na cozinha do educandário. Sofre com a sua condição inferior à dos garotos ricos. Ele rouba alimentos e vende cigarros e selos para os alunos. Quando descobertos, compradores e vendedor são chamados à presença do superior, padre Jean (Philippe Morier-Genude), que lhes passa um bom sermão. Mas apenas Joseph é convidado a acertar suas contas e ir embora, fato que o deixa revoltado. Como vingança, o ajudante de cozinha entrega o superior do educandário à polícia nazista, pois mesmo correndo risco, os padres ajudavam a esconder crianças de origem judaicas e haviam abraçado o lado da resistência ao nazismo.

A Gestapo, polícia alemã, invade a escola, interrompendo uma aula, na tentativa de descobrir filhos de judeus, que ali se encontram. O oficial nazista entra na sala de aula e pergunta quem são as crianças que procura. Os alunos mostram-se visivelmente surpresos. Contudo, Julien, num gesto incontido, vira-se para o amigo Bonnet, o que permite que o garoto de origem judaica seja identificado. Ele parece não se perdoar por aquele deslize, mas o amigo assegura-lhe que seria preso de qualquer jeito. O carrasco alemão avisa que o superior já fora preso.

Até o aparecimento do chefe da Gestapo, a vida dos estudantes não havia sido afetada pela guerra. Muitas vezes, os avisos de ataques aéreos são vistos até com prazer, quando interrompem uma aula chata. Os alunos descem para o abrigo antibombas, onde continuam o estudo, entre uma brincadeira e outra.

Adeus, Meninos relata um trecho da infância do diretor Louis Malle que, aos 12 anos, estudou em um colégio interno católico. Também deixa evidente a crítica aos franceses que colaboraram com os nazistas, tornando-se dedos-duros, pois apenas poucos deles participaram da resistência ao regime de Hitler.

O padre e o garoto morreram nos campos de concentração nazista, conforme informa a parte final do filme.

Curiosidades:
• Os atores mirins, que estreiam no filme, dão um show de interpretação.
• O filme não apela para o sentimentalismo, apenas sugere a ocupação nazista e sua crueldade.
• Seu título refere-se à despedida do superior da escola, quando é conduzido pela escolta nazista.
• O filme foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Roteiro Original. Ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Foi também indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro.

Fontes de pesquisa
Coleção Folha/ Cine Europeu
1001 filmes para ver…/ Editora Sextante