Arquivo da categoria: Depoimentos/Saúde Mental

Depoimentos de portadores de Transtornos Mentais.

BIPOLARIDADE – RELAÇÕES ROMPIDAS

Autoria de Hélio Fonseca

Estamos todos aqui desabafando, porque nada que for escrito vai mudar a nossa realidade, mas poderá mudar a nossa maneira de compreender os fatos. No nosso luto cultivamos a fantasia de que a crise vai passar, a pessoa vai voltar ao relacionamento, vai se tratar e as coisas vão se acomodar. Mas se trata apenas de uma fantasia, muitas vezes bem distante do real.

A realidade é que estamos nos relacionando com alguém emocionalmente instável. Isso quer dizer que as escolhas e os sentimentos dessa pessoa mudam. Pessoas, assim, de certo modo enjoam da gente… Então… Como esperar uma vida emocional estável com alguém assim? Outra crise e mais outras virão com certeza. São altos e baixos e à medida que o tempo passa e a gente se envolve, cria expectativas, faz planos, os descartes causam feridas emocionais cada vez mais profundas e até levam ao nosso adoecimento.

Eu sei que nosso coração fica pesado e sofrido, deixando muito pouco espaço para a razão. É preciso imaginar o que esse tipo de problema, esse tipo de relação poderá vir a nos causar daqui a alguns anos. Ou se deve acreditar cegamente que a pessoa irá melhorar? Precisamos entender que o mesmo que ocorreu agora poderá ocorrer mais à frente. Aliás, ouvi esse testemunho de um médico que estava se divorciando depois de 50 anos de casamento. A esposa dele se recusava a se tratar. Dizia sempre que o doente era ele e não ela.

Passei mais de 8 anos com uma mulher bipolar/borderline. São pessoas apaixonantes. Senti amor à primeira vista. Sei da intensidade do seu sofrimento. Imagino que seja idêntico ao meu. Por ignorância ou tragédia só soube do problema dela depois. Ela me descartou no ano passado e isso me causou um sério adoecimento. Se sobrevivo há meses é com o auxílio de medicação, tão sofrido é o estado em que me encontro.

A minha ex-companheira ainda não aceita que é doente. Parte do sintoma dela é achar que eu sou o culpado de tudo que deu errado, inclusive dos seus surtos. Ficamos três anos casados. Ao longo do namoro ela tinha episódios de raiva/violência ou terminava e se distanciava. Algumas vezes eu conseguia contê-la até que se acalmasse. Não fosse isso, tenho certeza, teria terminado bem antes. Ela queria a formalização da relação. Eu hesitei por conta dessas questões e fomos morar juntos para ver como seria a convivência. Acertei ao pensar que tudo pioraria, mas com a separação passei a me sentir muito culpado, como se eu não tivesse tentado tudo, como se a tivesse magoado de alguma forma.

Ao ler outros depoimentos aqui no site, eu percebi que isso não a impediria de fazer o que fez comigo. Mesmo casada, ela poderia ter ido embora. No ano passado ela rompeu completamente o contato comigo. Não responde a nenhuma tentativa de contato. Continuo à espera de uma explicação racional para um ato irracional, que me paralisou no tempo. Estou com muita dificuldade de seguir com a minha vida adiante. É provável que a resposta que espero dela nunca venha. Tenho muito medo do abismo que está se abrindo em minha vida por conta de tudo isso.

Eu me tornei codependente dela, com o tempo, e fraco demais para terminar. Por isso adoeci. Só entendi o problema quando vi um caso mais radical que o dela. Uma mulher descartou o pai de seu filho definitivamente, apenas por conta de um comentário dele sobre abaixar o volume da televisão. Decisão tomada, não voltou atrás. Também testemunhei outro descarte brutal por parte uma segunda pessoa que tinha um relacionamento de muito tempo e que foi descartado sem explicação alguma. A pessoa abandonada entrou em choque no momento em que a companheira terminou a relação. Percebi que essas pessoas quando se sentem que saturadas jogam tudo para cima.

Será que vale à pena esperar por alguém emocionalmente instável? Infelizmente, essas pessoas confundem nosso amor e tolerância aos seus excessos com fraquezas e deixam de nos respeitar, de nos admirar. No meu caso, nesse tempo de distanciamento eu percebi que o sofrimento de estar sem ela é ainda mais doloroso do que o que eu sentia quando estava com ela. O que sentia antes era ressentimento, raiva e humilhação. O que eu sinto hoje é puro desespero…  

 Ilustração: Cinzas, 1894, Edvard Munch

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BIPOLARIDADE – O SOFRIMENTO É INEVITÁVEL

Autoria de José Antônio

Até pouco tempo atrás o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), também conhecido como Transtorno Bipolar do Humor (TBH), era chamado Psicose Maníaco Depressiva (PMD). Caracteriza-se pela variação extrema do humor entre uma fase maníaca ou hipomaníaca e uma fase de depressão.

Lendo os comentários neste site, vejo o quanto a relação dentro de um diagnóstico de TAB é sofrida. Sofre quem tem o diagnóstico, por não aceitar a condição que não escolheu, mas esse irá acompanhar sua história e será utilizado como motivos para isso e para aquilo nas relações, nas decisões, nas atitudes. Sofre quem está por perto, num relacionamento, ao ver essa autofagia que escolhe o silêncio, que distancia quem quer ajudar e que, por vezes, descarta o outro (ainda que inconscientemente).

Eu me relacionei com uma pessoa com TAB por alguns anos. Ouvi diagnósticos, ouvi cenários, ouvi resistências de usar medicamento e senti, por muitas vezes, o efeito dessas decisões. Em um momento eu estava inserido na realidade de sonhos e em outro afastado pelo silêncio ensurdecedor do afastamento que despreza, que anula, que deixa você baratinado e perdido entre tentar ajudar e respeitar as decisões daquele que se tranca.

Passei a fazer cálculos dos dias bons e dos dias ruins. Os meses e anos mostraram coisas sinistras. Meses de afastamento, meses de brigas, meses de indiferença. Alguns momentos de normalidade. Planos? Futuro? Sem chances! Tudo muda num estalo de dedos. A viagem discutida, a curtição desejada, o dia X ou Y, as datas vão sendo manchadas pelas crises, pela indiferença e pelo distanciamento. Em cada queda um vazio, em cada vazio a vontade de ver diferença, e quando essa proximidade ocorria, o medo do próximo dia, do próximo descarte, da forma intensa e descartável que a crise define quem está ao lado de um(a) bipolar é algo que você terá que conviver. O fim parece o natural. Quem está perto sofre também, e se não houver essa clareza, irá sofrer bem mais.

É preciso cuidar de si primeiro, para depois cuidar de quem precisa de ajuda. Não subestime que o risco é alto, que o sentimento é confrontado e que as desilusões sentimentais são inevitáveis nessa relação. Se tem algo que me marcou muito nessa relação, foi tomar conhecimento da falta de responsabilidade afetiva de quem é bipolar. Se isso é sano ou insano, nem os médicos e psicólogos convergem nas hipóteses. A certeza é que o sofrimento é inevitável. E sofrer amando, afastar-se gostando e ver o descarte flertando com você a cada dia é um desafio imenso.

Minha solidariedade aos que a vida rotulou como bipolares. Se desafiem, conversem, expliquem aos seus parceiros que irão se afastar, irão se calar, irão viver a fase necessária da patologia, mas tentem, nesses gatilhos, enxergar aqueles que estão com vocês, e entendam que eles sofrem com vocês, e se você não tiver esse tato, sofrerão ainda mais.

Minha solidariedade aos que estão perto de alguém bipolar. Ame, se importe, entenda, mas cuide de si primeiro, para ter estrutura e ajudar o outro. Se reinventem e incentivem o maior ponto de equilíbrio que for possível. A vida é um sopro, a intensidade de momentos felizes normalmente é muito mais breve que a recuperação das feridas abertas nos relacionamentos.

Luz e paz!

Ilustração: Amor e Dor, 1895, obra de Edvard Munch

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BIPOLARIDADE – AFASTAR-SE NÃO É COVARDIA

Autoria de Fiona Lemos

Amigos e amigas

 Eu estive oito meses com alguém e, através de amigos psicólogos e outros que foram diagnosticados com algo parecido, consegui reconhecer que meu então companheiro tem transtorno bipolar. Antes dele eu namorei e cheguei a me casar com uma pessoa que tem a síndrome de Asperger. Não é fácil conviver com quem tem bipolaridade e não tem conhecimento sobre o assunto, negando a existência do transtorno. O meu ex-companheiro pelo menos assume indiretamente a sua condição de bipolar. Num dia ele me tratava bem, noutro não. Eu só queria que aceitasse ir ao psiquiatra. Mas nem teste de Covid para entrar num restaurante ele aceita fazer. Só tomou a vacina porque queria viajar. Caso contrário não teria tomado. Como veem, nem toda guerra é nossa. A gente precisa compreender isto e seguir em frente. Antes desses relacionamentos, namorei por cinco meses um sociopata.

Imagino a vontade que muitas pessoas têm de proteger o companheiro ou companheira, principalmente quando sabe que a família não se importa tanto quanto deveria, ou ao aprofundar mais na infância da pessoa e ficar com o coração despedaçado, pois vê falta de amor, de princípios e de cuidados. Eu não consegui salvar nenhum dos meus companheiros. Todos me fizeram muito mal. E a negação por parte deles foi maior que as minhas forças positivas. Eu tive que escolher: ou me afundava tentando salvá-los, ou vivia e deixava a minha mãe idosa viver em paz, sem chorar e sofrer, vendo sua filha desmoronar todos os dias.

Minha melhor amiga foi diagnosticada com bipolaridade e esquizofrenia. Ela sempre teve o controle de tudo. Porém, houve um gatilho depressivo que a levou à lona. Depois de semanas se excluindo de tudo e de todos, do nada ela teve um surto. Tentou se suicidar, jogando-se de uma janela, mas os bombeiros salvaram-na e levaram-na para a psiquiatria. Hoje, dois anos após o surto, ela se encontra melhor, mas não pode ficar um único dia sem medicação.

Muitas pessoas tomam medicamentos durante anos e depois tentam nos fazer acreditar que já não mais precisam deles. Querem aliados para fazer a coisa errada. Basta alguém dizer “É verdade, você já está bem, pare mesmo de tomar!”, que as inconsequentes param. E o transtorno acaba piorando ainda mais. Eu tenho uma amiga que tem TOC. Desenvolveu tal transtorno por fuga, em razão de um trauma ocasionado por um acidente de carro.

É difícil conviver com todos aqueles que não levam o tratamento a sério. Quando saí de perto daquelas pessoas às quais me referi acima, eu me senti meio covarde. Achei que as estava abandonando. Mas eu não aguentava mais conviver com elas. Estava sofrendo muito. Abdiquei da minha felicidade e engoli muito sapo. O tempo passou e não alcancei muito dos meus objetivos, por não ter aberto mão de namoros e amizades problemáticos. Uma coisa é certa, essas pessoas não se preocupam conosco nem 10% do que nós nos preocupamos com elas. É impossível conviver com alguém que não reconhece que está doente e busca tratar a sua bipolaridade.

Hoje eu moro em uma casa com duas pessoas. E meu colega de quarto é hipocondríaco e sofre de ansiedade. É extremamente perturbador. Como eu já detectei seu problema, não vou perder meu tempo tentando conviver com ele. Vou morar em um outro lugar. Simples assim! E assim eu vou tentando controlar as coisas. Existirão outras lutas, amigos e amigas, mas essas nem sempre serão as nossas.

O narcisismo, as manipulações e a inconstância por parte de quem não aceita tratamento estão a nos matar todos os dias. O sofrimento é amigo de tumores malignos. Há muitas formas de amar. Podemos torcer pelo bem da pessoa, e ainda assim nos afastar dela pelo nosso próprio bem e pelo bem dela própria. Isto é uma forma de amor. E se ela nos ama, vai querer que estejamos bem e irá entender o nosso afastamento. Cuidem-se todos vocês. Uma hora ou outra a gente vai ser feliz. Sejamos gratos por sairmos vivos desse tipo de relacionamentos.

Ilustração: Mulher Jovem na Praia, 1896, Edvard Munch

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BIPOLARIDADE – NOIVADO DESFEITO

Autoria de Rebeca Mendes

Eu me relacionei com uma pessoa bipolar durante um ano e três meses. Era um romance dos tempos de faculdade e do qual acabei me reaproximando durante a pandemia. Moramos em cidades diferentes e distantes, então nos vemos a cada mês. Eu não sabia que ele tinha qualquer problema de saúde mental, até presenciar o primeiro episódio de mania (até então não sabíamos que era assim que chamava) logo após o seu aniversário de 32 anos.

Foi tudo difícil. Eu estava muito assustada, sem saber como lidar com o problema. Ele se encontrava extremamente diferente do comportamento habitual. Normalmente é uma pessoa muito tranquila e amorosa, mas durante a fase de mania ficou super agitado, não dormia, inconsequente com as palavras e atitudes e passou a me contar coisas que havia feito sem o meu conhecimento, como conversas com outras mulheres. Aquilo me fez desabar em tristeza e frustração, mas não me sentia no direito de sofrer enquanto ele estava naquele estado lamentável. Passados os dias, ele me pediu perdão e prosseguimos com o nosso relacionamento.

Sete meses depois outro episódio de mania aconteceu. Ele havia parado a medicação por conta própria e sem o conhecimento de ninguém. Durante a crise ouvi mais confissões de traição, mas me senti culpada mais uma vez. Achava egoísmo sofrer e terminar com ele naquela situação. Não me sentia com o direito de abandoná-lo. Passados alguns dias, e com ele já menos instável, recebemos o diagnóstico de transtorno afetivo bipolar. Na hora eu cheguei a sentir até um alívio por saber do que se tratava e ele também. Prometeu-me se comprometer com o tratamento, parou de beber e parecia que tudo daria certo.

Mesmo com o problema de confiança por conta das traições confessadas por ele, o relacionamento seguiu tranquilo. Eu evitava situações de estresse ou gatilhos que pudessem despertar nele outras crises. No entanto, mesmo tomando a medicação e estando bem, ele entrou em mais um episódio de mania. Estávamos muito bem, viajamos no réveillon, fizemos planos para esse ano e, inesperadamente, ele terminou comigo. Este último episódio de mania começou de forma muito sutil e ele logo foi ao psiquiatra para rever a medicação, mas ainda assim o episódio progrediu, tendo dias de altos e baixos.

No último domingo saímos por insistência dele, pois eu não gosto de sair quando ele se encontra nessa situação, para evitar a exposição e o que pode gerar uma experiência desagradável, mas também é difícil negar todos os convites pelo medo de chateá-lo. Encontramos uns três amigos dele num barzinho que já é bem conhecido. Ele tomou um refrigerante, conversou bastante, falou de seus planos para a festa de aniversário. Depois de cerca de duas horas ele me chamou para voltarmos para casa.

Ao chegar em casa, ele se irritou porque eu ainda não tinha lavado a louça e terminou o relacionamento comigo. Entregou-me a aliança e pediu-me para tirar as minhas coisas do quarto. Eu moro a quase 400 km de distância da cidade dele, e tive que pegar o primeiro ônibus para voltar pra casa. Agora eu não sei o que fazer. Não sei se espero a mania passar. Não sei se sigo a minha vida. Estou devastada. Abri mão de muitas coisas pelo relacionamento, até mesmo de sofrer, quando tive motivos ruins e agora nem mesmo sei por que ele terminou o namoro.

Tenho tentado falar com ele, mas está tão frio que é como se nossa relação nunca tivesse existido para ele. Escrevo aqui como um desabafo e como um pedido de ajuda. Minha família e meus amigos não entendem essa relação e me dói muito pensar que eu me doei tanto para não ter o direito de um término digno, com um pouco de carinho e respeito. É possível que ele volte atrás? Hoje o meu pensamento não é na reconciliação e sim que possamos conversar, quando ele estiver lúcido. Recuso-me a aceitar uma separação sem nem mesmo saber a causa.

Ilustração: Ciúmes, 1930, Edvard Munch.

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BIPOLARIDADE – SOU UMA MULHER BIPOLAR

Autoria de Maria Amália Silva

Fui diagnosticada com bipolaridade aos 26 anos de idade, tenho agora 38. Sempre tive um comportamento incomum. A minha mãe correu vários médicos, psicólogos, terapeutas, mas nada que levasse a algum lado. Fui mãe a primeira vez aos 19 anos, fruto de um planejamento mal feito. Nunca quis ter filhos, mas o “grande amor” que vivia naquela altura queria por tudo ser pai. Eu nem me lembro de pensar nos riscos. Fui e concretizei o sonho dele. Que grande loucura, vi depois, quando me abandonou grávida de oito meses. Foi muito difícil, mesmo, mas tive a ajuda da família. Levei dois meses chorando, desejando morrer e pensando em como o faria, mas consegui me recuperar, mas não totalmente.

Dois anos depois, fui confrontada com o suicídio do meu pai. Sabendo o que sei hoje, concluo que também era bipolar, mas sem diagnóstico. Foi tão surreal! Peguei as rédeas da situação e tratei da família, de tudo. Nunca senti necessidade de fazer luto, acho que sempre o entendi. Fui tendo altos, baixo, mas nada que fosse alarmante. Era solteira, quase tudo era normal.

Quando tinha 26 anos, tive o meu primeiro surto de euforia. Sexualmente muito ativa, tudo era festa, não havia hora de comer e nunca tinha sono, nem precisava dormir. Dava conta de tudo. Do trabalho, da filha, das saídas. Sempre no mais alto de mim. O que me levou a procurar ajuda foi ter ficado paranoica por não dormir. Cheguei a estar nove dias sem uma hora de sono. Aí já tudo me irritava, já estava a ficar deprimida, zangada e com desinteresse por tudo. Tantas horas no vazio levava a minha mente a todo lado. Comecei em sofrimento. Sentia-me só e não via sentido na vida. Pensei muitas vezes em suicídio. Uma das vezes não conseguia dormir e tomei a caixa toda de sedativos. Fui encontrada pela minha irmã que me levou à urgência médica. Fui medicada. Finalmente consegui dormir e me levantar um pouco do buraco em que tinha entrado. A medicação foi longe demais e houve a elevação de humor novamente. Outro tratamento. Parecia agora equilibrada.

Quando conheci o meu ex-marido, estava a recuperar da minha primeira grande crise de euforia e medicada havia quatro meses. Ele não acreditava em desiquilíbrio da química da mente. Convenceu-me de que não precisava de medicação e eu deixei os remédios. Pareceu-me que ele estava certo e que estaria sempre ali para me ajudar, como foi acontecendo. Estivemos juntos ao todo quase 11 anos, oito de casados. Tive vários episódios, incluindo mais ou menos um ano em que estive em crise depressiva. Lembro-me de me deitar todos os dias a pensar que não queria acordar no dia seguinte, e ficava triste por acordar.

Alguns picos de elevação de humor, mas que serenaram sem grandes problemas envolvidos. Chegamos a estar um mês separados. Mas ele dizia que me amava e ia tomar conta de mim. Eu o amava e estava disposta a perder os medos e traumas e arriscar realizar o seu sonho de ser pai. Lutei vários anos com esse assunto, mas o meu amor por ele levou a melhor. Há quatro anos fiquei grávida, correu bem, mas nos últimos dois meses não consegui dormir. Eu culpava a barriga, o calor, o desconforto, tudo. Não podia mostrar que estava em pânico com o facto de ir passar novamente pela experiência de ser mãe, pois comprometi-me com este sonho.

Dediquei-me inteiramente às milhas filhas e marido. Nunca cuidei de mim, nem da minha saúde mental. Fiquei em casa a cuidar da mais nova. Eu vivia todos os dias em pânico, temendo que algo acontecesse, sempre assustada, sempre tomando conta de tudo. Comentava por vezes com o meu marido. Mas nunca foi dada importância. Ao fim de dois anos e meio eu estava completamente esgotada, deprimida, só chorava. Novamente a minha mente deu uma reviravolta. A euforia instalou-se. Afastei o meu marido, pedi a separação, fiz de tudo para ele se afastar. Mas nunca deixei de amar aquele homem. Não tenho muita noção de todos os acontecimentos. Quando caí em mim, pedi ajuda médica, estou medicada até agora. Com a medicação a funcionar fui ganhando noção de alguns acontecimentos. Sinto muita falta do meu marido, quero-o de volta, mas ele já tem outra pessoa neste momento.

Ainda tenho muitas questões na minha mente, gostaria de obter respostas, gostaria de voltar a tê-lo ou conseguir esquecê-lo, pois este assunto está a mexer muito comigo, a fazer-me sofrer muito. Não quero cair novamente. Quero arranjar explicação sem me vitimizar, mas não consigo entender que a culpa seja minha realmente, pois simplesmente desconectei da realidade e deixei de ter noção. O que não ajuda em nada para arrumar o assunto e seguir em frente, seja em que sentido for.

Ilustração: Noite de Verão, 1889, Edvard Munch

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BIPOLARIDADE E DIVÓRCIO

Autoria de Fernanda Soares

Meu ex-marido tem epilepsia (doença neurológica caracterizada por descargas elétricas anormais e excessivas no cérebro que são recorrentes e geram as crises epiléticas que podem se manifestar com alterações da consciência ou eventos motores, sensitivos/sensoriais, autonômicos. Portanto, a epilepsia é uma doença neurológica, não mental). Ele não foi diagnosticado como bipolar, mas suas atitudes me levam a crer que ele tem, sim, este transtorno. Não quis ir ao psiquiatra. Afirma que não tem problema nenhum, que todas as suas ações são bem pensadas e planejadas, que não há nada de errado consigo (só com os outros).

Durante o namoro e noivado ele terminou comigo algumas vezes a pretexto de que não dávamos certo, que éramos diferentes, mas depois voltava atrás. Depois que nos casamos ele mudou bastante. Em toda briga pedia o divórcio e eu tinha que contornar a situação. Do nada ficava triste e se isolava, depois apresentava-se cheio de alegria e grandiosidade, fazendo vários planos.

A primeira vez em que saiu de casa foi porque não fiz algo que ele queria. Reclamou dizendo que nunca faço nada para ele, mas depois de uma semana voltamos. Em outra discussão que tivemos ele surtou e me xingou de todos os nomes possíveis, quebrou objetos dentro de casa, esmurrou parede, porta e queria ir embora de casa e eu, como sempre, tentando fazê-lo ficar. Sempre dizia que só estava comigo pela minha insistência, que estava apenas empurrando com a barriga a nossa relação, pois sabia que um dia iríamos terminar.

Durante um período ele começou a ficar distante e tivemos muitas brigas. Ele me pediu o divórcio. No dia seguinte já tinha saído de casa e na semana seguinte já havia colocado nosso apartamento à venda. Em menos de um mês ele o vendeu por um preço menor, mudou-se para um bairro mais distante, comprou um cachorro, trocou de carro, trocou de aparelho celular, comprou roupas novas, tênis novo, aparelhos eletrônicos para sua nova casa, mudou de local de trabalho e com a parte dele no apartamento comprou um lote. Disse que iria construir a casa dele, do jeito que sempre sonhou. Tudo isso em menos de um mês.

Procurei conversar com ele depois de um mês, quando tentaríamos reatar a nossa relação, mas a princípio cada um ficaria em casas separadas. Porém, percebi que ele já tinha seguido a própria vida nesse pequeno tempo, feito suas mudanças radicais, tirado a aliança, mudado a rotina. E tudo isso não me incluía mais na sua nova vida. Disse-me que estava bem, como nunca tinha estado antes, que queria viver sozinho, que se sentia muito bem na sua nova vida.

A mãe dele morreu há uns quatro anos e senti que suas crises se intensificaram nesses últimos anos. Tivemos seis anos de relacionamento e ficamos casados durante dois anos. Falei para ele procurar tratamento, pois tudo indica que é bipolar. Disse-me que não tem problema nenhum, que é bem resolvido, decide as coisas da vida dele rápido, que está super feliz e cheio de projetos e planos.

Iremos assinar o divórcio semana que vem. Eu tenho quase certeza de que ele é bipolar, porém ninguém da família tem coragem de falar sobre o assunto com ele, pois é muito agressivo. Não quis nem fazer terapia comigo, já que estou saindo deste relacionamento à base de antidepressivos e fazendo terapia. Não tem sido fácil para mim.

Ilustração: Garota Chorando, 1964, Roy Lichtenstein

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