Eu me relacionei com uma pessoa bipolar durante um ano e três meses. Era um romance dos tempos de faculdade e do qual acabei me reaproximando durante a pandemia. Moramos em cidades diferentes e distantes, então nos vemos a cada mês. Eu não sabia que ele tinha qualquer problema de saúde mental, até presenciar o primeiro episódio de mania (até então não sabíamos que era assim que chamava) logo após o seu aniversário de 32 anos.
Foi tudo difícil. Eu estava muito assustada, sem saber como lidar com o problema. Ele se encontrava extremamente diferente do comportamento habitual. Normalmente é uma pessoa muito tranquila e amorosa, mas durante a fase de mania ficou super agitado, não dormia, inconsequente com as palavras e atitudes e passou a me contar coisas que havia feito sem o meu conhecimento, como conversas com outras mulheres. Aquilo me fez desabar em tristeza e frustração, mas não me sentia no direito de sofrer enquanto ele estava naquele estado lamentável. Passados os dias, ele me pediu perdão e prosseguimos com o nosso relacionamento.
Sete meses depois outro episódio de mania aconteceu. Ele havia parado a medicação por conta própria e sem o conhecimento de ninguém. Durante a crise ouvi mais confissões de traição, mas me senti culpada mais uma vez. Achava egoísmo sofrer e terminar com ele naquela situação. Não me sentia com o direito de abandoná-lo. Passados alguns dias, e com ele já menos instável, recebemos o diagnóstico de transtorno afetivo bipolar. Na hora eu cheguei a sentir até um alívio por saber do que se tratava e ele também. Prometeu-me se comprometer com o tratamento, parou de beber e parecia que tudo daria certo.
Mesmo com o problema de confiança por conta das traições confessadas por ele, o relacionamento seguiu tranquilo. Eu evitava situações de estresse ou gatilhos que pudessem despertar nele outras crises. No entanto, mesmo tomando a medicação e estando bem, ele entrou em mais um episódio de mania. Estávamos muito bem, viajamos no réveillon, fizemos planos para esse ano e, inesperadamente, ele terminou comigo. Este último episódio de mania começou de forma muito sutil e ele logo foi ao psiquiatra para rever a medicação, mas ainda assim o episódio progrediu, tendo dias de altos e baixos.
No último domingo saímos por insistência dele, pois eu não gosto de sair quando ele se encontra nessa situação, para evitar a exposição e o que pode gerar uma experiência desagradável, mas também é difícil negar todos os convites pelo medo de chateá-lo. Encontramos uns três amigos dele num barzinho que já é bem conhecido. Ele tomou um refrigerante, conversou bastante, falou de seus planos para a festa de aniversário. Depois de cerca de duas horas ele me chamou para voltarmos para casa.
Ao chegar em casa, ele se irritou porque eu ainda não tinha lavado a louça e terminou o relacionamento comigo. Entregou-me a aliança e pediu-me para tirar as minhas coisas do quarto. Eu moro a quase 400 km de distância da cidade dele, e tive que pegar o primeiro ônibus para voltar pra casa. Agora eu não sei o que fazer. Não sei se espero a mania passar. Não sei se sigo a minha vida. Estou devastada. Abri mão de muitas coisas pelo relacionamento, até mesmo de sofrer, quando tive motivos ruins e agora nem mesmo sei por que ele terminou o namoro.
Tenho tentado falar com ele, mas está tão frio que é como se nossa relação nunca tivesse existido para ele. Escrevo aqui como um desabafo e como um pedido de ajuda. Minha família e meus amigos não entendem essa relação e me dói muito pensar que eu me doei tanto para não ter o direito de um término digno, com um pouco de carinho e respeito. É possível que ele volte atrás? Hoje o meu pensamento não é na reconciliação e sim que possamos conversar, quando ele estiver lúcido. Recuso-me a aceitar uma separação sem nem mesmo saber a causa.
Ilustração: Ciúmes, 1930, Edvard Munch.
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Rebeca
Posso falar de carteirinha, como alguém que lutou até a última força restante de saúde mental e de amor próprio. Não vale a pena estar ao lado de um companheiro bipolar. Salvo se este for o seu filho, pois creio que em relação a um filho não temos escolhas e não podemos simplesmente optar. Mas como companheiro não há possibilidades de convivência e creio que até mesmo com o comprometimento com a a tomada das medicações, pois tudo isso se esvai e acaba em oscilações e abandonam tudo sem noção da realidade.
Acredito que cada situação é uma e que fatores muito sutis e particulares possam fazer um bipolar reagir, aceitar, mas como cobrar deles tudo isso, se o que lhes falta é justamente a consciência? Não se trata de uma doença mental esperando consciência do paciente, pois a falta dela é a própria doença! Não é fácil mas isso se chama loucura. Todos somos loucos porém a consciência da loucura nos faz sociáveis. Espero que todos sejam acalentados de alguma forma, pois tenho a plena certeza de que nem o doente nem a família tem culpa. Somos todos vítimas de uma triste e sofrida situação.
Rebeca
Conheço muito bem esse problema. Se não parar com o tratamento é possível viver juntos, do contrário, sem chance. A minha esposa surtou e eu não sabia nada sobre o assunto, com muita dificuldade a levei ao hospital, onde foi diagnosticada com o transtorno bipolar. Comprei os remédios, mas ela achava que não tinha nada e não os tomava. Então do nada fez a mala e foi embora pra família dela. Com o tempo lá conseguiram com que ela se tratasse. Melhorou, pediu pra voltar, aceitei, tomou remédio certinho durante 3 anos. Parou por conta própria e aconteceu tudo de novo. Foi embora, quando melhorou pediu novamente pra voltar, mais uma vez aceitei. Faz um ano que voltou, mas está bem avisada que se acontecer mais uma vez já era. Vou seguir a minha vida. É muito triste porque é uma doença terrível. Eu estou dando chance, até porque já temos 8 anos de casados, mas a você, Rebeca, que ainda estava namorando, não aconselho voltar mais. Segue sua vida em quanto tem tempo.
Rebeca
Sou casado com uma pessoa que tem Transtorno Bipolar, então entendo bem a sua situação. Todas essas coisas que você citou são sintomas do surto maníaco: a agitação, comportamentos sem sentido e inconsequentes, traições, frieza e indiferença em relação às pessoas próximas. Sem medicação ele pode ficar meses nessa condição e afetar de maneira muito negativa a própria vida e a das pessoas ao seu redor. Na situação em que ele se encontra, é muito comum que seja necessário acompanhamento psiquiátrico intensivo por um bom tempo, até que as medicações estejam bem ajustadas. Nesse meio tempo, podem acontecer recaídas, como você relatou. O importante é sempre ter o acompanhamento psiquiátrico para que o médico possa testar medicações e dosagens que deem a ele estabilidade. No atual momento, é muito importante que a família se envolva com o problema, você sozinha não conseguirá resolver a situação, ainda mais à distância.
Se de fato ele é uma boa pessoa, como você descreve, não tenho dúvida de que ele irá te procurar depois que sair da mania. Enquanto está maníaco ele não tem consciência clara das coisas que faz, por isso, quando voltam ao normal, os bipolares sofrem e se arrependem intensamente do que fizeram enquanto estavam descompensados. Quando ele estiver bem medicado e estabilizado, será possível conversar e avaliar se vale a pena ou não retomar essa relação, adiantando pra você que só vale a pena se ele se comprometer rigorosamente com o tratamento. Enquanto isso, cuide de você mesma, procure um bom psicólogo, faça planos para sua vida.
Boa sorte!
Carlos
Rebeca
O convívio com uma pessoa bipolar é realmente muito difícil, demandando muita doação por parte de quem com ela convive. A mudança do estado de depressão para a euforia acarreta muitos problemas para todos em derredor.
Você fez tudo que estava ao seu alcance. Não tem nada a lamentar. Quanto a ele é difícil analisar, pois seu comportamento faz parte dos altos e baixos de sua doença mental. Como já deve ter lido em suas pesquisas a respeito do assunto, o bipolar muitas vezes não é dono de suas ações, sendo essas um produto de sua doença. Se voltar para ele, tal atitude irá se repetir. A pergunta que deverá fazer para si mesma é se vale a pena, se está preparada para viver com alguém com tal doença.
Rebeca, eu acredito que ele voltará a procurá-la assim que passar a fase ruim em que se encontra. Caberá a você avaliar se vale a pena uma reconciliação, pois terá que conviver com tudo isso, pois suas ações serão repetitivas. Os medicamentos atenuam as crises, mas não curam. A Ciência avança no campo das doenças mentais, talvez no futuro haja cura para elas. Não deve carregar mágoa consigo, pois o comportamento dele é resultante de sua doença. Veja os acontecimentos como uma oportunidade para reavaliar essa relação e dela cair fora, se for o caso. Melhor saber agora como as coisas serão, se forem viver juntos, do que quando casados.
Abraços,
Lu
Rebeca
A maioria das pessoas que escreve neste blogue narra os mesmos problemas no convívio com pessoas que possuem transtornos, ou seja, elas pararam de tomar os medicamentos, o que resulta em irritabilidade, traição e separações, entre outras atitudes. Penso que você deve seguir outro estilo de vida e encontrar outra pessoa para conviver. Vida nova!