Autoria de Aline Oliveira
Estou feliz por ter encontrado este espaço com tanta informação, esclarecimento e relatos, mas triste por fazer parte dos que sofrem com seus companheiros bipolares.
Vivo com meu companheiro há exatos 27 anos. No início foi tudo muito bom. Namoramos por 10 anos e nesse tempo a vida dele teve muitas oscilações de trabalho, desemprego e problemas familiares. Também ocorreram várias crises, porém sempre as relacionei aos acontecimentos e o apoiei. Estive ao seu lado em todos os momentos, mas, até então, não tinha sentido na pele o furacão que é a convivência com um bipolar. Como é sofrido!
Em 2013 resolvemos morar juntos. No primeiro ano foi muito difícil, pois ele ficou desempregado e passamos por muitos meses de tensão. Ainda acreditava que toda a ira e descontrole dele era pela situação vivida, porém logo tudo se voltou para mim. Eu era a culpada pela situação, eu era a culpada por seu nervosismo, eu era culpada por deixa-lo fora do controle…
Acordava às 5:30 horas da manhã para trabalhar. Chegava exausta do trabalho e do desgastante transporte público. Isso por volta das 20 horas. Ainda ia fazer comida. Ouvia depois que tudo estava horrível (antes minha comida era maravilhosa), que eu não fazia nada direito, que as camisas estavam sempre mal lavadas (lavava roupas aos sábados e domingos na mão, pois não tinha máquina), entre tantas outras coisas…
Comecei a ficar doente, pois me sentia culpada por tudo. Tive câncer e passei por duas grandes cirurgias. Nesse tempo fui ao inferno e voltei todos os dias. Mesmo sabendo da minha condição, ele alegava que eu fazia corpo mole. Com duas semanas de operada e 79 pontos na barriga, culpava-me por não termos relações sexuais, alegando que era homem e tinha suas necessidades. Passado esse capítulo, cogitei a separação, mas não tinha dinheiro nem para alugar um barraco.
Família, não tenho! Minha mãe era alcoólica e faleceu de câncer faz alguns anos. A família dele sempre sofreu com seu temperamento e eles não têm uma relação amigável. Sim, eu o amo e este é o grande motivo de estar com ele todo esse tempo. Infelizmente ele não aceita tratamento e, quando toco no assunto, fala que sou eu quem precisa de tratamento, pois sou louca e desequilibrada.
Passado um período, a vida dele foi se transformando, pois voltou a trabalhar, mas o comportamento continuava por períodos alternados, entre euforia e depressão. Por muita insistência e num período mais calmo da relação, ele resolveu procurar ajuda psiquiátrica, sendo diagnosticado com bipolaridade. Iniciou o tratamento que durou apenas uns seis meses, pois chegaram os efeitos colaterais, o que para ele era uma invalidez masculina. Ele se sentia castrado por não ter mais a mesma libido.
Desde então vivo numa montanha russa, entre momentos de carinho e meses de xingamentos, brigas, menosprezo, culpa, entre tantos outros motivos criados pelo seu cérebro monstruoso que surge de tempos em tempos. Com a pandemia veio o trabalho home office e ele desempregado. Estou há quase dois anos literalmente no inferno. Tudo é minha culpa, diz que eu sou burra, ignorante e não tenho sentimento por ele. Tudo isso sem eu ao menos abrir a minha boca.
Este é meu desabafo resumido desses 27 anos. Não cabe julgamento, pois além de me sentir um trapo, existe muitas coisas não ditas. Estou sem forças, sem rumo, sem ser eu. Preciso me reencontrar e sinceramente não sei como. Muito obrigada pelo espaço para este desabafo e parabéns por compartilhar tantas experiências.
Ilustração: Mulher Chorando, 1947, Cândido Portinari
Views: 0