Arquivo da categoria: Ditos Populares

A sabedoria popular está presente em todas as línguas, sendo expressa através de várias maneiras: provérbios, adágios, sentenças, aforismos, parêmias, apotegmas, anexins, rifões, ditos e ditados populares.

A VOZ DO DONO

Autoria de Lu Dias Carvalhotambor1

Segundo o escritor Reinaldo Pimenta em seu livro A Casa da Mãe Joana, a expressão a voz do dono é de origem inglesa (His master’s voice), tendo surgido no século no século XV ou XVI, a partir de um fato verdadeiro, abaixo relatado.

Um cãozinho perdido na rua fora encontrado pela amiga da esposa do político e escritor inglês Sir Thomas More (1478-1535) que acabou dando de presente à senhora More o animalzinho. Já bem apegada ao cão, a esposa de Sir Thomas More surpreendeu-se, certo dia, com a visita de um mendigo que se dizia dono do animal.  Como saber se aquele homem estava falando a verdade?

Sir Thomas More teve uma brilhante ideia. Postou sua mulher num canto da sala e o mendigo no outro. No meio colocou o cão. Pediu então aos dois que chamassem o animal ao mesmo tempo.  O bichinho não titubeou, dirigiu-se ao mendigo, reconhecendo a sua voz. More presumiu, portanto, que o animal reconheceu a voz do dono. Embora com o coração cheio de tristeza, a senhora More  entregou o cão ao mendigo. Mas o dono do animal, ao receber uma moeda de ouro, deixou o bicho com a mulher, talvez por saber que ela poderia lhe dar uma vida melhor, ao invés de o bichinho ficar perambulando pelas ruas com ele.

Não resta dúvida de que os animais reconhecem a voz e o cheiro de seus donos e, sobretudo, são guiados pelo amor que recebem e que sentem por eles, sem jamais indagarem sobre a classe social a que pertencem, ou pedirem algo em troca. É muito comum nas grandes cidades encontrar os mendicantes com seu animalzinho ao lado. Apesar da vida sofrida que leva, ele jamais abandona seu dono. Vejam a ternura que emana da foto acima, tirada na rua de uma grande capital brasileira.

Fonte de pesquisa:
A Casa da Mãe Joana / Reinaldo Pimenta

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CACHORRO COTÓ NÃO ATRAVESSA PINGUELA

Publicado por Lu Dias Carvalho

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Segundo o Pe. Paschoal Rangel em seu livro Provérbios e Ditos Populares, os provérbios populares são oriundos do meio rural, ou seja, são nascidos em meio à gente simples da roça, frutos da observação empírica das pessoas que ali vivem. Nesse meio existe um grande número de provérbios que tem como personagens os animais em razão do fácil contato do homem do campo com os bichos. No caso do provérbio “Cachorro cotó não atravessa pinguela”, o autor pôs-se a imaginar como deve ter nascido esta pérola. Pegando carona nos pensamentos do padre em questão, e pedindo licença para modificar uma coisa aqui e outra ali, eu também imagino como o provérbio nasceu.

O caboclo volta para casa, depois de um dia árduo de serviço, com o lombo queimado pelo sol danado de ardente, toma um banho de caneco no terreiro, come a janta e senta-se lá no terreiro, no banco feito de tora de madeira, acende o pito e põe-se a matutar sobre as coisas da vida. À frente dele corre um fiapo de água, onde era um riacho que sempre desaparece no tempo da seca. Um tronco de ingazeira liga as duas margens. Por ali transitam gente e animais domésticos, indo de um lado para o outro em busca de alimento, ou por falta do que fazer.

O matuto observa Valentia (este é o nome que escolhi) que perdeu o rabo por conta de uma bicheira dos infernos e que só foi curada a troco de muita creolina. O coitado dá dois passinhos na pinguela e retrocede medroso. Encara aquele pau comprido, cria coragem e tenta de novo, e de novo torna a voltar. Tantas vezes tenta o bichinho que acaba se cansando e vem se deitar aos pés de seu dono, todo sem gracinha. O homem, condoído, pega o animal e atravessa com ele nos braços, deixando-o do lado de lá do leito do riacho. Depois toma-o nos braços e o traz de volta.

O roceiro percebe que Lambada e Preguiça passam pela pinguela com a maior facilidade, tendo os rabos levantados e inclinados para um dos lados, mas Valentia não consegue. Teria o animalzinho medo de altura? Ou seria daquele fiapo de água lá no fundo? De água, não, pois o danadinho atravessa até rio a nado. De repente vem a luz: Valentia não tem rabo. É isso! É o rabo que dá o equilíbrio ao bicho para não cair, feito as asas de um gavião que paira lá no alto do céu ou o rabo do gato ao pular. Valentia, coitado, é cotó! Então, conclui o caboclo que cachorro cotó não atravessa pinguela. E nasce o ditado. E espalha-se pelos campos e cidades. E muitas vezes pelo mundo.

Assim, todas as situações difíceis da vida passam a ser vistas como “pinguelas” e o “cãozinho cotó” como sendo as pessoas que lutam para transpô-las. Muitas vezes a dificuldade é tão grande que é preciso que alguém ajude. E você, como acha que este ditado apareceu?

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BATER AS BOTAS

Autoria de Lu Dias Carvalho baleia1

Segundo diziam os antigos, a expressão bater as botas era específica dos endinheirados, pois o calçado era um símbolo de status social, um luxo do qual os desventurados viam-se a anos-luz de distância. Ainda mais em se tratando de botas, artigo luxuoso, feito de couro, à disposição de poucos, símbolo de ostentação e autoridade. Tanto é que todo coronel, graduado ou não, usava tal calçado que muitas vezes subia até a coxa. O tamanho dizia respeito ao seu grau de importância. Como as mulheres não usassem botas, tal expressão só era direcionada aos homens patacudos, é claro.

Os pobres sem eira e nem beira não batiam as botas, apenas esticavam suas canelas finas, desprovidas de músculos, terminadas em pés de sulcos profundos, capazes de esconder toda a miserabilidade que lhes ofertava a vida, sem dó ou piedade. No máximo podiam bater as chinelas ou amarrar o paletó puído, presente de um coronel ou senhor. O mais engraçado é que, num gesto de extrema nobreza, como se vivessem numa sociedade justa, pobres e ricos partiam para “uma vida melhor”, onde supunham que todos chegariam, mas sem o uso de botas, é claro.

Ainda que as injustiças continuem, a expressão bater as botas tornou-se igualitária. Tanto batem as botas, abotoam o paletó ou esticam as canelas os ricos quanto os pobres. E não mais importa o sexo, pois botas e paletós também passaram a fazer parte da indumentária feminina. Sem falar que as botas de hoje também podem ser de borracha ou plástico, trazendo um preço mais em conta, de acordo com o bolso de cada um.

Segundo alguns estudiosos dos ditos populares, esta expressão pode ser fruto da primeira invasão holandesa no Brasil, acontecida em 1624, quando o uso de botas foi estendido aos negros escravos. Como esses não tinham nenhuma destreza no uso de armamentos, acabavam tropeçando em suas próprias botas e caindo, tornando-se um alvo fácil para a mira dos holandeses em luta. Os negros sobreviventes referiam-se aos companheiros que morriam como sendo vítimas das botas, ou seja, os pobrezinhos morriam porque tinham “batido as botas”.

Ilustração: Um Par de Botas, 1886, obra de Van Gogh.

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OS DITADOS E OS TEMPOS

Autoria de Lu Dias Carvalho

Os ditados (ou ditos) populares são uma das mais belas expressões de uma língua. Eles representam a identidade cultural de um povo, mas são também uma pedra no sapato de quem estuda um idioma estrangeiro, pois são difíceis de serem explicados e entendidos, pois jamais podem ser traduzidos ao pé da letra. Muitas vezes, eles extrapolam as fronteiras de um país e agregam-se a outras línguas, depois de sofrer pequenas alterações. Noutras, fogem totalmente à sua origem, como é o caso dos ditados que veremos abaixo.

Dito Popular: “Quem tem boca vai a Roma”.
Original: “Quem tem boca vaia Roma”

Explicação:
Vaia do verbo “vaiar”, diz respeito à época do imperador romano Júlio Cesar.

Dito Popular: “Esse menino não para quieto, parece que tem bicho carpinteiro”.
Original:  “Esse menino não para quieto, parece que tem bicho no corpo inteiro”.

Dito Popular: “Batatinha quando nasce, esparrama pelo chão”.
Original: “Batatinha quando nasce, espalha a rama pelo chão”.

Dito Popular: “Cor de burro quando foge”.
Original: “Corro de burro quando foge!”

Dito Popular: “Cuspido e escarrado” (alguém muito parecido com outra pessoa).
Original: “Esculpido em carrara” (tipo de mármore).

Dito Popular: “Quem não tem cão, caça com gato”.
Original: “Quem não tem cão, caça como gato”

Explicação:
Precisa ser astuto, esperto como um gato para caçar.

Dito Popular: “Meu amigo enfiou o pé na jaca”.
Original: “Meu amigo enfiou o pé no jacá”.

Explicação
Antigamente os bares traziam cestas na parte da frente. Tais cestas eram conhecidas como “jacá”. Ali ficavam legumes e frutas para serem vendidos. As pessoas bêbadas, ao sairem do bar, costumavam enfiar o pé no jacá, nascendo daí a expressão.

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BÊBADO COMO UM GAMBÁ

Postado por Lu Dias Carvalho

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Segundo a minha amiga Celestina Queiroga, o marido de sua secretária bebe como um gambá. E eu pensei cá com os meus botões sobre essa mania que as pessoas têm de sempre botar a culpa nos bichos. Os coitadinhos acabam levando a fama pelas maluquices e vícios humanos. Protesto veementemente contra tal comportamento.

Mas que engano! Eu estou aqui a defender o gambá, um bichinho noturno, para depois ficar sabendo que o danado é caidinho por bebidas alcoólicas, principalmente por uma birita. O moleque gosta tanto da sinhazinha que basta sentir o seu cheiro para cair na esparrela. De modo que, para pegá-lo, basta colocar um pouco de pinga numa vasilha. O bichinho bebum é atraído pelo cheiro. Ele bebe a terebintina e cai embriagado, bebaço, ficando impossibilitado de defender-se, ou seja, incapacitado de soltar aquele aroma que lhe é tão peculiar e que afasta as companhias indesejáveis, assim como os inimigos. Como os bêbados humanos, o animalzinho fica à mercê de terceiros que dele fazem o que bem quer, inclusive matam. Coitadinhos!

O leitor poderá ver agora que existem coisas em comum entre o gambá e o bebum. Ambos adoram uma jurubita e expelem um bodum danado, pois os bebuns não são chegados a um banho. Mas é bem possível que o bichinho, ao contrário do bicho-homem, nunca vomite ou faça aquela lambança no banheiro, o que deixa qualquer mulher com os cabelos em pé, ciente de que onde entra a bebida, escafede-se o prazer. Segundo os abstênios, onde a bebida torna-se patroa, o saber pica a mula numa boa.

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AGORA É TARDE, INÊS É MORTA!

Autoria de Lu Dias Carvalho

Os ditados populares também contam parte da história de um povo, como é o caso do conhecido “Agora é tarde, Inês é morta”. Muitas pessoas não fazem a menor ideia de como apareceu tal ditado popular que, por sinal, é muito usado no Brasil.

Inês de Castro, descendente de uma importante família castelhana, picou a mula para Portugal como dama de companhia da princesa Constança, futura esposa de Dom Pedro (herdeiro do rei Afonso IV). Não sei se a moça era uma santinha do pau oco ou não, pois falar é prata e calar é ouro, o fato é que o príncipe caiu de amores por ela.

O velho rei Afonso IV ficou com a pulga atrás da orelha, pois sabia que daquela colmeia não sairia mel para o reino, e seria melhor prevenir do que remediar, pois, caso o filho não levasse à frente sua relação com Constança, todos os acordos políticos iriam para o brejo. Mesmo assim, Pedro continuou esquentando os lençóis de Inês, enquanto os de Constança congelavam. Prova disso é que, embora apaixonada pelo esposo, a vítima teve apenas um filho, Fernando, com o marido adúltero, enquanto o dito aumentava a sua prole com Inês, o que mostra o fervor de sua paixão pela não mais donzela.

Após a morte da princesa Constança, Dom Pedro, ora viúvo, foi instado a casar-se de acordo com os interesses políticos do reino. Porém, sabedor de que em cachorro fraco as pulgas deitam-se e rolam, rejeitou todas as ofertas. Somente Inês imperava em seu coração. Preferia a bolsa leve ao coração pesado. Não mais iria escutar o pai e perder aquela que o enfeitiçara loucamente. Estava na hora de virar a mesa.

Seu pai, o esperto rei Afonso IV, que mandava e desmandava no pedaço, sabedor de que o seguro morreu de velho, pôs-se a tramar algo pérfido. Enquanto seu filho Dom Pedro estava caçando, matando os animaizinhos que nenhuma culpa tinham no cartório, entrou em conluio com os seus conselheiros.  Achou que o melhor a fazer seria mandar a vaca para o brejo de uma vez por todas, ou seja, assassinar Inês, pois um homem prevenido vale por dois. Assim, a infeliz foi degolada sem dó ou piedade. Nem é preciso dizer que Pedro ficou inconsolável.  Continuou resistindo a casar-se novamente, a menos que fosse com Inês, embora já morta.

O velho rei acabou batendo as botas, pois a morte não poupa o fraco e nem o forte. Dom Pedro tornou-se o novo rei. E como vingança é um prato que se come frio, dizem a boca pequena que ele ordenou que o corpo de sua amada fosse exumado, seu esqueleto recomposto e, depois de casar-se com ela, coroou-a como rainha.

Contam os mais linguarudos que o novo rei ordenou que toda a corte beijasse as mãos, digo, os ossos metacarpianos de sua amada, sendo prontamente atendido, pois macaco velho não mete a mão em cumbuca, pois manda quem pode e obedece quem tem juízo. Contam ainda que Dom Pedro transformou-se num justiceiro, jogando no calabouço, quando não os degolava, todos os envolvidos na morte de sua amada Inês.

Como desgraça pouca é bobagem, o rei ia às masmorras só para ter o gostinho de ver os infelizes serem castigados. E como o arrependimento sempre vem tarde demais, os prisioneiros ficavam a implorar-lhe clemência:

Perdão, meu rei! Perdão, meu rei!

Agora é tarde, Inês é morta! – respondia-lhes o rei.

De fato não havia mais nada a fazer, mais nada a ser desculpado.  Melhor seria que os conspiradores ficassem calados, pois más desculpas são piores do que nenhuma. Mas, como do dito ao feito existe muita distância, não quero me comprometer com conversa fiada, pois em boca fechada não entra mosca e quem conversa muito dá bom dia  cavalo. Estou aqui apenas vendendo o peixe pelo preço que comprei. Quem quiser que vá dar vazão às suas caraminholas, fazendo pesquisas.

Obs.:
Luís Vaz de Camões imortalizou a história de amor entre Dom Pedro e Inês de Castro.
(Os Lusíadas, canto III, estrofes 118-135/ 1572)

Ilustração:  Ophelia, 1852, Sir John Everett Millais

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