Autoria de Lu Dias Carvalho
Os ditados populares também contam parte da história de um povo, como é o caso do conhecido “Agora é tarde, Inês é morta”. Muitas pessoas não fazem a menor ideia de como apareceu tal ditado popular que, por sinal, é muito usado no Brasil.
Inês de Castro, descendente de uma importante família castelhana, picou a mula para Portugal como dama de companhia da princesa Constança, futura esposa de Dom Pedro (herdeiro do rei Afonso IV). Não sei se a moça era uma santinha do pau oco ou não, pois falar é prata e calar é ouro, o fato é que o príncipe caiu de amores por ela.
O velho rei Afonso IV ficou com a pulga atrás da orelha, pois sabia que daquela colmeia não sairia mel para o reino, e seria melhor prevenir do que remediar, pois, caso o filho não levasse à frente sua relação com Constança, todos os acordos políticos iriam para o brejo. Mesmo assim, Pedro continuou esquentando os lençóis de Inês, enquanto os de Constança congelavam. Prova disso é que, embora apaixonada pelo esposo, a vítima teve apenas um filho, Fernando, com o marido adúltero, enquanto o dito aumentava a sua prole com Inês, o que mostra o fervor de sua paixão pela não mais donzela.
Após a morte da princesa Constança, Dom Pedro, ora viúvo, foi instado a casar-se de acordo com os interesses políticos do reino. Porém, sabedor de que em cachorro fraco as pulgas deitam-se e rolam, rejeitou todas as ofertas. Somente Inês imperava em seu coração. Preferia a bolsa leve ao coração pesado. Não mais iria escutar o pai e perder aquela que o enfeitiçara loucamente. Estava na hora de virar a mesa.
Seu pai, o esperto rei Afonso IV, que mandava e desmandava no pedaço, sabedor de que o seguro morreu de velho, pôs-se a tramar algo pérfido. Enquanto seu filho Dom Pedro estava caçando, matando os animaizinhos que nenhuma culpa tinham no cartório, entrou em conluio com os seus conselheiros. Achou que o melhor a fazer seria mandar a vaca para o brejo de uma vez por todas, ou seja, assassinar Inês, pois um homem prevenido vale por dois. Assim, a infeliz foi degolada sem dó ou piedade. Nem é preciso dizer que Pedro ficou inconsolável. Continuou resistindo a casar-se novamente, a menos que fosse com Inês, embora já morta.
O velho rei acabou batendo as botas, pois a morte não poupa o fraco e nem o forte. Dom Pedro tornou-se o novo rei. E como vingança é um prato que se come frio, dizem a boca pequena que ele ordenou que o corpo de sua amada fosse exumado, seu esqueleto recomposto e, depois de casar-se com ela, coroou-a como rainha.
Contam os mais linguarudos que o novo rei ordenou que toda a corte beijasse as mãos, digo, os ossos metacarpianos de sua amada, sendo prontamente atendido, pois macaco velho não mete a mão em cumbuca, pois manda quem pode e obedece quem tem juízo. Contam ainda que Dom Pedro transformou-se num justiceiro, jogando no calabouço, quando não os degolava, todos os envolvidos na morte de sua amada Inês.
Como desgraça pouca é bobagem, o rei ia às masmorras só para ter o gostinho de ver os infelizes serem castigados. E como o arrependimento sempre vem tarde demais, os prisioneiros ficavam a implorar-lhe clemência:
– Perdão, meu rei! Perdão, meu rei!
– Agora é tarde, Inês é morta! – respondia-lhes o rei.
De fato não havia mais nada a fazer, mais nada a ser desculpado. Melhor seria que os conspiradores ficassem calados, pois más desculpas são piores do que nenhuma. Mas, como do dito ao feito existe muita distância, não quero me comprometer com conversa fiada, pois em boca fechada não entra mosca e quem conversa muito dá bom dia cavalo. Estou aqui apenas vendendo o peixe pelo preço que comprei. Quem quiser que vá dar vazão às suas caraminholas, fazendo pesquisas.
Obs.:
Luís Vaz de Camões imortalizou a história de amor entre Dom Pedro e Inês de Castro.
(Os Lusíadas, canto III, estrofes 118-135/ 1572)
Ilustração: Ophelia, 1852, Sir John Everett Millais
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