Publicado por Lu Dias Carvalho
Segundo o Pe. Paschoal Rangel em seu livro Provérbios e Ditos Populares, os provérbios populares são oriundos do meio rural, ou seja, são nascidos em meio à gente simples da roça, frutos da observação empírica das pessoas que ali vivem. Nesse meio existe um grande número de provérbios que tem como personagens os animais em razão do fácil contato do homem do campo com os bichos. No caso do provérbio “Cachorro cotó não atravessa pinguela”, o autor pôs-se a imaginar como deve ter nascido esta pérola. Pegando carona nos pensamentos do padre em questão, e pedindo licença para modificar uma coisa aqui e outra ali, eu também imagino como o provérbio nasceu.
O caboclo volta para casa, depois de um dia árduo de serviço, com o lombo queimado pelo sol danado de ardente, toma um banho de caneco no terreiro, come a janta e senta-se lá no terreiro, no banco feito de tora de madeira, acende o pito e põe-se a matutar sobre as coisas da vida. À frente dele corre um fiapo de água, onde era um riacho que sempre desaparece no tempo da seca. Um tronco de ingazeira liga as duas margens. Por ali transitam gente e animais domésticos, indo de um lado para o outro em busca de alimento, ou por falta do que fazer.
O matuto observa Valentia (este é o nome que escolhi) que perdeu o rabo por conta de uma bicheira dos infernos e que só foi curada a troco de muita creolina. O coitado dá dois passinhos na pinguela e retrocede medroso. Encara aquele pau comprido, cria coragem e tenta de novo, e de novo torna a voltar. Tantas vezes tenta o bichinho que acaba se cansando e vem se deitar aos pés de seu dono, todo sem gracinha. O homem, condoído, pega o animal e atravessa com ele nos braços, deixando-o do lado de lá do leito do riacho. Depois toma-o nos braços e o traz de volta.
O roceiro percebe que Lambada e Preguiça passam pela pinguela com a maior facilidade, tendo os rabos levantados e inclinados para um dos lados, mas Valentia não consegue. Teria o animalzinho medo de altura? Ou seria daquele fiapo de água lá no fundo? De água, não, pois o danadinho atravessa até rio a nado. De repente vem a luz: Valentia não tem rabo. É isso! É o rabo que dá o equilíbrio ao bicho para não cair, feito as asas de um gavião que paira lá no alto do céu ou o rabo do gato ao pular. Valentia, coitado, é cotó! Então, conclui o caboclo que cachorro cotó não atravessa pinguela. E nasce o ditado. E espalha-se pelos campos e cidades. E muitas vezes pelo mundo.
Assim, todas as situações difíceis da vida passam a ser vistas como “pinguelas” e o “cãozinho cotó” como sendo as pessoas que lutam para transpô-las. Muitas vezes a dificuldade é tão grande que é preciso que alguém ajude. E você, como acha que este ditado apareceu?
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Lu
Gostei muito desse ditado. Quem o inventou acho que nem sabia que estava falando algo científico. O cão usa o rabo para se expressar. Mas também como um ponto de equilíbrio em certas situações. As pessoas simples têm muita sabedoria e costumam expressá-las através de “ditados”.
Marinalva
As pessoas simples, até pelo fato de não dominarem muito bem a língua culta, recorrem aos ditos populares. E o fazem com grande sabedoria, enriquecendo a língua com verdadeiras pérolas, colhidas através da dedução.
Abraços,
Lu
Faz sentido. Cotó é usado para o ser humano que amputa o braço ou a perna. Para o cachorro, o rabo deve dar mais equilíbrio do que a falta de uma pata.
Eliana
O rabo tem grande importância para o animal. Acho uma judiação cortarem o rabo dos bichinhos.
Abraços,
Lu
Lu
Adoro suas explicações sobre esses ditos populares. Penso que nem todo “cotó” é lerdo. Veja este caso: em certa cidade da região do Vale do Mucuri dois valentões iniciaram uma briga por causa de uma pedra retirada em um garimpo. Um tirou sua pistola e deu uns tiros e o outro também tirou seu revólver e deu outros tiros. Na linha de fogo estava um “cotó” e todos ficaram preocupados com sua saúde física. Ao final os dois valentões caíram mortos e o povo foi procurar como estava o “cotó”. provavelmente morto. Ficaram decepcionados, pois encontraram o moço em sua casa tranquilo tomando um gole de café, pois na Na hora do fogo cruzado ele deu no pé como um raio. O medo provoca cada reação, hein!
Adevaldo
O medo é capaz dos mais incríveis “milagres”. O sujeito fica arrebatado pela força do medo e, sebo nas canelas, pernas para que as quero. Há casos também em que a pessoa fica paralisada. Vira estátua. Fica grudada no lugar. Só queria saber como os dois caras conseguiram morrer. Provavelmente atiraram ao mesmo tempo. Mas dizem que chumbo trocado não mata…
Abraços,
Lu
Gostei da reflexão sobre o provérbio. Conheci o Pe. Pascoal e sou seu grande admirador.
Gilmar
Seja bem-vindo a este cantinho. Obrigada pela sua presença e comentário. O Pe. Pascoal é realmente admirável.
Volte mais vezes!
Abraços,
Lu