Arquivo da categoria: Flagrantes da Vida Real

Casos do cotidiano

O CINEMA “AMERICANO” E O RELHO

Autoria do Prof. Rodolpho Caniato

      

Eu não saberia dizer quando estive num cinema pela primeira vez. Entre as coisas mais remotas que vi no cinema e que me marcaram estão os filmes da menina Shirley Temple, que cantava e sapateava. Na época, anos trinta, foi a maior “febre” e campeã de bilheteria. Os filmes estrelados por essa pequena menina “prodígio” agradavam a todas as idades. Depois de ter visto vários filmes com minha mãe, quando eu tinha seis anos de idade, comecei a poder ir assistir às “matinês” no Cine Americano, com o Mário, meu amiguinho, pouco maior que eu.

O “Americano” ficava na mesma rua em que morávamos, na Avenida Copacabana, pouco além da Rua Santa Clara, para quem vinha do “Atalaia”, (posto dois) na direção de Ipanema. Quando comecei a frequentar o Colégio Teuto Brasileiro, na Rua Siqueira Campos, fui adquirindo certa autonomia, depois de começar ir a pé para a escola. Eu e meu amigo Mário começamos a ficar fregueses dos filmes de Tom Mix e Buck Johnes, os lendários mocinhos dos filmes de caubói.

Um dia, além do filme de faroeste, o cinema passou um seriado que terminou com uma cena eletrizante: o “mocinho”, “nosso amigo”, ia ser esmagado preso numa armadilha. Era uma parede que se movia para matá-lo. A cena terminava com o “mocinho” prestes a ser esmagado pela parede “movediça”. Aquela última cena nos deixou “gelados”. Ficamos tão impressionados que resolvemos ficar para ver mais uma vez. Com isso, nós assistimos tudo de novo e quase anoiteceu. Quando saímos felizes, depois de outra sessão, topamos com meu pai na porta do cinema e com um chicotinho na mão.

O chicote que meu pai trazia era meu conhecido de casa. Era objeto decorativo, parecido ao usado pelos jóqueis nas corridas de cavalos, mas com um adorno de prata, que era uma cabeça de cavalo. Logo levei, além da bronca, uma relhada nas pernas sem qualquer “exposição de motivos”. Meu amigo Mário, vendo o “clima”, foi correndo para sua casa. Tive que andar na frente de meu pai que, de vez em quando, aplicava mais uma pequena relhada nas minhas pernas. Cheguei a minha casa aos soluços e fui dormir.

Nota: Extraído do livro “Corrupira”, ainda inédito, do autor.

CASOS FAMOSOS DOS ANOS TRINTA

Autoria do Prof. Rodolpho Caniato

O fato de morarmos num hotel frequentado por gente que vinha de outras regiões do Brasil e de outros países da Europa, além dos EEUU, fazia de nossa casa uma caixa de ressonância de fatos e histórias que circulavam pelo mundo. Meu pai, como gerente e intérprete, era quem recebia os principais clientes do hotel. O nosso principal hóspede, Mister Joseph, uma vez por ano passava alguns dias nos EEUU, mas preferia morar no Rio de Janeiro, no “nosso” Atalaia. O casal dinamarquês Fösker também voltava sempre da Europa. Meu pai, além de ler os jornais, estava sempre em contato com pessoas que traziam novidades do mundo. Era inevitável que conversasse em casa sobre os assuntos palpitantes.

Sacco e Vanzetti haviam sido executados na cadeira elétrica em 1927, depois de um longo, complicado e polêmico julgamento que ficaria na história. Tratava-se de dois imigrantes italianos que eram, como muitos outros que vieram para o Brasil, anarquistas. Além de tomados como subversivos, foram acusados de um assalto com uma morte em que foi roubado todo o dinheiro do pagamento dos funcionários de uma fábrica de calçados em Massachussets. Depois de muitos anos de julgamento e apelações, ambos foram executados na cadeira elétrica. Como não havia tido flagrante do assassinato, sempre permaneceu a dúvida sobre sua culpabilidade de morte, ou, se o processo não havia sido “contaminado” por um sentimento contra imigrantes “subversivos”, que tomavam o lugar dos operários americanos, e por uma espécie de “caça às bruxas” contra anarquistas.

Outro rumoroso caso discutido em todo o mundo nos anos trinta foi o Lindbergh-Hauptman.   Charles Lindbergh era um herói nacional nos EEUU. Havia feito sozinho a primeira travessia solitária do Atlântico, dos EEUU para Paris, num avião monomotor, o “Spirit of St. Louis”. Era o maior herói americano da época, uma figura de prestígio mundial. Em 1932, um filho seu de menos de dois anos foi raptado e morto. Não houve testemunhas oculares nem provas cabais. Havia, no entanto, fortes indícios ou provas indiretas que recaíram sobre um carpinteiro alemão imigrante: Bruno Richard Hauptman.  Durante quatro anos o processo contra Hauptman foi discutido não só na justiça americana como no mundo todo. Por fim, o veredicto foi de pena capital na cadeira elétrica. Em abril de 1936 Hauptman foi executado, protestando inocência até o fim. A repercussão se estendeu a todo o mundo. Também no Rio ela se fez sentir pela difusão do medo e restrições das mães em deixar as crianças livres para brincar pelas ruas.

Em meados de 1935 faleceu Alfred Dreyfus, um ex-oficial de artilharia do exército francês. Talvez nenhum outro caso na história moderna do mundo tenha agitado tanto a opinião pública quanto esse. Foi esse o tema que celebrizou Émile Zola com seu “J´accuse” (Eu acuso) e a provável causa de sua morte trágica e misteriosa. Embora o caso tenha tido seu início nos últimos anos do século XIX, as questões que ele levantou com as marchas e contramarchas de um processo complicado, provocaram movimentos apaixonados e consequências graves em várias partes do mundo. Um manuscrito encontrado numa cesta de papéis, e levado às autoridades do exército francês, indicava a existência de um oficial de alta patente e traidor. As suspeitas caíram sobre Dreyfus, o único alto oficial de origem judia.   Instalou-se uma corte marcial e Dreyfus foi condenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa, bem perto do Brasil.

Dreyfus foi submetido à cerimônia de degradação, sendo-lhe arrancadas as insígnias de oficial e quebrada sua espada. O fato de ele ser judeu e a inconsistência da acusação levantaram as suspeitas de uma perseguição contra os judeus na França que, junto com boa parte da Europa, ainda vivia a tensão entre monarquistas e republicanos. A França estava dividida entre opositores e favoráveis a Dreyfus. Muitas empresas de judeus foram depredadas. Foi nesse clima de grande polarização política que Émile Zola publicou seu artigo “J´accuse”, pondo em evidência que se tratava de uma farsa montada e destinada a incriminar Dreyfus, pelo fato de ser judeu.

Zola, condenado à prisão e pagamento de multa, teve que se refugiar na Inglaterra. Outra vez a polarização levantou protestos e graves episódios em várias partes do mundo. Por fim descobriu-se que um oficial francês havia escrito o papel incriminador, visando eliminar da alta oficialidade francesa um judeu. Quando faleceu, em 1935, Dreyfus havia sido reabilitado, sem que nunca tivesse reivindicado reparos pelos grandes danos que havia sofrido.  Seu caso havia contribuído para que se compreenda até onde podem ir a xenofobia e o racismo. Foi uma das coisas de que muito ouvi em minha infância. Meu pai era especialmente interessado em questões envolvendo os grandes processos jurídicos.

Nos anos trinta, outro assunto de que muito ouvi falar foi das greves de fome do grande líder indiano Ghandi. Falava-se de um homem franzino, coberto apenas com uns panos brancos e que estava pondo em cheque a autoridade Real Britânica sobre a Índia. Esse líder tão frágil e desarmado estava mobilizando seu país para a independência e sem o uso de armas, sem nenhuma violência, mesmo verbal.  Sua pregação contava, segundo ele mesmo dizia, com a força da Verdade. Ele se tornara internacionalmente conhecido pela sua militância na defesa de seus compatriotas indianos, na África do Sul, também vítimas do  “apartheid”.  Esse meu ouvir falar de Ghandi, desde minha infância, deixou um germe de curiosidade e fez que, muitos anos mais tarde, eu voltasse a procurar saber mais  sobre  a  vida  de um dos grandes homens do século XX.

VIDEIRAS E A GUERRA CIVIL ESPANHOLA

Autoria do Prof. Rodolpho Caniato

Nossas quadras de videiras, como em quase toda a região, eram das variedades “barbera” e “izabel”, que produziam uvas de menor valor no mercado. A quadra de uvas “niagara” branca, a mais valorizada era de videiras muito velhas e pouco produtivas.  Era preciso renovar e ampliar nossa produção. Os “cavalos” ou porta-enxertos já haviam sido plantados. Agora, um ano depois, era preciso fazer a enxertia de todo o talhão.

O “cavalo” ou porta-enxerto é feito de uma videira selvagem que não produz frutos, mas que tem um sistema radicular mais forte e eficiente como também é mais resistente a pragas. Depois de um ano, quando atinge aproximadamente a espessura de um dedo adulto, essa videira “brava” é cortada dez centímetros acima do solo, e aplica-lhe uma ou duas cunhas feitas com galhos ou “bacelos” da uva que se deseja produzir. Embora a ideia seja simples, há alguns aspectos que são delicados e podem comprometer o êxito do enxerto. As duas cunhas devem ter uma perfeita concordância ou ajuste no tronco cortado e rachado.

Nessa época, fim da década de trinta, estava ocorrendo uma mutação genética da uva “niagara” branca. Apareceram, espontaneamente em alguns lugares, galhos que produziam uma uva semelhante em todas as propriedades da niagara branca, mas diferente na cor: aparecia a uva  “niagara”   rosada.  Já no ano seguinte se dispunha de muitos “bacelos” (fragmentos de ramos produtivos) para serem enxertados da nova variedade. Eu e meu pai fizemos uma longa viagem de carroça para trazer galhos para a enxertia da nova variedade em nossas videiras. Agora era preciso enxertá-los sem perda de tempo. Era preciso enxertar milhares de videiras em poucos dias.

Meu pai contratou vários enxertadores entre os vizinhos e mais um espanhol que andava pela região a procura desse tipo de serviço. Esse senhor, que todos chamavam de “Paco”, havia fugido da Espanha ao final da guerra civil daquele país, que havia culminado com a vitória de Francisco Franco e a derrota de todas as forças da esquerda republicana. Seu “Paco” não morava na região e por isso teve que ficar por uns dias hospedado em nossa casa. Durante todo o dia, enquanto enxertava videiras, ele ia contando episódios em que tomara parte naquele sangrento conflito da guerra civil espanhola.

Eu o acompanhava em cada enxerto. Cada videira, logo depois de feita a enxertia tinha que ter um pequeno acabamento especial. O primeiro era amarrar firmemente o enxerto com uma fibra natural, a embira que colhíamos em nosso mato. Isto ainda era feito pelo enxertador profissional. Depois era preciso isolar o enxerto com barro, uma argila (barro) bem amassada, macia e úmida, bem lisa para se tornar impermeável. Isso se fazia para evitar a exposição e desidratação no corte da videira. Depois disso, a fase final era a cobertura completa com terra: um cone de uns trinta centímetros de altura. Essas duas últimas fases estavam por minha conta junto ao seu “Paco”.

As histórias que ele contava eram do horror da guerra civil espanhola. A matança entre as facções civis e o refúgio, às vezes inútil, mesmo nas igrejas, que eram saqueadas. Esse conflito acabou por tornar-se internacional, com republicanos vindos de outros países e a primeira grande aplicação da aviação de guerra de Hitler a favor de Franco: o bombardeio e a destruição do povoado de Guernica, inspiração para Picasso. Mas nosso “Paco” contava especialmente os detalhes em que seu grupo de guerrilheiros conseguiu vencer uma batalha de rua. Todo um grupo de franquistas foi cercado e morto a tiros, contava ele. Mesmo estando do lado derrotado na guerra, em vários dos relatos que nos fez sobre o episódio em que seu grupo esteve envolvido, arrematava com orgulho: “El comandante lo matê Yo!”. (O comandante, eu o matei!)

Nota: Extraído do livro “Corrupira”, ainda inédito, do autor.

Imagem: Guernica, obra de Pablo Picasso

MOLEQUES DA CIDADE E DO MEIO RURAL

Autoria do Prof. Rodolpho Caniato

Meus novos amigos eram garotos das famílias vizinhas, quase todos sitiantes de origem italiana.  Mudei dos cariocas de Copacabana para os moleques que nunca haviam estado em uma cidade. De Copacabana eu levara para o sítio um baú com os brinquedos acumulados em todos os natais.  Isso era um forte atrativo para meus amigos que nunca haviam visto nada igual: ficavam encantados.  Aos domingos, um dos programas era bater longos papos, sentados no pomar dos Ceolin. Primeiro colhíamos um monte de laranja-lima e laranja-cravo. Depois chupávamos laranja até não aguentar mais. Essa era a hora de grandes conversas. Hoje eu diria que foi um grato e útil encontro de diferentes culturas. Eu ainda não sabia nada das coisas familiares para eles: fazer e usar estilingues, arapucas, alçapões, bolas de meia e tantas outras coisas.

Eu nunca havia descascado uma laranja. Ali todos tinham seu canivete marca “Corneta” para isso.   Fazer as “necessidades” era sempre no “exterior”. Só havia uma privada em casa e ninguém voltava para casa para isso. Era só buscar um lugar um pouco mais discreto e “soltar o barro”. No lugar de papel higiênico sempre se usava algumas folhas. Quase todos, menos eu, tinham fezes secas e duras e nem folhas usavam. No começo, eu ainda levava do Rio a minha “amebiana” que sem qualquer medicação desapareceu. Por outro lado, eu tinha muito que contar e eles estavam ávidos por saber. Eu vinha da capital do Brasil: conhecia o mar, vira navios, aviões, autogiro, o futuro helicóptero e, sobretudo, vira várias vezes o “Zeppelin”. Era muito assunto. Todos nós aprendemos algo de novo, uns dos outros.

Nota: Extraído do livro “Corrupira”, ainda inédito, do autor.

Imagem: Jogo de Futebol em Brodósqui, obra de Portinari

AS SAÚVAS VENCERAM

Autoria do Prof. Rodolpho Caniato

Um dos propósitos de meu pai era ter seu próprio pomar para o nosso suprimento de frutas, principalmente cítricas. O meio mais rápido e racional para isso seria ir ao Instituto Agronômico de Campinas para comprar as mudas. Meu pai comprou um lote de cerca de vinte mudas. Essas seriam despachadas de trem para a estação de Corrupira.

Nos dias seguintes, além de nosso trabalho regular com as videiras, tivemos a missão de preparar as vinte covas para receber as laranjeiras esperadas. Várias vezes fui á estação de Corrupira para ver se haviam chegado nossas mudas. Finalmente chegaram com toda a complexa embalagem e documentação exigidas. Fomos buscá-las de carroça e logo foram plantadas com cuidados quase religiosos, regadas de muitas esperanças, além da água de todos os dias. Cada dia examinávamos os primeiros sinais dos esperados brotos. Finalmente todas nossas sonhadas laranjeiras começaram a brotar. Acompanhamos com atenção o crescimento de cada novo broto. Isso nos encheu de otimismo e esperanças no sonhado pomar. Todas estavam bem brotadas cresciam sob nossos olhos.

Numa manhã, nós nos deparamos com várias das nossas laranjeiras totalmente “peladas” pela saúva. As tenras folhas iam sendo levadas para um “olheiro” que se abrira da noite para o dia. Além de aplicar o “fole” com fumaça de borracha queimada, aplicamos formicida “Tatu”. Conseguimos deter por algumas semanas o ataque às restantes laranjeiras, mas logo as saúvas irromperam em outro lugar e “pelaram” as que haviam sido poupadas da primeira vez. Mais uma vez acudimos com os poucos e ineficientes meios de que dispúnhamos: “fole” manual para produzir fumaça e formicida “Tatu”. O formicida mata, mas o difícil é atingir a “panela” ou ninho, o lugar central, onde as formigas se alimentam e onde está a “rainha” (içá), mãe de todas as “operárias” e “cortadeiras”. Com nosso “combate” tão pouco eficiente, apesar de trabalhoso, as saúvas cortadeiras voltaram a “pelar” todas as nossas jovens laranjeiras pela terceira vez. Depois de tantas vezes destituídas de todas as folhas, elas não conseguiram “vingar”. Ficaram atrofiadas ou morreram sem conseguir florir e de frutificar. Com nossas laranjeiras morreu nossa esperança de termos nosso pomar. A saúva nos venceu nessa batalha. Na época não existiam ou não eram acessíveis ao pequeno agricultor os meios eficientes para o combate a essa praga. Por isso corria um bordão: “ou a Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com Brasil.”. Nós vivemos essa dura experiência.

Nota: Extraído do livro “Corrupira”, ainda inédito, do autor.

AS “BARATINHAS” E O CIRCUITO DA GÁVEA

Autoria do Prof. Rodolpho Caniato

A  corrida  de  carros:  as  “baratinhas”,  como  eram  conhecidos  os carros de corrida, foi outro aspecto marcante dos anos trinta de minha infância no rio. Desde muito pequeno assisti a várias dessas corridas nos ombros de meu pai. Algumas vezes empoleirados nos andaimes de uma construção próxima às margens da corrida. A corrida era feita nas ruas do jovem bairro da Gávea. Não havia nem autódromo nem lugares especiais para os espectadores. A partida era dada na parte baixa da rua Marquês de São Vicente, próximo ao Jokey Club. O trajeto seguia pelo Canal do Leblon, depois de passar pela porta do Hotel Leblon, entrava na Avenida Niemeyer. Depois subia por uma estrada de terra, o “trampolim do diabo”, onde está hoje a favela da Rocinha, descendo pela estrada da Gávea e Rua Marques de São Vicente.

Também assisti à corrida de onde era dada a partida, na Rua Marquês de São Vicente, próximo ao canal do Leblon. Pelo Brasil corriam Manoel de Tefé, chamado de Barão de Tefé, em uma “baratinha” amarela e Irineu Correa. Aquele venceu em 1934. O segundo marcou o início do automobilismo brasileiro de competição. Muitas vezes, fora da corrida, essas baratinhas amarelas dos brasileiros eram vistas estacionadas na então rua Copacabana, entre o Lido e o “Copa”, em frente ao Atalaia, diante de meus olhos. Em 1935, o vencedor foi Irineu Correa. No ano seguinte aconteceu o trágico acidente em que ele morreu. Sua baratinha capotou e foi cair dentro do canal do Leblon. Assisti à corrida e ao grande tumulto que isso provocou.

A cada ano essa corrida tornava-se mais popular e arrastava multidões. A partir de 1935 a corrida ganhou mais prestígio com a chegada  de  grandes  nomes  do  automobilismo  internacional.  Em 1936 a Ferrari mandou um corredor com um nome que se tornaria lendário e sinônimo da alta velocidade: o italiano Carlo Pintacuda com sua “baratinha” vermelha. A Alemanha mandou Hans Stuck, o “Von Stuck”. Da França veio “madmoiselle” Helenice, com sua “baratinha” azul. Essa foi a primeira participação, talvez a única, de uma mulher numa corrida desse gênero. Seu carro quebrou e ela não conseguiu chegar ao fim da prova, mas marcou época e causou muito “frisson”. Sua aparição na praia de Copacabana, com maiô de duas peças, também deu o que falar. Creio que não havia escuderias como as de hoje. Os carros representavam os países por suas cores: amarelo, os brasileiros; vermelho, os italianos; azul, os franceses.

A Alemanha mandou um carro espetacular, capaz de muito maior potência, velocidade e com o aspecto de uma bala de fuzil: o “flecha de prata” da Auto Union. A essa altura, a Alemanha nazista já estava empenhada numa forte campanha de propaganda internacional. Aquele carro mais potente, mais reluzente e mais espetacular (Auto Union) deveria mostrar a “superioridade” da Alemanha. Não adiantou. O italiano Pintacuda, da Ferrari, ganhou a corrida e se transformou num ídolo e num ícone da velocidade. Esse prestígio popular manifestou-se nos anos seguintes numa das marchinhas de maior sucesso do Carnaval carioca: “Sou um ‘pintacuda’ pra beijar”.

 Nota: Extraído do livro “Corrupira”, ainda inédito, do autor.

Imagem copiada de Quatro Rodas