Autoria de Lu Dias Carvalho
O explorador da boa-fé alheia existe desde os tempos primevos da humanidade. Penso que a charlatanice nasceu assim que o homem aprendeu a concatenar suas ideias. Daí para que alguns se transformassem em embusteiros foi um pulo. Tais seres malévolos encontram-se nas mais diferentes esferas, e proliferam como ratos, o que dificulta a sua dizimação. E quanto maiores são as cidades, onde praticamente ninguém conhece ninguém, os vagabundos impostores deitam e rolam, pois não há o controle recíproco entre os habitantes.
Na França de antigamente, o simples fato de a pessoa não ter um endereço fixo, já a condenava a priori. Para ela, empregava-se a expressão “demeurant partout” (vive em todos os lugares). O que é totalmente inviável nos dias de hoje, com um planeta abarrotado, com as pessoas saindo pelo ladrão. Naqueles tempos, entre os vagabundos estavam inclusos os malabaristas, curandeiros, vendedores ambulantes, arlequins e até mesmo artistas, incluindo aí os músicos, que se apresentavam em feiras ou pelas ruas.
Aliado à charlatanice veio o pavor à bruxaria, um delírio que a igreja Católica daqueles tempos, que tinha a parte racional do tamanho de uma semente de arroz, tornou coletivo. Em 1484, o desvairado Papa Inocêncio VIII declarou em uma bula que “muitas pessoas de ambos os sexos, renegando a fé católica, têm fechado pactos carnais com os demônios, e por suas fórmulas mágicas e encantamentos, por suas invocações, maldições e outras magias hediondas, têm causado sérios danos aos seres humanos e aos animais”. Ou seja, a própria Igreja sustentava o “poder” do embuste, apesar da luta de humanistas como Erasmo de Rotterdam, que audaciosamente afrontou a Igreja, ao declarar que “O pacto com o diabo era uma invenção dos mestres que combatem a heresia.”. Quanto mais pavor imbui-se no povo, mais submisso ele se torna.
Dois dominicanos chegaram a escrever um manual intitulado “Malleus Maleficarum”, utilizado pelos inquisidores, que, segundo dizia o dito, a mulher, principalmente a crédula, era a maior vítima das seduções do diabo. Em suas primeiras páginas, rezava o manual que “O mau olhado infecta o ar, que, viciado, atinge a vítima e provoca uma transformação nefasta em seu corpo”. Assim, a mulher podia ser vítima do diabo ainda que não falasse, ou fosse tocada por ele, bastando apenas ser olhada. Ou seja, a coitada não tinha escapatória.
Até mesmo os inocentes animais entravam na dança do charlatanismo e da suposta bruxaria da época, simbologia que persiste até os nossos dias, em se tratando de alguns deles, como por exemplo: o macaco era tido como símbolo da inveja, da astúcia e da libidinagem, enquanto a coruja era ao mesmo tempo a ave da sabedoria e a das trevas, tanto podendo fazer companhia aos sábios como às bruxas. Rãs e sapos também não fugiam à regra, ora eram vistos como seres positivos, ora como negativos, cujo coaxar levava a pensar nos hereges e no diabo. Era muita doidice!
A rã e o sapo ainda estavam ligados à alquimia, sempre presentes nos manuais dos alquimistas, representando a matéria primária e a união dos opostos. A ambiguidade era a característica do simbolismo do alquimista, assim como toda a linguagem simbólica da Idade Média. A lua tinha grande significado dentro da alquimia. De acordo com a visão da época, ela fazia parte dos planetas. Os atores, cantores, comerciantes e charlatões eram tidos como seus filhos.
As cartas de tarô já eram usadas tanto para jogar, quanto para prever o futuro das pessoas. Elas são originárias do Egito ou da Índia, sendo levadas à Europa pelos ciganos, no século XIV, embora os valdenses, uma seita do sul da França, no século XII, já as usasse. Seus desenhos foram mudando com o tempo, mas os motivos básicos mantiveram-se inalterados e, provavelmente, deviam esconder um conhecimento muito antigo. Essas figuras místicas caíram no esquecimento em nossa era técnica e científica, mas agora estão retornando através dos propagadores do esoterismo chamado “New Age”.
O fato é que nosso planeta nunca esteve em total sintonia com a charlatanice, bruxaria (diabo), alquimia e tarô como nos nossos dias e, por incrível que pareça, sob a bênção da tecnologia via internet, onde o novo e o velho misturam-se num forte abraço. A charlatanice está aí nas mais diferentes formas, inclusive nas antiquíssimas correntes e nos e-mails de pessoas “desesperadas”, querendo nossos dados para depositarem em nossa conta bancária milhares de dólares, vindos de seus parentes em apuros nesse ou naquele país, sem falar nos golpes via celular; a bruxaria encontra-se num número variado de religiões, que usam o diabo para receberem grandiosas ofertas dos incautos, ou para comprarem um lugar no céu, pois elas falam muito pouco em Deus e exageradamente no mito de Lúcifer; a alquimia tal e qual a conhecíamos antes, na busca pela juventude e na transmutação de qualquer objeto em ouro, ficou apenas nas lendas. A alquimia agora é a do dinheiro fácil, de passar a perna no outro, de levar vantagem em tudo; o tarô está aí, espalhado por todos os lados, prometendo resolver todos os casos amorosos mal sucedidos assim como abrir o caminho da fortuna, para o indivíduo crédulo. No frigir dos ovos, tudo é a mesma coisa.
Diante de tudo isso, nós só temos uma arma: olho vivo direcionado pela razão. Devemos sempre nos lembrar de que coisa alguma nos vem de graça. Todo o resto é pura tolice, embuste, disfarce, simulação, tramoia, fraude, engodo, mentira, farsa, vigarice e trambique. Olho vivo, minha gente, pois, como diz um provérbio português “A água é para os peixes e o minar para as toupeiras.”.
Nota: a imagem é uma obra de H. Bosh
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