Arquivo da categoria: História da Humanidade

Esta categoria tem por objetivo mostrar aspectos e costumes sociais da vida humana em tempos idos.

CHARLATANICE, BRUXARIA, ALQUIMIA E TARÔ

Autoria de Lu Dias Carvalho

rot

O explorador da boa-fé alheia existe desde os tempos primevos da humanidade. Penso que a charlatanice nasceu assim que o homem aprendeu a concatenar suas ideias. Daí para que alguns se transformassem em embusteiros foi um pulo. Tais seres malévolos encontram-se nas mais diferentes esferas, e proliferam como ratos, o que dificulta a sua dizimação. E quanto maiores são as cidades, onde praticamente ninguém conhece ninguém, os vagabundos impostores deitam e rolam, pois não há o controle recíproco entre os habitantes.

Na França de antigamente, o simples fato de a pessoa não ter um endereço fixo, já a condenava a priori. Para ela, empregava-se a expressão “demeurant partout” (vive em todos os lugares). O que é totalmente inviável nos dias de hoje, com um planeta abarrotado, com as pessoas saindo pelo ladrão. Naqueles tempos, entre os vagabundos estavam inclusos os malabaristas, curandeiros, vendedores ambulantes, arlequins e até mesmo artistas, incluindo aí os músicos, que se apresentavam em feiras ou pelas ruas.

Aliado à charlatanice veio o pavor à bruxaria, um delírio que a igreja Católica daqueles tempos, que tinha a parte racional do tamanho de uma semente de arroz, tornou coletivo. Em 1484, o desvairado Papa Inocêncio VIII declarou em uma bula que “muitas pessoas de ambos os sexos, renegando a fé católica, têm fechado pactos carnais com os demônios, e por suas fórmulas mágicas e encantamentos, por suas invocações, maldições e outras magias hediondas, têm causado sérios danos aos seres humanos e aos animais”. Ou seja, a própria Igreja sustentava o “poder” do embuste, apesar da luta de humanistas como Erasmo de Rotterdam, que audaciosamente afrontou a Igreja, ao declarar que “O pacto com o diabo era uma invenção dos mestres que combatem a heresia.”. Quanto mais pavor imbui-se no povo, mais submisso ele se torna.

Dois dominicanos chegaram a escrever um manual intitulado “Malleus Maleficarum”, utilizado pelos inquisidores, que, segundo dizia o dito, a mulher, principalmente a crédula, era a maior vítima das seduções do diabo. Em suas primeiras páginas, rezava o manual que “O mau olhado infecta o ar, que, viciado, atinge a vítima e provoca uma transformação nefasta em seu corpo”. Assim, a mulher podia ser vítima do diabo ainda que não falasse, ou fosse tocada por ele, bastando apenas ser olhada. Ou seja, a coitada não tinha escapatória.

Até mesmo os inocentes animais entravam na dança do charlatanismo e da suposta bruxaria da época, simbologia que persiste até os nossos dias, em se tratando de alguns deles, como por exemplo: o macaco era tido como símbolo da inveja, da astúcia e da libidinagem, enquanto a coruja era ao mesmo tempo a ave da sabedoria e a das trevas, tanto podendo fazer companhia aos sábios como às bruxas. Rãs e sapos também não fugiam à regra, ora eram vistos como seres positivos, ora como negativos, cujo coaxar levava a pensar nos hereges e no diabo. Era muita doidice!

A rã e o sapo ainda estavam ligados à alquimia, sempre presentes nos manuais dos alquimistas, representando a matéria primária e a união dos opostos. A ambiguidade era a característica do simbolismo do alquimista, assim como toda a linguagem simbólica da Idade Média. A lua tinha grande significado dentro da alquimia. De acordo com a visão da época, ela fazia parte dos planetas. Os atores, cantores, comerciantes e charlatões eram tidos como seus filhos.

As cartas de tarô já eram usadas tanto para jogar, quanto para prever o futuro das pessoas. Elas são originárias do Egito ou da Índia, sendo levadas à Europa pelos ciganos, no século XIV, embora os valdenses, uma seita do sul da França, no século XII, já as usasse. Seus desenhos foram mudando com o tempo, mas os motivos básicos mantiveram-se inalterados e, provavelmente, deviam esconder um conhecimento muito antigo. Essas figuras místicas caíram no esquecimento em nossa era técnica e científica, mas agora estão retornando através dos propagadores do esoterismo chamado “New Age”.

O fato é que nosso planeta nunca esteve em total sintonia com a charlatanice, bruxaria (diabo), alquimia e tarô como nos nossos dias e, por incrível que pareça, sob a bênção da tecnologia via internet, onde o novo e o velho misturam-se num forte abraço. A charlatanice está aí nas mais diferentes formas, inclusive nas antiquíssimas correntes e nos e-mails de pessoas “desesperadas”, querendo nossos dados para depositarem em nossa conta bancária milhares de dólares, vindos de seus parentes em apuros nesse ou naquele país, sem falar nos golpes via celular; a bruxaria encontra-se num número variado de religiões, que usam o diabo para receberem grandiosas ofertas dos incautos, ou para comprarem um lugar no céu, pois elas falam muito pouco em Deus e exageradamente no mito de Lúcifer; a alquimia tal e qual a conhecíamos antes, na busca pela juventude e na transmutação de qualquer objeto em ouro, ficou apenas nas lendas. A alquimia agora é a do dinheiro fácil, de passar a perna no outro, de levar vantagem em tudo; o tarô está aí, espalhado por todos os lados, prometendo resolver todos os casos amorosos mal sucedidos assim como abrir o caminho da fortuna, para o indivíduo crédulo. No frigir dos ovos, tudo é a mesma coisa.

Diante de tudo isso, nós só temos uma arma: olho vivo direcionado pela razão. Devemos sempre nos lembrar de que coisa alguma nos vem de graça. Todo o resto é pura tolice, embuste, disfarce, simulação, tramoia, fraude, engodo, mentira, farsa, vigarice e trambique. Olho vivo, minha gente, pois, como diz um provérbio português “A água é para os peixes e o minar para as toupeiras.”.

Nota: a imagem é uma obra de H. Bosh

Views: 0

A HIGIENE NAS NAUS PORTUGUESAS

Autoria de Lu Dias Carvalho

nau
Bendito sejam os nossos índios que, convivendo com nossos rios caudalosos, legaram-nos uma forte preocupação com a higiene corporal, pois, se tivéssemos sido guiados pelos descobridores portugueses e seus marinheiros, que aqui aportaram em suas caravelas por ocasião da descoberta de nosso país, e pelos que vieram a seguir, estaríamos mais para gambá do que para gato, pois as condições de higiene nas naus eram precaríssimas.

Aprisionados em espaços diminutos, marinheiros e passageiros navegavam meses a fio até encontrar o destino. A maior parte dos compartimentos das naus era destinada à carga da Coroa, dos mercadores e dos passageiros. Outra parte era ocupada com o armazenamento de água, vinho, víveres, madeira e demais objetos úteis à viagem. Mesmo no espaço deliberado para os oficiais (capitão, mestre, piloto, feitor, escrivão) e marinheiros, eram guardados pólvora, biscoitos, velas, etc.

O banho a bordo era um artigo de luxo, pois a água potável era reservada para beber e para o preparo dos alimentos. Ainda que não fosse por isso, tal hábito higiênico não era tido como necessário. Portanto, não é de se espantar que as pessoas aqui chegassem apinhadas de parasitas como piolhos, pulgas e percevejos, num coça-coça desesperador, o que lhes ocasionava feridas purulentas.

Os minúsculos compartimentos dos passageiros eram multiuso. Ali mesmo, os viajores realizavam suas necessidades fisiológicas, vomitavam, expeliam o escarro e também se alimentavam, sem nenhuma privacidade. Não havia para onde correr, pois de ambos os lados cercavam-nos o impávido oceano. Mas, já sabendo da fedentina que se instalaria, litros de água-de-flor eram levados nas caravelas, assim como ervas aromáticas para serem queimadas, para ao menos aliviar os narizes mais sensíveis contra a fetidez que tomava conta das naus.

A precária, para não dizer inexistente, higiene contagiava até mesmo a água e os alimentos, que além de insuficientes, acabavam deteriorando com muita rapidez. Os marinheiros iniciantes e passageiros mais pobres eram obrigados a comer, para não morrerem de fome, biscoitos embolorados e asquerosos, já carcomidos pelas baratas e outros alimentos em decomposição, como carnes podres e vinhos avinagrados.

A falta de higiene, aliada à péssima alimentação, desidratava os passageiros já desnutridos por longos meses de viagem, sendo muito comuns febres altas e delírios. O escorbuto, doença advinda da falta de vitamina C, corroía as gengivas, fazia-as cheira mal e levava à queda dos dentes, sendo um dos males mais amedrontadores para os viajantes, levando a uma morte muito sofrida. As doenças estomacais eram constantes. Muitos enlouqueciam antes de chegar à terra.

Durante os períodos de calmaria, as naus ficavam paradas vários dias. Em tais ocasiões, enlouquecidos pela fome, os marinheiros comiam tudo que lhes caía às mãos e pudessem mastigar: ratos, sola de sapatos, papeis, biscoitos com larvas de inseto, etc. E pior, quando não mais conseguiam suportar a sede, alguns bebiam a própria urina, enquanto outros buscavam o suicídio. Apesar o sofrimento, os castigos arbitrados pelo capitão da nau, que tinha poder de vida e morte sob os que estavam debaixo de sua guarda, eram cruéis. Tanto usavam as chicotadas, como o “strappado” (pessoas dependuradas no teto pelos pulsos, tendo os braços amarrados atrás das costas. Havia também a “toca”, em que se cobria a boca com o pano e derramavam água sobre a cabeça do coitado, como se fosse afogá-lo. O mais serio dos castigos estava aliado ao motim, punido com a morte. Haja dureza!

A vida nas naus portuguesas (e também nas outras da época) não era fácil. Dentro delas trabalhavam auxiliares, cuja idade variava entre oito e 15 anos. Cabia-lhes a limpeza do convés e trabalhos gerais. Quanto mais pobre fosse a origem do trabalhador infantil, mais pesado era o seu serviço, o que não acontecia com os de origem rica. O trabalho mais pesado que se fazia dentro da nau era o de mantê-la sem água dentro, para evitar o naufrágio. Para tanto, as bombas manuais ficavam em funcionamento dia e noite.

O porão era, sem dúvida, o lugar mais nojento, pois ali a água parada agregava-se às fezes, vômitos, escarros e urina dos tripulantes, muitos deles, de tão fracos, nem conseguiam chegar ao convés, para ver a luz do dia. Aliados à tal imundície, também encontravam-se ratos, piolhos e baratas que também produziam excrementos.

Fonte de pesquisa
Uma Breve História do Brasil/ Mary Del Priore e Renato Venancio

Views: 91

VIRGINDADE – DE DEFEITO A VIRTUDE

Autoria de Lu Dias Carvalho

virgem

Certo Beaumarchais disse sabiamente que o ser humano difere do animal por comer sem ter fome, beber sem ter sede e fazer amor em todas as estações. E por falar em sexo, o mais interessante na história da humanidade é que a mais velha das profissões, a prostituição, só aparece com o advento da propriedade. Por isso, a castidade veio muito tempo depois, ao contrário do que muitos imaginam.

O maior medo de uma garota primitiva não era deixar de ser virgem, mas não gerar filhos. Ficar prenhe antes de se casar podia ser de suma valia, pois tirava do macho o medo de que a mulher fosse estéril. Antecipando a chegada da propriedade, as tribos deduziam que se uma mulher era virgem, significava que era impopular e que ninguém a queria. Em certas tribos, se o noivo encontrava a fêmea intacta, ficava tão enfurecido a ponto de insultar a mãe da moça, sob a alegação de que fora negligente na criação da filha. O que acabava, muitas vezes, na não consumação do casório.

A virgindade era vista como tabu, principalmente pelas tribos que recusavam derramar o sangue dos seus. O marido não podia se submeter à tão “hedionda” função. Para tanto, essa tarefa era repassada a um estrangeiro que tinha a tarefa de deflorar a mulher. No Tibet, as mães saíam ansiosas, em busca de um homem que quisesse desvirginar suas filhas. No Malabar, as donzelas iam para as estradas cercar os passantes, para que lhes tirassem o selo, de modo a encontrar casamento. Em outras tribos, a noiva era tão generosa e boa anfitriã, que se dava por inteiro aos convidados, antes de chegar a vez do marido. Maravilhosas, modernas e eficazes eram certas tribos das Filipinas. Elas possuíam um funcionário, muito bem pago, já que o serviço exigia muito talento, cujo dever era desobstruir a passagem do falo, poupando o noivo de tal incômodo.

Com a adoção da propriedade, que institui o poder, o direito de usar, gozar e dispor de bens e de reavê-los, muda tudo. E dentre esses bens encontrava-se a mulher, de modo que a virgindade, de defeito foi transformada em virtude. E o preço da noiva virgem subiu vertiginosamente no conceito das famílias, embora não se cogitasse sobre a castidade pré-nupcial para o macho.

O esquema transformou tanto a sociedade da época, que os tuaregues puniam com a morte as filhas ou irmãs que não menstruassem. Mesmo que as regras atrasassem por um mês apenas. Na Abissínia, na Núbia e na Somalilândia, as meninas passavam pela cruel arte de infibulação, ou seja, um anel era colocado nas partes genitais, de modo a impedir a cópula. Na Nova Bretanha as meninas ricas eram confinadas, durante os cinco anos considerados mais perigosos, em cabanas que eram guardadas por velhos. Elas não podiam sair e só eram visitadas por parentes. E os muçulmanos e hindus, ainda hoje, não estão muito longe de tais práticas. Como podemos ver, a selvageria e a civilização estão separadas por um pequeno passo.

Fonte de pesquisa:
Nossa Herança Ocidental/ Will Durant

Views: 1

SÓ OS HOMENS USAVAM A FACA

Autoria de Lu Dias Carvalho

prafac

O ato de comer e o de dormir são de suma importância para o homem, pois a comida é o combustível para o funcionamento do corpo e o sono desliga, parcialmente, o sistema, para descansar as conexões nervosas, como se estivesse em “stand-by”. Mas hoje, vamos nos ater ao ato de comer, tão prazeroso, mas nocivo quando não usado com equilíbrio, tanto é que a indigestão, até a metade do século XVIII, era um problema gravíssimo. Hoje é a obesidade que vem fazendo inúmeras vítimas.

Desde a Antiguidade, os preceitos médicos tinham muita preocupação com a alimentação, uma vez que existiam pouquíssimas opções de tratamento. A saúde do paciente era monitorada pelo que comia e bebia, principalmente. Podemos ver a veracidade de tal afirmação nos receituários gregos, chineses e árabes de antigamente.

No Brasil colonial, eram comuns duas formas de comer, cuja variação dava-se de acordo com o bolso do faminto: à mesa, usando talheres, ou no chão, fazendo uso das mãos para apanhar o alimento. O que não significa que em casas abastadas, muitos senhores também não comessem com os cotovelos varando a mesa e o prato seguro pelos joelhos.

D. João VI, dono de um apetite insaciável, ao chegar ao Brasil com a sua corte, trouxe certa polidez ao ato, embora não tenha sido uma figura digna de dar aulas de boas maneiras, uma vez que gostava de comer com as mãos e armazenar comida nos bolsos, até mesmo pedaços de frango.

A maneira como se come, o que se come, onde e com que frequência, diz muito sobre cada um de nós. E podemos ver tal verdade no comportamento de nosso D. João, que era um homem cheio de medos, depressivo, tímido, indeciso, vestia-se mal e usava a terceira pessoa para referir a si mesmo, exatamente como faz o nosso Pelé. Assim o imperador dirigia-se a seus subalternos:

– Sua majestade quer dormir!

Segundo as más línguas, o ato de comer era a válvula de escape do soberano português, inconformado por ter deixado Portuagal, que chegava a comer seis frangos durante o dia, com as mãos. Mas sua mãe, D. Maria, muito refinada, tratou de passar a sua cultura para o rol dos endinheirados, à época. Até hoje, ainda há neste país, muita gente pobre comendo com as mãos, assim como faz a maioria dos indianos.

Aos nossos costumes e hábitos, herdados dos indígenas e negros, foram agregados os da Europa: massas italianas, queijos do reino, azeitonas em latas, champanhes e vinhos, assim como muitas especiarias exóticas, deixando a culinária tupiniquim mais e mais refinada. E, com isso, a mesa passou a conquistar um lugar de destaque na vida social.

Houve um tempo em nossa história, em que a faca era usada apenas pelos homens, enquanto mulheres e crianças manejavam os dedos das mãos, com maestria, na captura e no destrinchar dos alimentos. Os próprios dedos serviam de garfo para homens e mulheres. Sem falar que uma pessoa podia se servir do prato vizinho com as mãos.

Um fato interessante era que, ao ser convidado para um jantar, cada conviva devia levar a sua própria faca. Fico me perguntando se, ao término da refeição, essa era enrolada num pano e colocada no bolso, ou se a anfitriã, após a limpeza da cozinha e vasilhames pelas criadas, viesse até a sala, com uma cesta de facas, perguntando:

– De quem é esta? E esta? E mais esta?

Houve um tempo em que as regras de etiqueta evoluíram para um nossense total, a ponto de, muitas vezes, as pessoas renunciarem ao convite feito, por não saber lidar com tanta parafernália. Eram diversos talheres, pratos e copos usados para isso e aquilo. Ainda hoje, tais exibicionismos são vistos em refeições glamourosas, onde as aparências têm muito mais a ver, do que o sabor dos alimentos, num troca-troca de pratos, talheres de copos, capaz de deixar qualquer um enlouquecido, com medo de cometer uma gafe.

As grandes transformações da vida moderna vêm deixando tudo mais prático. O “self-service” e o chamado jantar americano são lugares comuns nos dias de hoje, pois “nos tempos de murici é cada um por si”, sem ficar dando trabalho aos outros, e se passando por aluno dos “refinados” colégios franceses.

Nota: Imagem copiada de http://etiquetaeumpoucomais.spaceblog.com.br

Fontes de pesquisa:
1- Gastronomia é História / Maria de Lourdes Barreto Carneiro/ Cristina Couto
2- 1808 / Laurentino Gomes

Views: 0

A ETIQUETA NA IDADE MÉDIA

Autoria de Lu Dias Carvalho

pic123

Segundo Steven Pinker, autor de Os Anjos Bons da Nossa Natureza, na Idade Média as pessoas eram muito grosseiras, como comprovam os conselhos encontrados nos livros de etiqueta da época. Através de tais juízos é possível deduzir como era a conduta daquela gente. Se a advertência, por exemplo, exorta: “Não se alivie diante das senhoras, ou na frente de portas ou janelas de casas e becos.”, significa que isso era um comportamento comum, daí a necessidade da admoestação. Segundo Pinker, em 1530, Desiderius Erasmus escreveu um manual de etiqueta chamado A Civilidade Pueril que se transformou em um best seller na Europa durante dois séculos. Abaixo alguns conselhos encontrados no manual:

1. Não suje as escadas, corredores, armários ou tapeçarias de urina ou outras imundícies.
2. Não se alivie diante de senhoras, ou na frente de portas ou janelas de casas em becos.
3. Não deslize para frente e para trás na cadeira como se estivesse tentando eliminar gases.
4. Não toque em suas partes pudendas sob as roupas com as mãos nuas.
5. Não cumprimente alguém enquanto a pessoa está urinando ou defecando.
6. Não faça barulho quando eliminar gases.
7. Não abra as roupas diante de outras pessoas em preparação para defecar, e não as feche depois.
8. Quando dividir uma cama com alguém em uma hospedaria, não se deite tão perto que possa tocar a pessoa nem ponha suas pernas entre as dela.
9. Se deparar com alguma coisa repugnante no lençol, não a mostre para seu companheiro, nem levante a coisa fétida para que o outro cheire dizendo “Gostaria de saber quanto isso fede”.
10. Não assue o nariz na toalha de mesa, nem nos dedos, manga ou chapéu.
11. Nã ofereça seu lenço usado a outra pessoa.
12. Não carregue o lenço na boca.
13. Também não fica bem, depois de assuar o nariz, abrir o lenço e contemplá-lo como se pérola e rubis pudessem ter saído de sua cabeça.
14. Não cuspa na bacia quando estiver lavando as mãos.
15. Não cuspa tão longe que seja preciso procurar a saliva para pisar nela.
16. Vire-se ao cuspir para que a saliva não caia em alguém.
17. Se algo purulento cair no chão, deve ser pisado para que não provoque náusea em alguém.
18. Se notar saliva no casaco de alguém, não é polido anunciar.
19. Não seja o primeiro a tirar a comida do prato.
20. Não se atire à comida como um porco, roncando e estalando os lábios.
21. Não vire a travessa para deixar o maior pedaço de carne perto de você.
22. Não devore a comida como se estivesse prestes a ser levado para a prisão, nem encha tanto a boca a ponto de suas bochechas incharem como foles, nem abra tanto os lábios que eles produzam ruídos porcinos.
23. Não mergulhe os dedos no molho da travessa.
24. Não pegue comida da travessa com a colher que pôs na boca.
25. Não roa um osso e depois o devolva à travessa.
26. Não limpe talheres na toalha de mesa.
27. Não ponha de volta no prato o que esteve em sua boca.
28. Não ofereça a ninguém um alimento que você já mordeu.
29. Não lamba os lábios engordurados, limpe-os no pão ou enxugue-os no casaco.
30. Não se incline para beber na tigela de sopa.
31. Não cuspa ossos, caroços, cascas de ovo ou de fruta nas mãos, nem os jogue no chão.
32. Não meta o dedo no nariz enquanto come.
33. Não beba no prato; use a colher.
34. Não sugue ruidosamente o que está na colher.
35. Não afrouxe o cinto à mesa.
36. Não limpe com os dedos um prato sujo.
37. Não mexa o molho com os dedos.
38. Não leve a carne ao nariz para cheirá-la.
39. Não beba café no pires.
40. Não limpe os dentes com a faca.
41. Não segure a faca o tempo todo enquanto come, apenas quando precisar dela.
42. Não use a ponta da faca para pôr comida na boca.
43. Não corte o pão; parta-o com as mãos.
44. Quando passar uma faca a alguém, ofereça o cabo e deixe a ponta virada para você.
45. Não agarre a faca com a mão inteira como se fosse um pedaço de pau; segure-a nos dedos.
46. Não use a faca para apontar para alguém.

Naquela época, segundo Pinker, os manuais de conduta exortavam as pessoas a não serem grosseiras, a respeitar a sensibilidade dos outros, sem quase nenhuma preocupação com a higiene ou saúde, pois os conhecimentos sobre micróbios só apareceram no século XIX. Contudo, o nojo, de certa forma, foi responsável para que houvesse uma defesa, ainda que inconsciente, contra a contaminação. Na Europa medieval também não havia muita discrição quanto à atividade sexual. As pessoas não se constrangiam em ficar nuas em público e, no ato do coito, mantinham apenas uma privacidade superficial. As prostituas ofertavam seus serviços livremente, os homens conversavam com os filhos sobre seus feitos sexuais, etc.

Fonte de pesquisa:
Os Anjos Bons da Nossa Natureza/ Steven Parker
Editora Companhia das Letras

Nota: obra A luta entre o carnaval e a Quaresma, de Pieter Bruegel, O Velho

Views: 6

COMO AS MULHERES DIMINUÍAM A PROLE

Autoria de Lu Dias Carvalho

tsnoop

O infanticídio era praticado sem remorso, porque logo que a mãe ganhava o bebê, não sentia pelo filho nenhum amor instintivo. Se a criança vivia algum tempo, estava liberta deste destino, pois surgia o amor dos pais em sua primitiva simplicidade. (Will e Ariel Durant)

É comum nos perguntarmos se o tempo de hoje é melhor ou pior do que o passado, em relação à vida da mulher. É sabido que ela ainda tem muito chão para percorrer na defesa de seus direitos, mas já existem alguns freios sociais que a protegem. Um tema que vem sempre à baila é o número de filhos concebidos por ela e, como vem sendo a diminuição da taxa de natalidade. Oportunidade para dar um mergulho na história e ver como as coisas ocorriam em tempos longevos.

O homem dos tempos primevos sempre trabalhou para que sua prole fosse grande, de preferência composta por machos, que tinham por objetivo oferecer-lhe mão de obra servil e um futuro tranquilo. Mas, para atingir tal intento, era preciso contar com a adesão da mulher, pois não se faz filhos sem a sua participação. Para induzi-la à parição, contaram com a conivência da religião e do poder, que transformaram a maternidade em algo sagrado.

Não pensem os leitores que a fêmea caiu de boca na conversa do macho interesseiro. De jeito nenhum! Ela se rebelou secretamente, de todas as maneiras possíveis, tudo fazendo para escapar da pesada carga, já que não tinha nenhuma ajuda do companheiro, tão entusiasmado na hora do “vamos ver” e em aumentar o número de rebentos, mas tão indiferente no cuidado com os mesmos. E foi aí que a mulher inventou o fetocídio e o infanticídio, além de usar outras maneiras para evitar o contato com o homem.

A princípio, a função do homem na reprodução tinha um caráter extremamente superficial e incidental, enquanto a posição da mulher era fundamental e suprema. Até mesmo porque era impossível determinar quem fosse o pai. Porém, com o advento do casamento, o homem passou a se interessar pelo tamanho da prole, que lhe serviria de mão de obra escrava no futuro. Enquanto isso, as mulheres se rebelavam às escondidas contra tal imposição, uma vez que o fardo da gestação e da criação era carregado por elas. Negavam-se a fazer sexo com o macho, enquanto amamentavam. E o faziam por anos a fio. Era comum ver um menino fumando, mas que ainda não fora desmamado.

O aborto era usado com muita frequência. E, se falhava, apelavam para o infanticídio. Vários motivos podiam levar ao infanticídio, de acordo com as regras da tribo. Vejam alguns deles:

  1. se o bebê nascia disforme ou doente;
  2. se era bastardo;
  3. se a mãe morrera no parto;
  4. se dado à luz sob más circunstâncias;
  5. se nascia de cabeça para cima;
  6. se nascido durante tempestades;
  7. se nascia em março ou abril;
  8. se nascia na quinta ou sexta-feira;
  9. se nasciam gêmeos (um mesmo homem não podia gerar dois filhos);
  10. quando constituía embaraço durante as marchas (nômades);
  11. quando as tribos eram ameaçadas de carestia;
  12. quando o bebê era uma menina.

Os bebês, que nasciam meninas, eram torturados até à morte, para que a alma ficasse com medo e reencarnasse como menino. Fora disso, a mortalidade infantil era altíssima, em razão do excesso de doenças. Contudo, não existem provas de pedofilia naquele tempo. Embora essa tenha sido parte da cultura grega, tempos depois. Sendo que em tal época, os pederastas eram vistos como pedagogos, aceitos pela sociedade grega. O adjetivo “pedófilo” entrou para a língua portuguesa no final do século XIX. Atualmente é visto como um dos crimes mais repugnantes e inaceitáveis pela sociedade.

Nos dias atuais, o número de nascimento vem decaindo à medida que os países vão se tornando mais instruídos. As famílias estão compreendendo que, quanto menor for sua prole, melhor tratamento poderá ser dispensado a ela. O Brasil tem surpreendido o mundo com o controle feito pelos pais, sem precisar da intromissão do governo. O diferencial dos dias de hoje em relação aos de antigamente é que homem e mulher estão juntos no controle de sua descendência. Pelo menos é isso que se espera de um casamento equilibrado, onde pai e mãe contribuem, juntos, para dar aos filhos uma educação de qualidade e um futuro melhor.

Views: 0