Autoria de Lu Dias Carvalho
Se teus pés são grandes, como podem os criados saber se és a esposa ou uma escrava recém-adquirida? (Provérbio chinês)
Todo pé atado oculta um balde de lágrimas. (Provérbio chinês)
Claro que isso era doloroso, mas se você não enfaixava os pés, não achava marido. (Wang Yixian de 78 anos)
Em certas culturas, os pés femininos são considerados objetos de fetiche. Quanto menores forem mais estão associados à beleza. Quem não se lembra da história dos pés atrofiados das mulheres chinesas à custa de muita dor e sacrifícios, com o objetivo de agradar o sexo masculino, ou seja, encontrar maridos?
Segundo contam, esse costume bizarro, que passava de mãe para filha, surgiu com a intenção de imitar uma concubina imperial, que era obrigada a dançar na corte com os pés enfaixados. Talvez seja esse um dos costumes mais bárbaros da história da humanidade, em nome da beleza. Para alegria das mulheres das classes pobres, tal prática era privilégio apenas da elite, cujas mulheres deveriam ter pezinhos como os das bonecas, embora muitas mães pobres aplicassem tal técnica às filhas, interessadas em lhes arranjar esposos ricos.
A tradição chinesa de atar os pés das mulheres remonta ao século X d.C., tendo perdurado cerca de mil anos, e só sendo abolida com a chegada do governo comunista, em 1949, que obrigou todas as mulheres a desenfaixarem seus pés. E o que era visto como belo, passou a ser olhado com escárnio, trazendo sofrimento físico e moral para as mulheres mutiladas pelo costume tão impiedoso, onde agradar o homem era o que contava. E a regra de beleza virou-se ao contrário: ninguém mais queria as mulheres aleijadas. Quanto sofrimento em vão!
Assim que completavam três anos, as chinesinhas ricas tinham quatro dedinhos de cada pé dobrados em direção à sola, sendo o calcanhar também forçado para dentro, havendo a quebra de ossos, é claro. As ataduras eram apertadíssimas, pegando das pontas dos dedos até o calcanhar, levando à atrofia dos pés em 1/3 do tamanho normal, sendo que o tamanho ideal do pé, para aquela sociedade, correspondia a oito centímetros. É impossível imaginar a agonia daquelas crianças, cuja dor impedia-as até de comer, chorando desesperadamente.
As famílias, portanto, eram obrigadas a conter os pezinhos de suas filhas dentro de apertadas faixas, para que não crescessem, pois, os homens não escolhiam para esposa mulheres que tivessem os pés normais. Os pés pequenos estavam ligados ao erotismo, ou seja, funcionavam como se fossem órgãos sexuais, chegando a ser a região do corpo mais proibida, de modo que somente o marido poderia ter acesso a eles.
Ao terem seus pés atados, uma rachadura ia se formando na planta dos pés das meninas. Tal deformidade excitava os homens, que enxergavam nos pés minúsculos uma forma de extremada beleza. As ataduras faziam com que eles ficassem arredondados, assemelhados ao tamanho da famosa flor de lótus. E, quando juntos, formavam uma segunda vagina, bem mais prazerosa do que a natural, achavam os chineses. Nos pés pequenos e mutilados encontravam maior prazer do que no contato com os órgãos sexuais femininos. Tudo neles estimulava o apetite sexual, inclusive o cheiro de mofo que provinha do uso das ataduras. Técnicas eróticas ensinavam como comer “o lótus dourado”, como a que induzia o homem a introduzir o pé descalço em sua boca.
A tortura pela qual passava a mulher chinesa não se resumia apenas à sua infância e juventude. Ao contrário, acompanhava-a durante toda a sua existência, pois, com os pés deformados, locomovia-se com extrema dificuldade, sendo mais suscetível a quedas e tendo maiores riscos de fraturar a coluna e bacia. Tal deformação dos pés das mulheres chinesas, vista como necessária ao prazer masculino, atestava uma prova da submissão feminina ao jugo masculino. Com os pés aleijados, a mulher não tinha como ir para longe ou abandonar o lar, sendo obrigada a permanecer sempre dentro de casa, sob a guarda do marido. Significando que, em razão dele, ela se submetia a qualquer tipo de dor e deformação.
Ainda que em menor grau, o costume de atar os pés até à deformação, também foi comum no Japão, no Tibete, na Coreia, na Indonésia e em outras partes da Ásia. Segundo o professor Francis Hsu, até os judeus que viviam na China, em tal período, abraçaram esse costume, também usado por homossexuais e travestis chineses.
Em seu livro “Nunca se case com uma mulher de pés grandes”, a escritora Mineke Schipper faz uma analogia entre os pés atados das chinesas e os altíssimos saltos usados pelas mulheres nos dias de hoje, correndo risco de vida, comprometendo-lhes a naturalidade dos movimentos e a própria sensualidade. Segundo Schipper, “ambas as práticas estéticas provocam deformações, restringem a liberdade dos movimentos e não são naturais.” Em ambos os casos, a mulher torna-se mais vulnerável, despertando o instinto protetor do homem, o que não deixa de ser, uma forma de subserviência.
Ortopedistas defendem que os pés, sejam eles masculinos ou femininos, necessitam de um salto de um centímetro para conforto da coluna. Condenam os saltos altíssimos usados pelas mulheres, uma vez que a altura dos mesmos não devem ultrapassar os quatro centímetros. Também abominam as chamadas “rasteirinhas”, destituídas de saltos. Por isso, tantos os sapatos com saltos acima de 4 centímetros e as rasteirinhas sem salto, são nocivos à coluna.
Na gravura acima, dois sapatos são apresentados. O primeiro é um sapatinho chinês, usado por uma mulher com o pé deformado. O segundo trata-se de uma plataforma arqueada, usada pelas modelos da griffe McQueen. Há muita semelhança entre ambos. Ou seja, não estamos tão distantes assim dos costumes bárbaros adotados pela chinesas de então.
Fontes de pesquisa:
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
http://umportudo.blogspot.com.br/2011/10/antiguidade-chinesa-dos-pes-de-lotus.html
http://arquivoetc.blogspot.com.br/2009/10/em-paris-um-desfile-de-sapatos.html
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