Autoria de Lu Dias Carvalho

Nos dias de hoje, a maioria de nós já volta do serviço pensando em tomar um gostoso banho. E quem fica em casa, não vê o momento de cair debaixo do chuveiro. Poucos são aqueles que se deitam sem terem lavado o corpo. Dormir sujo dá uma coceira danada, umas agulhadas aqui e acolá. Muitas vezes é preciso se levantar de madrugada para fazer o que deveria ter feito antes. Mas a história nem sempre foi assim. Podemos conhecer a história do banho, caso venhamos a dar um volteio pelo tempo. Apertem os cintos e vamos nessa!
No Oriente, o banho era visto como a purificação do corpo e também como fonte de aprazimento, enquanto no Ocidente acontecia em lugares públicos e coletivos, em harmoniosos encontros entre os interessados. Ali as pessoas tanto eliminavam a sujeira corpórea, como botava as fofocas em dia. Mas a Igreja, totalmente obcecada pelo pecado, embora esse se encontrasse mais sob suas ações, cismou que o ato de banhar-se era a mais vergonhosa luxúria, que não agradavam os olhos de Deus. Talvez tenha sido ela própria a espalhar que o banho abria os poros da pele, transformando-os numa porta aberta para a entrada de doenças. Assim, ignorância e superstição jogaram as pessoas nos braços da imundície, entrada real para inúmeras doenças, ficando os indivíduos a chafurdarem no desasseio e numa infinidade de moléstias, a maioria delas advindas da ascosidade. O negócio era tão sério, que na Europa, o gostoso banho passou a inexistir. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, ficaram perplexos, ao ver a quantidade de vezes que nossos índios banhavam-se, numa coesão perfeita com a água.
O banho através dos tempos:
• 3000 a.C. – no Egito: segundo pesquisas, aquele povo já era comprometido como asseio corporal, fazendo uso de sabonetes e óleos corporais. Usavam até uma ducha, feita de peneira ou cesta. Era também comum encontrar privada, chuveiro e toaletes nas residências abastadas. Sem falar que para o rio Nilo convergia um grande número de pessoas, que ali tomavam banho apesar dos perigosos crocodilos. A limpeza corporal estava ligada à purificação da alma.
• 1700 a.C. – Grécia: provavelmente nenhum outro lugar deva ter se preocupado tanto com a limpeza corporal do que esse país. Somente um corpo sadio poderia ser morada de uma mente sã. A preocupação do Estado era tamanha, que mantinha locais públicos de banho, com entrada gratuita para quem desejasse ali dar trato ao corpo. Algumas casas de banho detinham até banhos quentes e frios, com banheiras individualizadas. Mas, quanto aos acompanhamentos, os gregos estavam bem mais atrasados do que os egípcios, pois usavam cinzas de madeira e argila como sabonete. Com certeza, não ficava uma sujeirinha. Ainda é comum ver mães, no interior pobre de nosso país, lavar os pés encardidos dos filhos com cacos de telha de argila. Os molequinhos fogem desse tratamento como o diabo foge da cruz.
• 321 a.C. – Roma: sai na dianteira da História ao construir um conjunto de aquedutos, que levava água para as residências, certos espaços públicos e casas de banhos. Chegavam a durar de duas a três horas os banhos. Que delícia! Tinham por finalidade higienizar o corpo e também servir de tratamentos medicinais. Fico imaginando as conversas que ali eram mantidas, como se elas fossem um jornal oral, passado de boca a boca, pois nada como o ócio para carregar as fofocas de um lado para o outro.
• Séc. 4 e 5 – Europa: essa trouxe o malfadado uso do “paninho” que mais sujava do que limpava. Devia carregar um “cheiro dos diabos”. Cruz credo! Mas não pense o leitor que isso foi coisa do demo. Por favor, inocente-o! Foi coisa da Igreja, comandada por um papa de nome Gregório I, que deveria ter o rabo mais sujo do que o do diabo. Não é que o dito proibiu as gostosas casas de banho, sob a alegação estapafúrdia de que “o corpo era a abominável vestimenta da alma”, assim sendo, o pobre corpo, esse escravo da mente (ou alma) era a grande fonte do pecado. Eu queria ver a alma abrir mão do corpo e andar por aí, lutando pelo pão de cada dia… Ainda que algumas existem, num engodo de dar dor de barriga, na forma de membros de igrejas, das mais diferentes denominações. Essas almas vivem sempre no bem bom. Voltando à “sujeira”, ela era santificante. Quanto mais sujo, asqueroso, fedorento e cheio de inhaca fosse o cristão(ã), mais santificado era ele. Não sei como os narizes aguentavam tanto bodum. A água só podia ser usada em três momentos: batismo, benzimento e banho pré-nupcial. Penso que muita gente casava-se apenas para tomar um banho… risos.
• Séc. 6 – Alexandria: a coisa já começou a melhorar, pois ninguém é de ferro para aguentar aquela catinga por tantos séculos. Era a vez de o Império Bizantino entrar em foco, provavelmente com um nariz mais sensível. A terça parte do orçamento da cidade destinava-se ao aquecimento das casas de banho, que traziam vestiários, banho a vapor e massagens. E onde as pessoas podiam lavar as sujeiras do corpo, uma vez que as da alma exigiam desinfetantes com poderes profundos.
• Séc. 16 – Brasil: quando os portugueses aqui chegaram, os coitados ficaram encucados com a lavação de nossos índios. Para que gastar a pele tanto assim? A qualquer momento lá estavam eles, os silvícolas, como peixes nas águas dos rios e mesmo no mar, enquanto eles, os portugueses, trocavam de roupa uma vez por dia, digo, por mês. Esse hábito tão anti-higiênico trazia-lhes excelentes companhias: pulgas, carrapatos, piolhos… E, como o que é bom deve ser copiado, não demoraram os portugas a caírem na água e com ela se aprazerem feito patinhos. Ainda bem que herdamos tamanha riqueza de nossos amados indígenas. Benditos sejam eles!
• Séc. 18 – Europa: foi a chegada do Iluminismo para botar um pouco de luz na mente de muitos beatos que ainda proliferavam no meio da Igreja ou a seguiam. Foi a época em que ciência saiu a campo e desmontou a superstição de que o banho abria os poros para as doenças. Ao contrário. Eram fontes de saúde. Houve uma reviravolta. Doentes eram banhados à força. Camisolões eram usados para a compostura do banho. E os serviçais tiveram os seus trabalhos dobrados. Não era fácil aquecer água para uma família numerosa. A vida é sempre assim, uns têm que carregar o peso do progresso para outros.
• Séc. 19 – Inglaterra: os serviçais devem ter posto as mãos para o céu quando a Inglaterra inventou o chuveiro, em 1810. Devem ter canonizado o santo responsável por tamanha criatividade. Nada mais de ficar enchendo banheira. Nada mais de ficar aquecendo caldeirões de água. Nada mais de ficar queimando os dedos. Liberdade ainda que tardia! O mais engraçado é que a água vinha de um reservatório no solo e subia para o chuveiro. Vinte anos depois os Estados Unidos simplificaram mais ainda o ato de tomar banho, usando uma alavanca para bombear a água… Xuá! E mais mudanças vieram até nossos dias, até chegarmos às banheiras luxuosas de hidromassagem, mas que não chegam aos pés das cachoeiras das nossas Minas Gerais (não tive a intenção de rimar).
Amigos, depois dessa caminhada de 4.900 anos através da História da humanidade, só falando sobre banho, eu senti uma vontade danada de cair debaixo de um chuveiro, com a água bem quentinha, usar um sabonete bem cheiroso, depois um creme e, por último, uma colônia com cheiro de capim cidreira, em todo o corpo. Acho que Morfeu irá se comprazer com a ideia.
Nota: ilustração é um quadro de Renoir, Banhistas.
Fontes de pesquisa
Aventuras na História/ Abril
História da Vida Privada/ Companhia das Letras
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