Arquivo da categoria: Mestres da Pintura

Estudo dos grandes mestres mundiais da pintura, assim como de algumas obras dos mesmos.

Van Gogh – A PONTE DE LANGLOIS

Autoria de Lu Dias Carvalho Langois

A composição retrata uma ponte com uma pequena carroça amarela e um grupo de lavadeiras, um estudo em que a terra é laranja brilhante, a grama é muito verde, a água e o céu azuis. (Van Gogh)

Todas as cores que o impressionismo fez tornar moda são mutáveis, mais uma razão para usá-las puras, o tempo as atenuará até demais. (Van Gogh)

Van Gogh achava a paleta de cores, usada pelos mestres holandeses, com suas cores claras e desarmônicas, imprópria para o mercado da época.  Por isso, em 1888, pintou A Ponte de Langlois em Arles, também conhecida como A Ponte em Langlois com Lavadeiras, para demonstrar ao mercado holandês a importância de sua revolução de cores, ou seja, reafirmar suas ideias vanguardistas em relação à pintura.

Van Gogh conheceu a ponte de Langlois, quando explorava os arredores de Arles. Ele se encantou com sua leve estrutura de madeira e o seu maravilhoso contexto cromático. A cena vista por ele, remeteu-o à obra do artista japonês Utagawa Hiroshige, chamada de A ponte Sobre o Rio Takagi,  que fazia parte de sua coleção. Van Gogh nutria grande admiração pela pintura japonesa. Ele fez quatro pinturas e quatro desenhos desta cena, buscando reproduzi-la de ângulos diferenciados. Os personagens também diferem.

A maestria do pintor com sua paleta passa ao observador a sensação de movimento advindos da carroça e das lavadeiras, retratadas em diferentes posições. O movimento da água perto delas, deixa claro que um pequeno grupo está a enxaguar a roupa. O céu azul-turquesa do céu é separado do azul mais escuro das águas do canal pela ponte amarela. As pinturas de Van Gogh são dinâmicas, tudo parece estar num constante movimento.

Ficha técnica
Ano: 1888
Técnica – óleo sobre tela
Dimensões: 54 x 65 cm
Localização: Kröller – Müller, Otterlo, Holanda

Fonte de pesquisa
Van Gogh/ Coleção Folha de São Paulo
Van Gogh/ Abril Cultural

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Van Gogh – NOITE ESTRELADA SOBRE O RÓDANO

Autoria de Lu Dias Carvalho vg1234567

Estou terrivelmente fascinado pelo problema de pintar cenas ou efeitos noturnos no local, ou melhor, à noite. (Van Gogh)

No azul profundo as estrelas eram cintilantemente esverdeadas, amarelas, brancas, cor-de-rosa, de um brilhante mais vítreo do que em casa – mesmo em Paris: chame-se-lhes opalas, esmeraldas, lápis lazuli, rubis, safiras. Certas estrelas são amarelo-limão, outras têm um rubor rosa, ou um verde ou azul ou um brilho que não se esquece. E, sem querer alargar-me neste assunto, torna-se suficientemente claro que colocar pequenos pontos brancos numa superfície azul-preta não basta. (Carta de Van Gogh a Theo em 19 de junho de 1888)

Nos últimos anos de sua vida, o pintor holandês demonstrou um grande interesse pelos céus noturnos. Dizem que nutria grande interesse pela astronomia, sendo um leitor assíduo de uma revista com tal tema. Em uma de suas cartas ao irmão Theo, ele fala com grande entusiasmo sobre as cores e cintilações das estrelas e outros corpos celestes. E, segundo algumas fontes, quanto mais ele questionava a relação entre o homem e o Cosmo, mais se interessava por tal ciência.

A tela Noite Estrelada sobre Ródano foi pintada em Arles, sul da França, para onde Van Gogh mudou-se em busca de luz e cor, nove meses antes de se internar. Apesar da exuberância das cores azul e amarela, vistas na pintura acima, tudo se mostra calmo e esplendoroso com as luzes naturais, vindas das estrelas, e a luz dourada das casas refletindo-se no rio. As ondulações da água trazem um clima romântico. O impacto visual causado é imediato, estabelecendo uma magia entre a pintura e o observador.

Esta cena noturna baseou-se, segundo os pesquisadores, numa experiência comovente da escuridão sem fim, que Van Gogh descreve numa carta ao irmão:

Uma vez fui dar um passeio pela praia deserta, à noite. Não foi alegre, nem triste – foi belo.

O Ródano (francês Rhône) é um importante rio europeu que tem sua nascente na Suíça e acaba seu curso na França, onde desagua no mar Mediterrâneo. É o rio francês mais caudaloso e o mais importante rio europeu a desaguar no Mediterrâneo.

Curiosidades:
Àqueles que se sentiram emocionados com a história de Vincent van Gogh, sugiro as seguintes obras:

  • Sede de Viver – filme de Vincent Minelli
  • Sonhos – filme de Akira Kurosawa
  • Vincent e Theo – filme de Robert Altman
  • Van Gogh – filme de Maurice Pialat
  • Van Gogh/ Vida e Obra – Editora Taschen

Ficha técnica:
Data: 1888
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 72,5 x 92 cm
Localização: Museu d`Orsay, Paris, França

Fonte de Pesquisa:
Van Gogh/ Editora Taschen

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Van Gogh – O PINTOR DOS GIRASSÓIS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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   (Faça o curso gratuito de História da Arte, acessando: ÍNDICE – HISTÓRIA DA ARTE)

Eu tenho um pouco de girassol. (Van Gogh)

Uma luz que na falta de palavra melhor não posso denominá-la de outro modo, senão amarela. (Van Gogh sobre os girssóis)

Para superar esse elevado tom de amarelo a que cheguei neste verão, tiver de superar limites. (Van Gogh em carta ao irmão Theo)

Quando se fala sobre a obra de Vincent van Gogh logo vem à nossa mente os seus belos girassóis. O artista holandês não foi o primeiro a eleger tão belas flores como tema, mas, sem dúvida, nenhum outro pintor deu-lhes tamanha vitalidade e força, como o fez Van Gogh. Quando observamos sua série de girassóis, somos tomados pela exuberância da cor amarela que invade toda a tela, diante de nossos olhos extasiados. Ali também encontramos os tons vermelhos, azuis e verdes que parecem ter a função de apenas realçar a luminosidade do amarelo.

A famosa série de girassóis (sete quadros com um número de três, cinco, doze e quinze girassóis) exigiu muita dedicação e urgência do pintor, pois, se as flores eram colocadas num vaso de manhã cedo, murchavam ao fim de algumas horas. Como Van Gogh tinha como característica a rapidez com que pintava, era recompensado pela velocidade ao pintar seus girassóis. Nenhum outro pintor poderia captar a beleza que ele imprimia em suas telas, resultante da presteza de seu olhar diante da transitoriedade das flores. O amarelo dos girassóis vinha carregado da mais pura magia, com se nele estivessem agregados pedaços do sol.

O girassol sempre esteve ligado à simbologia, representando a fecundidade, vida e nostalgia em função de sua relação com o astro-rei. Como um ser devoto, o girassol  ajoelha-se diante do sol, acompanhando-o na sua trajetória de vida, recebendo a luz que dele emana com abundância. Apenas na sua maturação cessa a sua reverência, paralisando-se na posição da nascente. Talvez seja por isso que Van Gogh tenha se encantado tanto com os girassóis.

Embora tenha dado início à temática dos girassóis na cidade de Paris, abandonando as tonalidades do cinza e buscando uma escala de cores mais vivas, foi em Arles, para onde partira em busca de luminosidade, que Van Gogh encontrou a explosão do amarelo, ou seja, foi onde encontrou a mais alta nota amarela que já vinha buscando na capital parisiense.

Ao pintar sua série de girassóis, Van Gogh tinha como objetivo decorar o seu ateliê, preparando-o para receber o seu amigo e também pintor Paul Gauguin, pois sabia que ele também tinha predileção pelo tema. De modo que as pinturas foram penduradas no quarto de hóspedes. O pintor holandês pensava em pintar muitos outros quadros sobre girassóis, mas acabou não concretizando o seu objetivo. Perfeccionista, Van Gogh só considerou bons dois dos quadros pintados, colocando neles a sua assinatura.

Van Gogh sempre deixou claro que Os Girassóis estavam inclusos entre as suas obras mais importantes pelo modo como os pintou, usando apenas uma gama de cores – o amarelo e sutis matizes de linhas vermelhas e azuis. Todos os seus amigos conheciam o amor que ele nutria pelos girassóis. Adeline Ravoux, filha dos donos da pensão, onde Van Gogh hospedava-se antes de dar fim à vida, assim se expressou, ao falar sobre seu enterro: Seus amigos trouxeram muitas flores amarelas, principalmente dálias e girassóis.

Segundo alguns diagnósticos não comprovados, Vincent van Gogh sofria de xantopsia (visão dos objetos em amarelo) e, por essa razão, acontecia o exagero do amarelo em sua pintura. Outra teoria fala sobre o uso de digitalis, receitado pelo doutor Cachet, que poderia ter ocasionado sua visão amarelada. E outros documentos ainda relatam que, na verdade, ele era daltônico. Trocando em miúdos, quanto mais famoso é o gênio, maior é o número de teorias.

Nota: Doze Girassóis numa Jarra (1888), acima.
É tida como uma das melhores e mais famosas obras do pintor holandês, tendo sido trabalhada com pouquíssima cor, além do amarelo, façanha técnica quase inigualável. Encontra-se entre as telas mais famosas do mundo. Tal sucesso e reconhecimento contrastam com a vida de Van Gogh que sempre viveu com extrema dificuldade e à margem da sociedade da época.

Assim como o girassol transforma seu olhar apaixonado pela luz do sol que a tudo dá vida (…), a Arte da Pintura, por inata inclinação, animada por um fogo sagrado, segue a beleza da Natureza. (Joost van der Vondel, poeta holandês no século XVII)

Fontes de pesquisa:
Mestres da Pintura/ Editora Abril
Grandes Mestres da Pintura/ Coleção Folha
Van Gogh/ Editora Taschen
Van Gogh/ Girassol

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Van Gogh – QUARTO EM ARLES e A CASA AMARELA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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                                    (Cliquem nas imagens para ampliá-las.)

Uma luz amarela de enxofre pálido, limão dourado pálido. Que belo é o amarelo! (Van Gogh)

“A minha casa aqui é pintada por fora de amarelo manteiga e tem persianas em verde forte; fica rodeada de sol, numa praça, onde também há um parque verde com plátanos, aloendros , acácias. Por dentro é pintada de branco e o chão é de azulejos vermelhos. E por cima o céu de azul luminoso. Lá dentro posso, com efeito, viver e respirar e pensar e pintar”. (Van Gogh)

O Quarto em Arles (1888) é uma das pinturas mais conhecidas de Vincent van Gogh. A primeira versão foi feita apenas duas semanas depois de o artista terminar a obra A Casa Amarela, que retrata o local onde ele morou em Arles, e onde pensava instalar a sua tão sonhada comunidade dos artistas. O quarto fazia parte da “casa amarela”, nome com que a nomeou, tamanha era a sua paixão pela cor amarela.

O pintor holandês fez três versões da pintura referente ao seu próprio quarto e, segundo ele, a obra tinha o objetivo de trazer uma sensação de repouso e descanso, conforme escreveu a seu querido irmão Theo:

Desta vez é simplesmente um dormitório; só que a cor deve predominar aqui, transmitindo, com a sua simplificação, um estilo maior às coisas, para sugerir o repouso ou o sono. Em resumo, a presença do quadro deve acalmar a cabeça, ou melhor, a imaginação. As paredes são de um violeta pálido. O chão é de quadros vermelhos. A madeira da cama e das cadeiras é de um amarelo de manteiga fresca; o lençol e os travesseiros, limão verde muito claro. A colcha é vermelha escarlate. O lavatório, alaranjado; a cuba, azul. As portas são lilases. E isso é tudo – nada mais neste quarto com as persianas fechadas. O quadrado dos móveis deve insistir na expressão de repouso inquebrantável. Os retratos na parede, um espelho, uma garrafa e algumas roupas. A moldura – como não há branco no quadro – será branca.

Sobre a mesa vista na pintura encontram-se uma bacia com um jarro em seu interior, uma garrafa, um copo, um prato com sabão e um par de frascos e de escovas. O chão está pintado em variações da cor vermelha e verde e as pinceladas parecem simular faixas de madeira. O quadro que se encontra à cabeceira da cama é a reprodução da paisagem de Árvore Balançando ao Vento. Na outra parede existe um autorretrato do artista.

O dormitório de Van Gogh é de uma simplicidade extrema, possuindo apenas as coisas que lhe são necessárias. Contudo, não passa a sensação da tranquilidade tão desejada por ele. Ao contrário, destacam-se a solidão e a pobreza material em que vivia. O enquadramento e a disposição dos móveis e objetos no quarto deixam claro que ele não se encontrava muito lúcido na ocasião. Também é incomum duas cadeiras no quarto, o que evidencia o seu desejo por companhia.

Quando Van Gogh pintou Quarto em Arles, ele se via impossibilitado de trabalhar ao ar livre, porque era a época do vento mistral (vento violento, frio e seco, que sopra no N. da região sudeste da França) que trazia muitas lufadas de ar frio. Além disto, ele se encontrava com a vista muito fraca. Recentemente esta obra foi restaurada, pois, segundo informações do Van Gogh Museum`s, as cores da pintura esmaeceram-se com o tempo. O mais interessante é que a sua restauração pode ser acompanhada através de um blog hospedado no site do museu em Amsterdam.

Van Gogh morou em Arles durante 15 meses, sendo esse um dos seus períodos mais ricos em produtividade, assim como um dos mais lamentáveis, pois foi ali que ele cortou a própria orelha. Em Arles, nos dias de hoje, é possível ter uma ideia de como era o seu quarto, ao visitar o Le Chambre de Vincent, onde existe uma réplica em tamanho real e bem fiel à época.

A Casa Amarela (1888), uma das pinturas noturnas de Van Gogh, retrata a casa em que ele morou em Arles. Embora as outras casas estejam também pintadas com a cor amarela, a casa em questão é a de janelas verdes. A cor amarela da fachada foi de escolha do próprio artista.

Fichas técnicas
Obra: O Quarto em Arles
Data: 1889
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 57,5 x 74 cm
Localização: Museu d`Orsay, Paris, França

Obra: A Casa Amarela
Data: 1888
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 72 x 91,5 cm
Localização: Rijksmuseum Van Gogh, Amsterdã, Holanda

Fontes de pesquisa:
Mestres da Pintura/ Editora Abril
Grandes Mestres da Pintura/ Coleção Folha
Van Gogh/ Editora Taschen

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Van Gogh – SUA PAIXÃO PELA ARTE

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Meu melhor quadro é aquele que imaginei deitado na cama, através da fumaça do cachimbo e que nunca cheguei a pintar. (Van Gogh)

Toda a obra de Van Gogh transmite uma mensagem forte e apaixonada: a carga expressiva da sua pintura revela os estados de ânimo do artista, a sua alegria ou a própria dor. (Maria Carla Prette)

O primeiro contato de Vincent van Gogh com a arte deu-se quando trabalhou como aprendiz na filial da galeria de arte francesa em Haia, especializada na venda de gravuras. Foi o despertar de sua grande paixão pelo mundo da pintura, ao qual devotou a sua mais profunda dedicação. Com a mesma devoção com que se empenhou em ajudar os pobres mineiros e camponeses, executou o seu trabalho de pintor, pois via nele o mesmo valor de uma missão religiosa.

Van Gogh gostava de retratar as pessoas do campo, as mulheres em seus afazeres diários e a natureza. Não lhe agradava a sociedade burguesa e o seu pedantismo. O artista devotava uma grande paixão aos camponeses e trabalhadores, principalmente pelos valores morais e religiosos que carregavam. Amava-lhes a nobreza da simplicidade, mesmo diante da vida difícil que levavam. E achava que o mundo rural em que viviam era menos corrupto do que o da cidade. Preferia a essência de tal realidade para pintar seus quadros. Tanto é que uma de suas obras-primas é a tela intitulada Os Comedores de Batata, na qual expõe com destreza e alma uma complexa composição de figuras. Nela, ele domina com maestria os tons escuros e claros.

Theo,  seu irmão solidário, enviava a Van Gogh figuras, principalmente do pintor Millet, por quem nutria grande admiração, para que ele as copiasse. Agradava-lhe sobretudo a pintura campesina, tema comum em sua extensa obra. O artista buscava encontrar a essência de tudo que pintava quer na forma exterior, quer no sentido interior. Chegou a recusar o trabalho com modelos em gesso, sob o argumento de que queria pintar a vida. No período em que deu aulas de pintura, levava seus alunos para o campo e os encorajava a pintar repentinamente, e pedia-lhes que não fizessem nenhum retoque. Porque assim pintava o mestre, sendo a rapidez uma de suas características. A paisagem foi sempre o seu tema predileto.

Ao conhecer as xilogravuras japonesas, Van Gogh caiu de amores por elas e passou a colecioná-las, principalmente as de Hiroshige.  Ele não apenas tinha as gravuras em sua coleção, como gostava de refazê-las, reforçando os efeitos que mais o encantavam. Das estampas japonesas o pintor retirou muitas lições. A influência da arte japonesa pode ser vista nas suas últimas obras.

A partir de sua permanência em Paris Van Gogh deixou de lado a temática sombria e obscura da época em que pintava os camponeses e deu às suas obras tons mais claros.Pintou muitos quadros nos arredores de Paris. Fez muitos quadros sobre flores, iniciando a temática dos seus famosos girassóis, quando passou a usar cores vivas. Por isso, necessitava retornar ao campo, onde encontraria a luminosidade tão desejada no contato com a natureza, de modo que a exuberância que dela jorrava entrasse viva em suas telas. Pois ali se encontrava a essência e a mais profunda beleza da criação, que ele desejava repartir com a humanidade na maestria de suas telas. Natureza e cor eram, sem dúvida, os baluartes de sua fé na arte que fazia. A veemência da cor encantava o artista cada vez mais. Para dar vazão à sua inquieta existência, mergulhava no êxtase das cores fortes em dilaceradas pincelagens.

O pintor holandês assinava seus quadros usando apenas o nome próprio: Vincent, com a intenção de botar uma distância entre si e as suas origens, numa família de carreiristas “piedosos” e de pequenos burgueses. Ele se via apenas como indivíduo, sendo necessário apenas o seu nome próprio. Apenas importava-lhe a opinião de Theo sobre a sua arte, pois ele era não apenas o seu público artístico, como parte dele nos seus quadros. Assim, escreveu ao irmão em agradecimento: Sinto que os meus quadros ainda não são suficientes para compensar os benefícios que tive atrás de ti. Mas acredita em mim, se um dia forem suficientemente bons, terás sido tão criador quanto eu, porque nós dois fizemo-los juntos.

Ao pintar os maravilhosos trigais de julho, o artista escreveu a seu irmão Theo: São vastas extensões de trigo sob céus tempestuosos e não tive dificuldades para expressar a tristeza e a extrema solidão.

A Vinha Vermelha foi o único quadro de Van Gogh a ser vendido num evento em Bruxelas. Embora precisasse de dinheiro para suprir suas necessidades mais prementes, ele não se importou com isso. Continuou pintando apaixonadamente e trabalhando com furor. Sobre a sua obra, assim se expressou o crítico de arte Albert Aurier: Trata-se do universal, louco e deslumbrante fulgor das coisas; trata-se da matéria, da natureza inteira retorcida freneticamente, exaltada ao extremo, elevada ao ponto mais alto da exacerbação; trata-se da forma que se converte em pesadelo, da cor que se converte em chamas, lava e pedras preciosas, da luz que se converte em incêndio, da vida, da febre alta…

É impossível não reconhecer Van Gogh em cada uma de suas obras, com seu estilo único, quer pelo seu temperamento inquieto quer pela originalidade. Suas criações – árvores, flores, céus, campos, pássaros, pessoas e tudo o mais – parecem ganhar vida própria sob o olhar hipnotizado do espectador maravilhado e, ao mesmo tempo, aterrorizado diante de tanta força de vida que dali brota. É como se a mão do artista tivesse sido levada pela impetuosidade de sua mente que seduzia a natureza, onde tudo parecia criar vida nova, contorcendo e tremulando sob o queimor das cores que saíam vivas de sua paleta. O seu estilo de pintura acompanhou a sua mudança psicológica, trocando o pontilhado por pequenas pinceladas.

Van Gogh era guiado por uma força espiritual sem limites, que lhe era totalmente incontrolável. Através dela ele expressava suas paixões e sentimentos, ao manejar seu pincel, mergulhado no mundo das cores e no contato íntimo com a natureza e seus camponeses, principalmente. Ele não era um mero observador daquilo que pintava. Ao contrário, em cada pintura sua é possível captar sua alma, pois tinha a capacidade de imprimir em suas obras todas as emoções que brotavam em seu coração, quase sempre atormentado.

O mais esdrúxulo é saber que seu estilo não só foi ignorado, como também desprezado pela maioria de seus contemporâneos, tendo ele permanecido solitário tanto na arte quanto na sua breve vida. Mas o tempo tratou de redimir, com justiça, a obra desse fantástico gênio, que hoje tem admiradores em todas as partes do mundo. Sua mensagem artística continua cada vez mais viva. Foi recebida com entusiasmo pelos novos pintores que o precederam no início do século XX.  Uma prova da admiração que mesmo os leigos em arte nutrem pelo pintor é o fato de que os livros sobre Van Gogh são os mais difíceis de serem encontrados, mal chegam às livrarias já são vendidos.

Nota: Campo de Trigo com Corvos (imagem à esquerda)é um dos últimos quadros pintados por Van Gogh. Foi interpretado como um presságio de sua morte. Ele se encontrava à época preocupado com as dificuldades de Theo. No quadro o artista expele a sua angústia e solidão pelas quais passava nos campos de trigais ermos e cheios de corvos. Mostra a sua impotência diante da vida. A Vinha Vermelha (imagem à direita) foi a única obra de Van Gogh a ser vendida, enquanto viveu.

Fontes de pesquisa:
Mestres da Pintura/ Editora Abril
Grandes Mestres da Pintura/ Coleção Folha
Para Entender a Arte/ Maria Carla Prette
Van Gogh/ Coleção Girassol

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Van Gogh – SUA SEDE DE AMOR

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Não posso, não é possível viver sem amor. Sou um apaixonado. Tenho de encontrar uma mulher, caso contrário ficarei congelado e me converterei em pedra. (Van Gogh)

O pintor holandês Vincent van Gogh em se tratando de amor era um romântico absoluto, levando em conta o seu mundo emocional. Não sentia nenhuma inibição ao tentar e querer viver o amor em toda a sua plenitude, embora fosse muito inexperiente na relação com as mulheres. Uma relação finda, que em qualquer outro não deixaria nenhuma marca, provocava no artista um enorme dano emocional. De modo que suas relações mal sucedidas com mulheres iriam no futuro destruir sua vida emocional. De um homem aberto e liberal, Van Gogh transformou-se num excêntrico e taciturno no contato com os seus semelhantes. Nunca alguém teve tanta sede de amor e foi tão pouco correspondido.

A primeira paixão de Van Gogh aconteceu em Londres, quando ali foi trabalhar. Enamorou-se da filha de sua senhoria, no local onde se hospedava, nutrindo por ela um amor oculto durante seis meses. Quando resolveu externar seus sentimentos, a garota não aceitou a sua proposta de casamento, pois já se encontrava com outro. Rejeitado, o moço teve a sua primeira desilusão amorosa, o que o deixou profundamente depressivo. Aqui já podemos notar o perfil afervorado do futuro pintor que encarava tudo com extremada paixão.

Aquela alma atormentada e solitária, e ao mesmo tempo sedenta de carinho, sofreu mais ainda ao ser, mais uma vez, rejeitado por uma prima viúva, por quem se enamorou. Ela passava alguns dias na casa dos pais do pintor, acompanhada de seu filho de quatro anos, quando ele ali também se encontrava. Ele se apaixonou pela prima e por seu filho, não se sentindo inibido em declarar seu amor. Contudo, a sua família sentiu-se constrangida com as declarações amorosas do pintor, alegando a recente viuvez da mulher. Van Gogh tudo fez para ganhar o amor da prima, mas ela preferiu guardar a memória do marido morto, a  casar-se com ele. Quando se viu rejeitado, o artista abriu-se para qualquer tipo de mulher que quisesse suprir sua sede de amor. Sobre sua decepção e a inaceitação dos fatos acontecidos, escreveu a Theo: Que a tua profissão seja uma profissão moderna e que possas ajudar a tua mulher a alcançar uma alma moderna, libertá-la dos preconceitos horrorosos que a algemam.

Ainda perseguindo o desejo incontrolável de encontrar um amor, Van Gogh conheceu outra mulher, Sien. Ela era mais velha do que ele, tinha uma filha e encontrava-se grávida. Há muitos anos trabalhava como prostituta. Ele a acolheu, juntamente com a filha, levando-as para morarem em seu ateliê. A relação com Sien fez muito bem ao artista, mas o dinheiro para o sustento dos três era minguado. Sobre ela, escreveu a Theo: Não é a primeira vez que sou incapaz de resistir ao sentimento de atração e amor pra com essas mulheres em especial a quem os pastores condenam tão veemente, condenando-as e desprezando-as do alto dos púlpitos. Se acordamos cedo e não estamos sozinhos, e vemos um ser humano ao nosso lado, então isso torna o mundo inteiro um lugar melhor para viver. Muito melhor do que os livros de devoções e as paredes caiadas de branco das igrejas de que os pastores tanto gostam.

A solidariedade devotada a Sien, tão maltratada pela vida, era muito mais forte para o coração generoso de Vincent do que as convenções religiosas que proibiam o contato com as mulheres “caídas em desgraça”. Com o nascimento do bebê de Sien, Van Gogh necessitava alimentar quatro bocas. Nesse ínterim ele conseguiu convencê-la a deixar a prostituição, diminuindo ainda mais as finanças da casa. A mesada enviada por Theo era insuficiente. O pintor trabalhava “desde manhã cedo até alta noite”, sem conseguir vender nada. Escreveu ao irmão: Não posso viver mais frugalmente do que já estamos a fazer; cortamos em tudo o que podíamos, mas há sempre mais trabalho para fazer, especialmente nestas últimas semanas, e quase não consigo aguentar – isto é, os custos que tudo implica.

Diante da extrema pobreza, pois a família estava literalmente passando fome, Sien teve que voltar à sua antiga profissão. O pintor ficou inconsolável, sentindo-se responsável pelos seus entes amados. De modo que Theo, o único membro da família que ficou do lado de Vincent, cautelosamente levou o irmão a decidir pela separação, voltando-se a dedicar à sua arte, pois essa era a sua única saída. Van Gogh sofreu muito, sentindo-se impotente diante da vida, e com toda a intensidade entranhou-se na sua arte, como um animal ferido e solitário.

Em Nuenen, a filha de um vizinho apaixonou-se pelo pintor. Acompanhava-o sempre que saía para pintar. Ela acabou declarando a sua paixão, e ele, ainda que hesitante, acabou por aceitar. Havia uma diferença de dez anos entre eles. Decidiram se casar, mas os pais dos dois opuseram-se à união. A moça tentou se envenenar o que fez com que Van Gogh sofresse muito, sentido-se responsável.

Agostinha Segatori foi outra mulher com quem Van Gogh teve um curto e tumultuado relacionamento. Ela trabalhava no Café Du Tambourin e pousava como modelo para vários pintores. Ao se apaixonar por ela, o pintor holandês tornou-se um constante frequentador do local, onde a moça trabalhava. Embora o lugar fosse tido por alguns como de má fama, o certo é que Van Gogh, com sua presença, levou para lá grandes nomes do universo da arte parisiense. Chegou inclusive a expor no local parte de sua coleção de estampas japonesas, obras suas e de vários de seus amigos.

Outro relato envolvendo a vida amorosa de Van Gogh fala sobre uma vizinha quarentona e solteira que se apaixonou por ele, mas por quem ele não nutria nenhum interesse. E, por isso, acabou rejeitando a mulher que o queria de verdade, mas que seu coração não queria receber. Outro caso, supostamente afetivo, também envolveu a vida do artista. Uma jovem que servia de modelo para ele, apareceu grávida. O pintor foi acusado de ser o pai, mesmo não tendo absolutamente nada a ver com o caso. O pároco local chegou a proibir que seus fiéis pousassem para Van Gogh. Existem suposições de que tal moça seja aquela que se encontra de costas em seu quadro “Os Comedores de Batata”.

Van Gogh sempre foi um homem carente e extremamente apaixonado que não tinha pudores em confessar a grande falta que lhe fazia o amor de uma mulher. Todas as vezes em que começava um relacionamento, sua alma parecia encher-se de luz e seu corpo revigorava. Por ser extremamente frágil, sofria desesperadamente quando se sentia abandonado. Sua pintura era o escape para o desespero que carregava, e para a incompreensão das pessoas à sua volta. Suas tintas eram mais do que tudo, a mistura do grande amor contido em si, assim como a manifestação de sua paixão por tudo que o envolvia. Van Gogh falhou naquilo que mais desejava: constituir uma família. Contudo, suas obras são as sementes eternas de sua hereditariedade.

Ficha técnica
Agostina Segatori no Café du Tambourin (1987)
Data: 1987
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 55,6 x 45,6 cm
Localização: Van Gogh Museum, Amsterdam, Holanda

Fontes de pesquisa:
Mestres da Pintura/ Editora Abril
Grandes Mestres da Pintura/ Coleção Folha
Van Gogh/ Editora Taschen

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