Arquivo da categoria: Mestres da Pintura

Estudo dos grandes mestres mundiais da pintura, assim como de algumas obras dos mesmos.

Ticiano – BACO E ARIADNE

Autoria de Lu Dias Carvalho

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              (Clique nas gravuras para ampliá-las.)

Ticiano era famoso por captar momentos cheios de intensidade psicológica, como acontece nesta obra. Ele foi o mestre renascentista da cor, e o brilho intenso desde quadro reflete seu tema apaixonado. (Robert Cumming)

Esta composição que conta a história mitológica de um grande amor foi encomendada a Ticiano pelo duque de Ferrara — Afonso d`Este — e fazia parte de um grupo de pinturas que tinha por finalidade decorar a sua casa de campo. O quadro trata de um tema mitológico: o encontro entre Ariadne — filha do rei Minos de Creta — e Baco, o deus do vinho, seguido de seu barulhento séquito de beberrões.

Ticiano pinta o exato momento em que Baco encontra Ariadne pela primeira vez, ficando os dois intensamente apaixonados. Ela fora deixada na praia por Teseu, enquanto dormia. O movimento toma conta de toda a tela: Baco saltando com seu manto flutuante; Ariadne indicando o mar onde navega a embarcação do amante traidor; os seguidores do deus do vinho tocando instrumentos musicais e dançando; o céu cheio de nuvens flutuantes, etc.

À primeira vista o grande número de personagens dispostos na tela pode levar o observador a pensar que o artista não foi cuidadoso com a sua composição, não se preocupando com a disposição dos mesmos. O que não é verdade, pois, se traçarmos duas diagonais na tela, observaremos que a mão direita de Baco está praticamente no centro do quadro, enquanto seus companheiros situam-se logo abaixo, na parte inferior  do retângulo, à direita da composição, enquanto Ariadne encontra-se sozinha no vértice do triângulo esquerdo.

Baco e Ariadne, o casal romântico da composição, estão inseridos no retângulo esquerdo do quadro. Embora Baco tenha os pés próximos de seus amigos, traz o coração e a cabeça próximos à amada. A sua figura é o ponto focal da composição, atraindo para si o olhar imediato do observador.

Baco, deus grego romano, é jovem e forte, e traz folhas de louro e videira nos cabelos, o que torna fácil a sua identificação. O manto rosa esvoaçante assemelha-se a um par de asas. Seu rosto demonstra grande surpresa e encantamento, mostrando-se imobilizado ao cravar os olhos na moça. Existe a sensação de que ele está saltando em direção a ela.

Ariadne é também bela e forte. Usa um manto azul drapeado, com uma faixa vermelha que lhe cinge o corpo e se arrasta pelo chão. A torção de seu corpo e a mão erguida demonstram que ela fitava o mar, mas virou a cabeça, surpresa, para olhar o deus romano. O manto rosa com que o deus do vinho cobre a sua nudez contrasta-se admiravelmente com a faixa vermelha usada por ela, e que chama para si a atenção do observador. O rosto de Ariadne demonstra medo e interesse simultaneamente.

A visível emoção presente no rosto de Ariadne e de Baco destaca-se no azul do céu, comprovando a dramaticidade do momento. Os dois guepardos, responsáveis por conduzir o carro de Baco, também se olham com intensidade (Ticiano substituiu os leopardos tradicionais por guepardos). No chão encontra-se uma urna que brilha ao sol, sobre o manto amarelo de Ariadne e onde se pode ler a assinatura do pintor (Ticianus F).

No centro da composição um jovenzinho sátiro (metade homem e metade bode) puxa a cabeça de um bezerro e dirige o seu olhar para o observador, como se estivesse a convidá-lo para se agregar ao grupo. É o único a olhar para fora da tela, visto na composição. Entre o sátiro e a cabeça do bezerro encontra-se uma flor de alcaparra, que é tradicionalmente tida como o símbolo do amor. No primeiro plano, próximo ao pequeno sátiro, um cachorrinho late para o grupo.

Um personagem musculoso, Leocoonte, encontra-se enlaçado por uma serpente que ele tenta dominar. Atrás dele encontra-se um personagem embriagado, empunhado na mão direita a perna de um bezerro, enquanto traz na esquerda um enorme cajado enfeitado com folhas de videira. Usa também uma coroa e cintos de videira.

No grupo de Baco encontram-se duas bacantes. A que se encontra mais próxima ao deus do vinho toca címbalos. Observem que ela tem a mesma pose de Ariadne. Uma segunda bacante toca um pandeiro e dirige seu olhar perdido ao personagem embriagado. Uma terceira mulher, postada ao lado direito do burro, toca uma corneta.

O homem idoso e gordo montado no burro e sustentado por outro é Sileno, pai adotivo de Baco e também chefe dos sátiros. O céu contém várias nuvens e oito estrelas que representam a coroa de Ariadne que foi lançada ao céu por Baco e transformada numa constelação.

Bem à direita da composição um personagem leva nos ombros um barril de vinho, lembrando a postura do mitológico Atlas. Ao fundo, à esquerda de Ariadne, está o barco de Teseu (amante da moça) que se afasta no horizonte. Ela traz o braço direito estendido em direção à embarcação. A pintura é magistralmente colorida, com predominância do azul ultramar presente no céu, nas montanhas, nas vestes de Ariadne e da mulher que toca címbalos.

Curiosidade:
Segundo a lenda, Ariadne foi abandonada por Teseu, a quem ajudou matar o Minotauro e a se safar do Labirinto onde vivia o monstro, ao dar-lhe um novelo com linha vermelha. Contudo, Teseu deixou-a sozinha nas praias gregas de Naxos, enquanto dormia. Mas ela acabou por encontrar Baco que por ali passava com o seu séquito. O amor entre os dois aflorou imediatamente. Ele lhe prometeu o céu, caso ela aceitasse se casar com ele. Após a sua resposta afirmativa, Baco pegou a coroa dela e a lançou para o céu. Imediatamente a coroa se transformou numa constelação.

Ficha técnica:
Data: 1520 -1523
Tipo: óleo sobre tela
Dimensões: 176 x 191 cm
Localização: National Gallery, Londres, Reino Unido

Fonte de pesquisa:
Arte em detalhes/ Robert Cumming
Isto é arte/ Sextante
Grandes pinturas/ Publifolha

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Ticiano – A VÊNUS DE URBINO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Sandro Botticelli pintou o Nascimento de Vênus, uma das mais belas Vênus nuas do Renascimento florentino. Giorgione foi o primeiro a mostrar uma Vênus dormindo no campo. Ticiano transpôs a cena da natureza para uma casa. Ele a pega da natureza e a introduz em um contexto humano. A deusa foi transformada em mulher, consciente de seus encantos. Ticiano liberta o nu dos tópicos da figura mítica. (Rose-Marie & Rainer Hagen)

“Talvez Ticiano quisesse mostrar que a divisão generalizada das mulheres em duas categorias, esposas respeitáveis e servas do amor, não era definitiva e também se podia descobrir o prazer sensual no casamento” (Rose-Marie & Rainer Hagen)

Guidobaldo della  Rovere, filho do duque de Urbino, encomendou a Ticiano um retrato seu e  o da “senhora despida”, ou seja, A Vênus de Urbino. Na época ele tinha completado 25 anos e o pintor, que teria o dobro da idade do rapaz, era o artista mais apreciado do sul da Europa. Entre seus clientes encontravam-se conventos, igrejas, ricos comerciantes, príncipes e o imperador Carlos V. O futuro duque de Urbino conheceu Ticiano, provavelmente através de seu pai, Francesco Maria I della Rovere, que era um apaixonado por quadros e ambientes cultos e intelectuais, tendo encomendado várias obras a Ticiano. De modo que, após a morte do pai, Guiobaldo tornou-se o Duque de Urbino e continuou a encomendar obras ao pintor.

Algumas suposições existem acerca da personagem retratada em A Vênus de Urbino. Seria ela:

  • a amante de Guiobaldo, futuro Duque de Urbino, à época;
  • a própria amante do pintor;
  • a mitológica Vênus (mas falta-lhe os atributos, como o Cupido);
  • Eleonora Gonzaga, mãe de Guiobaldo, pois tanto na pintura em que foi retratada, como na jovem desnuda estava presente o mesmo cãozinho enrodilhado.

O fato é que nenhuma dessas hipóteses ficou provada. E mais longínqua ainda é a ideia de que fosse Eleonora Gonzaga, pois à mulher casada daquela época, vivendo em boas condições, cabia apenas dirigir a casa, assegurar a descendência, preservar a honra do marido e acompanhá-lo nas cerimônias oficiais. Ela jamais posaria nua, pois seu corpo pertencia apenas ao esposo, jamais exalaria luxúria como vista na pintura. Além disso, a Igreja, grande inimiga do corpo feminino, estava sempre a postos.

A possibilidade de que Ticiano tivesse representado Vênus, a deusa romana da beleza e do amor, também é improvável, embora se encontrem na composição dois atributos da deusa: as rosas e o vaso com murta. O que torna questionável tal representação é a presença das duas criadas. Somente a presença do filho Cupido tornaria a identificação inquestionável. Portanto, a maioria dos especialistas no assunto chegou à conclusão de que se trata de uma figura humana.

O corpo da jovem desnuda representa o ideal de beleza e gostos eróticos do Renascimento pleno. Ela se encontra totalmente nua, tendo no corpo apenas brincos, uma pulseira no braço direito e um anel no dedo mindinho da mão esquerda. Traz na mão direita um buquê de rosas vermelhas que sempre foram tidas como um atributo a Vênus. As rosas também são o símbolo do prazer e da fidelidade no amor. Ela encara o observador com naturalidade, olhando diretamente para ele. Reina calma e ordem no ambiente.

O cabelo cacheado e dourado enfeita-lhe o rosto, cujos olhos dirigem-se para o observador com certa indiferença. Seu cabelo suaviza suas feições, caindo abundantemente sobre seus ombros e travesseiros. Uma trança cinge-lhe o meio da cabeça. O seu ombro direito é mais acentuado (o ideal feminino da Renascença baseava-se num tipo mais corpulento). Os seios pequenos, redondos e rígidos também eram um ideal da beleza feminina, significando que eles ainda não haviam atingido a maturidade. A beleza da pele da figura é um espetáculo à parte, deixando o observador totalmente extasiado. Para pintar a pele da Vênus de Urbino, Ticiano empregou o branco perolado nas áreas claras, banhadas pela luz e o tom rosado nas áreas sombreadas, que aparecem em pouquíssimas partes do corpo.

A jovem não tem cintura fina, pois tal característica não era aceita naquela época. Sua barriga, ligeiramente arredondada, permanece como o centro do corpo e o símbolo da fertilidade e da reprodução. Se comparada com o modelo de beleza das modelos atuais, todas as mulheres seriam estéreis com suas barrigas planas. A mulher é retratada como costumava dormir. Sua nudez é destacada pela presença em segundo plano de duas criadas rigorosamente vestidas. Estariam elas pegando as roupas para vestir sua patroa? Alguns estudiosos sugerem que as criadas estão executando os preparativos para as núpcias de sua senhora e, portanto, o quadro seria uma alegoria ao amor marital.

A cortina verde-escuro que desce sobre a divisória do quarto destaca o rosto esplendoroso da modelo, equilibrando-se com os tons claros dos travesseiros e lençóis.  A cor vermelha vista no buquê de rosas, no vestido de uma das criadas e no colchão dá mais vivacidade à composição. Ao fundo, uma criada, usando mangas bufantes, mexe num baú de roupas. O quarto e o mobiliário são característicos da época. O pintor dá destaque à cama e às arcas, pois eram os móveis mais importantes do quarto, muitas vezes os únicos. O cãozinho sobre a cama simboliza o amor carnal, mas também a fidelidade. E no peitoril da janela, um vaso com murta indica a constância no casamento.

A ornamentação vista na parede, por detrás da criada de pé, tanto pode ser uma tapeçaria como um ornamento de couro. Embora as janelas à época fossem pequenas, Ticiano apresenta um grande vão em sua pintura, o que nos leva a supor que se tratava de uma residência de verão. Existem muitos detalhes no quadro que são bem fiéis à realidade, embora outros não o sejam. Exemplo disso é a sombra apenas esboçada de um galho na superfície escura da divisória. E esta superfície, além de destacar o corpo alvo da moça, traz equilíbrio às duas partes do quadro. Sua borda direita corta a pintura ao meio e acaba abaixo da mão esquerda da jovem, destacando seu monte de Vênus que ela esconde delicadamente.

Como vimos no texto anterior, Ticiano foi assistente no início de sua carreira do mestre Giorgione. A sua Vênus de Urbino tem muita semelhança com a Vênus Adormecida de seu antigo mestre. Mas, excetuando a modelo nu, crê-se hoje em dia que Ticiano trabalhou e acabou grande parte daquele quadro. O quadro de Ticiano apresenta muito mais do que apenas os atributos de Vênus.

A composição de Ticiano, Vênus de Urbino, a mais célebre de suas pinturas, é tida como um dos mais esplêndidos exemplos do nu, encontrados na pintura universal, onde serenidade e sensualidade convivem harmoniosamente. Atualmente a pintura é vista pela maioria dos críticos de arte  como uma alegoria ao amor conjugal e à fidelidade, tomando por base o cãozinho dormindo na cama e as duas criadas ao fundo, sendo que as duas arcas podem ser uma alusão ao enxoval da noiva.

Ficha técnica da obra:
Artista: Ticiano
Data: 1538
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 119 x 165 cm
Localização: Galleria degli Uffizi, Florença, Itália

Fontes de pesquisa
Los secretos de las obras de arte/ Taschen
1000 obras-primas da pintura europeia/ Könemann
Ticiano/ Taschen

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Ticiano – O SOL ENTRE AS ESTRELAS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A técnica virtuosa de Ticiano combinava a brilhante cor veneziana, aplicações expressivas de óleo e uma abordagem atmosférica das formas que seria adotada pelos artistas nos 500 anos seguintes. (David Gariff)

A trajetória de Ticiano evolui de uma fase luminosa e sensualíssima, inspirada na mitologia clássica, para uma fase religiosa de tons sóbrios, e já precursora do Barroco, vacilante entre a exaltação e a mortificação da carne. (Gênios da Pintura/ Abril Cultural)

Chamado de “o sol entre as estrelas” por seus contemporâneos, Ticiano é tido como um dos mais versáteis pintores italianos, cuja maestria era vista em retratos, paisagens, temas religiosos ou mitológicos, sendo comparado como retratista a Rembrandt e Velásquez.

Ao deixar seu mestre Giorgione, Ticiano foi aos poucos modificando a sua linguagem pictórica, trazendo para suas personagens femininas certo erotismo. Suas modelos são mulheres comuns que usam as águas de Veneza para lavar os cabelos, secando-os ao sol. São representadas com “cabelos de um loiro fulvo, ligeiramente ruivo, abundante e anelado”. Suas personagens divinas são por demais parecidas com as terrenas. O que diferencia as primeiras das segundas é apenas o uso das auréolas — marcas dos santos. A nudez com que o artista apresentava os personagens sacros não deixava de ter certo atrevimento para os pintores de sua época. O artista preferiu pintar os modelos mitológicos a representar cenas bíblicas durante um bom tempo.

O Renascimento italiano enfatizava o lado sensual da cultura grega, fato que deixou Ticiano à vontade para pintar belos, exuberantes e sensuais nus, nomeando-os com títulos gregos. Mas uma vez passado o ímpeto boêmio da juventude, o artista voltou às cenas bíblicas, caminhando para uma crescente religiosidade. As madonas transformaram-se em mães respeitáveis e severamente vestidas, imbuídas do mesmo ar campônio de sua meiga esposa Cecília. Na década de 1560, Ticiano voltou às figuras da mitologia clássica. Embora ainda se encontre sensualidade em seus personagens, as figuras foram se tornando menos materializadas. A nudez passou a ser velada, carregada de uma aura de espiritualidade.

Já bem amadurecido, o pintor substituiu a mitologia por santos e mártires, numa religiosidade rígida. Mesmo assim não se libertou inteiramente do culto à beleza física. Suas composições abrangem desde as formas curvilíneas de corpos femininos nus à pelúcia, o veludo e o arminho que enfeitavam a nobreza da época.

O pintor italiano é conhecido sobretudo pelas maravilhosas composições de nus, mas a sua glória é vista através dos retratos de monarcas e pessoas de classes abastadas que pintou e, que lhe garantiram fama, privilégios e ouro. Mas tanto em seus personagens reais como em suas figuras mitológicas ou religiosas, o artista deixou visível a sua marca através de sua acuidade psicológica, de seu desenho seguro e da riqueza do seu colorido. Ticiano foi o mestre renascentista da cor e o maior pintor da escola veneziana. Foi também um dos primeiro pintores a assinar a sua arte. Ficou famoso pelo uso da cor, tornando-se o colorista mais original de seu tempo. Usava muito o ultramarino, cor feita com lápis-lazúli. À época, tal calcário, que contém o mineral de nome lazurita, era mais caro do que o ouro. Como trabalhava para uma clientela rica, o pintor podia comprar a tinta vinda das mais caras fontes.

Ilustração O Bacanal, obra do artista, presente aqui no blogue.

Fontes de pesquisa:
Tudo sobre arte/ Sextante
A história da arte/ E.H. Gombrich
Gênios da pintura/ Abril Cultural
1000 obras-primas da pintura europeia/ Könemann

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Mestres da Pintura – TICIANO VECELLIO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O pintor Ticiano Vecellio (1485?–1576), também conhecido como Tizian Vecellio de Gregorio, Tiziano, Titian ou ainda como Titien, encontra-se entre os grandes nomes da pintura italiana. Ainda pequeno retirava suco de flores para desenhar toalhas e lençóis. O pai — Capitão Conte Vecellio — reconhecendo o pendor artístico do menino, retira-o da pequena Pieve Cadore onde nascera e envia-o para Veneza, acompanhado do irmão mais velho. Ali, ainda nos seus oito anos de idade, é apresentado por um tio aos mais importantes pintores venezianos da época.  Passa pelas mãos de Gentile Bellini e depois pelas de Giorgione que o acolhe com entusiasmo. Ticiano sorve com tanto interesse os ensinamentos de Giorgione que, com 20 anos incompletos, tem uma de suas pinturas confundida com a obra do mestre. Oportunidade em que o aluno percebe que não existe mais nada a ser aprendido com ele e passa a caminhar por conta própria. Aos 57 anos, o pintor — já extremamente conhecido — faz uma visita a Roma, onde é acolhido com as honras de um monarca convidado.

O pintor, inteligente e intuitivo, compreende que determinados temas trazem-lhe uma rica clientela, pródiga em aplaudi-lo e encher-lhe os bolsos de moedas de ouro. Por isso, sua  pintura é, muitas vezes, de índole adulatória, pois lisonjear os poderosos traz sempre um bom retorno. Assim, príncipes, prelado, embaixadores e toda a sociedade rica e fútil almejam ter um retrato pintado pelo famoso Ticiano. Mas, com o imenso volume de encomendas, o artista opta pelos compradores mais interessantes que se incluíam entre os mais endinheirados. Como nem todos os clientes fossem bons pagadores, o artista enviava a cobrança para aqueles que detinham os mais altos cargos, jamais ficando no prejuízo. Com o dinheiro investia em propriedades, tornando-se cada vez mais rico. Era bajulado não apenas pelo mundo da arte, mas também pela sociedade. Chegou a receber das mãos do imperador Carlos V o título de conde e Cavaleiro da Espora de Ouro.

Ticiano, artista extraordinário, possuidor de um profundo sentimento cromático, foi um dos principais representantes da Escola Veneziana no Renascimento, antecipando diversas características do Barroco e até mesmo do Modernismo, sendo igualmente bom tanto em retratos ou paisagens, como em temas mitológicos ou religiosos, impregnando sua obra de um grande lirismo. Foi o primeiro artista a obter fama internacional, recebendo encomendas de soberanos de vários países. Inspirou El Greco, Peter Paul Rubens, Diego Velázquez, Rembrandt, Eugène Delacroix, Edouard Monet e Willem de Kooning. Aos 86 anos é colhido pela peste, tendo o mesmo fim que sua esposa e os grandes amigos Sansovino (arquiteto) e Aretino (escritor). O féretro é acompanhado por um cortejo de gôndolas drapeadas de preto sob o olhar de multidões. Os sinos das igrejas são repicados em sua honra.

Nota: Autorretrato feito quando o pintor tinha 75 anos. Traz na mão direita um pincel, alusão à sua profissão. A dupla corrente de ouro ao pescoço é sinal de sua condição de cavaleiro.

Nota: Veja mais sobre a vida do artista em: Ticiano – O SOL ENTRE AS ESTRELAS

Ficha técnica da pintura:
Ano: 1566
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 86 x 69 cm
Localização: Museo del Prado, Madrid

Fonte de pesquisa:
Gênios da pintura/ Abril Cultural
1000 obras primas…/ Könemann
Os pintores mais influentes/ Girassol

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Weyden – DEPOSIÇÃO DA CRUZ

Autoria de Lu Dias Carvalho

(Clique na gravura para ampliá-la.)

A intensidade das expressões em suas obras dá aos temas tradicionais uma nova realidade. (Margaret Whinney)

A composição intitulada Deposição da Cruz ou Descida da Cruz é um dos trabalhos mais famosos de Rogier van der Weyden, considerado uma obra-prima da pintura antiga dos Países Baixos. Por muito pouco o mundo não perdeu esta maravilha que, ao ser enviada à Espanha pela regente húngara Maria, quase pereceu num naufrágio. Esta obra — pintada para a capela de Crossbowmen de Louvin — mostra o auge da maturidade artística de Van der Weyden.

A Deposição da Cruz é a parte central de um tríptico, cujos painéis laterais, uma vez separados, acabaram se perdendo com o tempo. A obra foi encomendada pela Guilda dos Arqueiros de São Jorge em Louvain, na atual Bélgica. Nos cantos do quadro o pintor adicionou arcos (bestas) — estruturas decorativas em homenagem aos arqueiros que a encomendaram. Assim como as esculturas contemporâneas, ela é disposta teatralmente. Um exíguo espaço abriga dez figuras esculturais, comprimidas, sendo três no centro, quatro à esquerda e três à direita, impedindo o aprofundamento do cenário arquitetônico.

A obra possui forma retangular, sendo que no centro está um saliente (ressalto) na parte superior, onde se encontra o jovem na escada, responsável por ajudar a descer o corpo de Cristo. A composição com tema religioso tem um fundo liso de ouro — elemento típico da arte gótica — que simboliza a eternidade e o próprio divino. As figuras que pendem da esquerda para a direita parecem esculturas multicoloridas. As paredes são responsáveis por enclausurar o palco do acontecimento. O chão é de pedra e nele crescem algumas plantinhas floridas.

A cena pintada por Van der Weyden em que o corpo de Cristo é retirado da cruz é carregada de intensa emoção e realismo, com os personagens profundamente consternados, ocupando um reduzido espaço sem profundidade, o que ressalta mais ainda o sofrimento das nove figuras presentes à deposição de Cristo. Há em toda a pintura um perfeito equilíbrio advindo da simetria das figuras e da profunda expressão dos rostos dos personagens, como os olhos avermelhados e as lágrimas que escorrem pelo rosto de alguns deles.

Van der Weyden mostra diversas expressões de dor diante do corpo do Cristo crucificado. Elas  vão desde o desespero de Maria Madalena, com as mãos contorcidas, à extrema direita, ao sofrimento silencioso dos santos que ajudam a segurar o corpo de Jesus. Juntas no espaço e no sofrimento as personagens repassam a ideia de que vivem um momento dramático em razão de tão grande perda. A postura plácida dos anciãos contrasta com a dos demais personagens.

As cores apresentadas na composição são fortes, evidenciando a simbologia medieval que acentua o clima de tragicidade. São João Evangelista — segurando a Mãe de Cristo em seu desmaio — veste um manto rubro que simboliza a Paixão de Cristo. Por sua vez, o azul das vestes da Virgem simboliza a perseverança da Fé. O branco do tecido que envolve sua cabeça, representa a pureza e a inocência. Os trajes luxuosos de Nicodemos — segurando os pés de Jesus — simbolizam a fugacidade do luxo e da pompa dos dominadores da terra, diante da caveira e dos ossos dispersos — o fim de todo homem.

O corpo sem vida de Cristo — amparado por José de Arimateia — está postado bem à frente do observador. Ele é o centro da composição. Apesar das cinco chagas  e da coroa que lhe perfura a cabeça, o corpo de Jesus é formoso. José de Arimateia segura-lhe o tronco, enquanto Nicodemos segura-lhe os pés. As áreas vermelhas presentes nas roupas de alguns personagens, além de serem simbólicas dão destaque às chagas de Jesus. O branco do lençol de linho com que José de Arimateia e Nicodemos envolvem o corpo do Mestre contrasta com a sua pele marmórea.

São João Evangelista — a quem Jesus pediu para tomar conta de sua mãe — está inclinado para a frente na tentativa de amparar a Virgem em seu desmaio. De seu rosto escorrem lágrimas. Seu sofrimento é visível, embora contido, pois tem que repassar forças para Maria — a mãe do crucificado — que passa por uma extrema agonia emocional ao ver seu filho morto sob tamanha tortura. Sua pele tem a mesma cor pálida do filho. Ambos estão na mesma posição de abandono. Atrás de São João Evangelista está Maria, mulher de Cléofas — um dos discípulos de Jesus. A mulher de verde não é identificada, sendo provavelmente uma das seguidoras de Cristo. Embora a Bíblia não registre nada sobre isso, era comum adicionar três ou quatro Marias na Crucificação de Cristo.

O homem que se encontra atrás de Nicodemos é um dos seguidores de Cristo. Ele traz na mão direita um pote de unguento. Recostada nele se encontra Maria Madalena, dobrada numa grande contorção em razão da dor extremada que sente ao ver o Mestre morto. Ela usa um cinto que simboliza a virgindade e a pureza. O cinturão está alinhado com os pés de Cristo e a cabeça da Virgem. Sobre a escada que conduz à cruz espremida no centro da composição está o criado, cuja cabeça não é visível em sua totalidade. Ele traz na mão direita os pregos retirados das mãos de Cristo, enquanto com a esquerda segura seu braço inerte.

Van der Weyden fez diversas correspondências na pintura: o movimento do corpo de Cristo assemelha-se ao da Virgem, assim como sua mão esquerda corresponde à  direita de Maria e  sua mão direita corresponde à esquerda dela. Assim, Maria aparece na mesma posição de seu filho, significando que ela sofre  a mesma dor pela qual ele passou. Por sua vez, a posição de São João Evangelista numa ponta do quadro é similar à de Maria Madalena na outra. A presença de um crânio no lado inferior esquerdo da composição — entre Maria e São João — tem a finalidade de reforçar o objetivo pelo qual Cristo se imolou — remir o pecado original cometido por Adão e Eva que simbolizam toda a humanidade.

A Deposição da Cruz é uma obra que tem sido muito copiada ao longo dos tempos. Ela domina a pintura flamenga do século XV, sendo muito difundida na Espanha e objeto de inumeráveis cópias. Já na década de 1430 teve uma réplica feita por um pintor desconhecido para a capela de uma família de Lovaina, na igreja de São Pedro e que se encontra hoje no Museu Stedelijk de Lovaina. Vale a pena ampliar a figura acima (clicando nela) e observar os detalhes das roupas e adornos dos personagens, sobretudo o véu de Maria Madalena e seu cinto.

Ficha técnica:
Ano: c. 1435

Técnica: óleo sobre madeira
Dimensões: 220 x 262 cm
Localização: Museo del Prado, Madrid, Espanha

Fontes de pesquisa:
501 grandes artistas/ Sextante

Gênios da pintura/ Abril Cultural
A história da arte/ E.H. Gombrich
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
Gótico/ Taschen
Tudo sobre arte/ Sextante
Arte em detalhes/ Publifolha

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Mestres da Pintura – ROGIER VAN DER WEYDEN

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A intensidade das expressões em suas obras dá aos temas tradicionais uma nova realidade. (Margaret Whinney)

Rogier van der Weyden (c. 1400/? – 1464) é outro grande artista nórdico de quem se sabe pouca coisa. Nasceu na cidade de Tournai, região sul de Flandres. Estudou pintura com o mestre Robert Campin — um dos mais renomados mestres da cidade. Seu aprendizado consistia em copiar esculturas e portais de igrejas, conhecimento que muito o favoreceu em sua pintura. Fez parte da corporação de ofício dos pintores de Bruxelas, sendo posteriormente nomeado pintor oficial da cidade, onde ornamentou o Palácio Municipal com quadros alusivos às lendas medievais e à vida do Imperador Trajano. Mas em 1695, durante o cerco à cidade, as telas foram queimadas por soldados franceses.

Por volta de 1450, já muito famoso em seu país, Van der Weyden partiu para a Itália, dirigindo-se para a cidade de Ferrara. É também provável que tenha passado por Milão e Florença antes de chegar a Roma. Presume-se que na Itália o pintor tenha conhecido os afrescos de Masaccio, a ponto de incorporar à sua obra elementos da linguagem artística do pintor italiano. Na Itália ele trabalhou para famílias importantes, inclusive para os Medici de Florença. A todos encantavam a forte emotividade e o caráter dramático do trabalho do artista. A pintura a óleo era uma técnica desconhecida na Europa meridional, sendo Van der Weyden o responsável por transmiti-la aos italianos, o que contribuiu grandemente para desenvolver a rica arte renascentista.

Van der Weyden era um homem muito religioso e tinha uma vida familiar impecável. Seu trabalho e conduta subordinavam-se aos compêndios estéticos e morais vigorantes na época, quando um puritanismo exacerbante via licenciosidade em tudo. Tido como um dos mais importante pintores de Flandres, ele teve patronos estrangeiros renomados, como Felipe III, duque de Borgonha. Recebeu reconhecimento internacional e fez fortuna. Em razão de um engano a respeito de sua identidade, sua obra foi quase ignorada durante o século XVIII.

 O pintor Van der Weyden levou a arte dos Países Baixos para fora de suas fronteiras, tanto no que diz respeito à composição quanto ao desenvolvimento das figuras. Recebeu encomendas públicas, eclesiásticas e particulares, tanto dentro como fora de seu país. Dentre os seus trabalhos mais notáveis  está a Deposição da Cruz, que apresenta uma cena de vívida emoção.

Nota: Rogier van der Weyden, pintura de Cornelis Cort, 1572

Fontes de pesquisa:
501 grandes artistas/ Sextante
Gênios da pintura/ Abril Cultural
A história da arte/ E.H. Gombrich
Gótico/ Taschen
Tudo sobre arte/ Sextante

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