(Clique na gravura para ampliá-la.)
A intensidade das expressões em suas obras dá aos temas tradicionais uma nova realidade. (Margaret Whinney)
A composição intitulada Deposição da Cruz ou Descida da Cruz é um dos trabalhos mais famosos de Rogier van der Weyden, considerado uma obra-prima da pintura antiga dos Países Baixos. Por muito pouco o mundo não perdeu esta maravilha que, ao ser enviada à Espanha pela regente húngara Maria, quase pereceu num naufrágio. Esta obra — pintada para a capela de Crossbowmen de Louvin — mostra o auge da maturidade artística de Van der Weyden.
A Deposição da Cruz é a parte central de um tríptico, cujos painéis laterais, uma vez separados, acabaram se perdendo com o tempo. A obra foi encomendada pela Guilda dos Arqueiros de São Jorge em Louvain, na atual Bélgica. Nos cantos do quadro o pintor adicionou arcos (bestas) — estruturas decorativas em homenagem aos arqueiros que a encomendaram. Assim como as esculturas contemporâneas, ela é disposta teatralmente. Um exíguo espaço abriga dez figuras esculturais, comprimidas, sendo três no centro, quatro à esquerda e três à direita, impedindo o aprofundamento do cenário arquitetônico.
A obra possui forma retangular, sendo que no centro está um saliente (ressalto) na parte superior, onde se encontra o jovem na escada, responsável por ajudar a descer o corpo de Cristo. A composição com tema religioso tem um fundo liso de ouro — elemento típico da arte gótica — que simboliza a eternidade e o próprio divino. As figuras que pendem da esquerda para a direita parecem esculturas multicoloridas. As paredes são responsáveis por enclausurar o palco do acontecimento. O chão é de pedra e nele crescem algumas plantinhas floridas.
A cena pintada por Van der Weyden em que o corpo de Cristo é retirado da cruz é carregada de intensa emoção e realismo, com os personagens profundamente consternados, ocupando um reduzido espaço sem profundidade, o que ressalta mais ainda o sofrimento das nove figuras presentes à deposição de Cristo. Há em toda a pintura um perfeito equilíbrio advindo da simetria das figuras e da profunda expressão dos rostos dos personagens, como os olhos avermelhados e as lágrimas que escorrem pelo rosto de alguns deles.
Van der Weyden mostra diversas expressões de dor diante do corpo do Cristo crucificado. Elas vão desde o desespero de Maria Madalena, com as mãos contorcidas, à extrema direita, ao sofrimento silencioso dos santos que ajudam a segurar o corpo de Jesus. Juntas no espaço e no sofrimento as personagens repassam a ideia de que vivem um momento dramático em razão de tão grande perda. A postura plácida dos anciãos contrasta com a dos demais personagens.
As cores apresentadas na composição são fortes, evidenciando a simbologia medieval que acentua o clima de tragicidade. São João Evangelista — segurando a Mãe de Cristo em seu desmaio — veste um manto rubro que simboliza a Paixão de Cristo. Por sua vez, o azul das vestes da Virgem simboliza a perseverança da Fé. O branco do tecido que envolve sua cabeça, representa a pureza e a inocência. Os trajes luxuosos de Nicodemos — segurando os pés de Jesus — simbolizam a fugacidade do luxo e da pompa dos dominadores da terra, diante da caveira e dos ossos dispersos — o fim de todo homem.
O corpo sem vida de Cristo — amparado por José de Arimateia — está postado bem à frente do observador. Ele é o centro da composição. Apesar das cinco chagas e da coroa que lhe perfura a cabeça, o corpo de Jesus é formoso. José de Arimateia segura-lhe o tronco, enquanto Nicodemos segura-lhe os pés. As áreas vermelhas presentes nas roupas de alguns personagens, além de serem simbólicas dão destaque às chagas de Jesus. O branco do lençol de linho com que José de Arimateia e Nicodemos envolvem o corpo do Mestre contrasta com a sua pele marmórea.
São João Evangelista — a quem Jesus pediu para tomar conta de sua mãe — está inclinado para a frente na tentativa de amparar a Virgem em seu desmaio. De seu rosto escorrem lágrimas. Seu sofrimento é visível, embora contido, pois tem que repassar forças para Maria — a mãe do crucificado — que passa por uma extrema agonia emocional ao ver seu filho morto sob tamanha tortura. Sua pele tem a mesma cor pálida do filho. Ambos estão na mesma posição de abandono. Atrás de São João Evangelista está Maria, mulher de Cléofas — um dos discípulos de Jesus. A mulher de verde não é identificada, sendo provavelmente uma das seguidoras de Cristo. Embora a Bíblia não registre nada sobre isso, era comum adicionar três ou quatro Marias na Crucificação de Cristo.
O homem que se encontra atrás de Nicodemos é um dos seguidores de Cristo. Ele traz na mão direita um pote de unguento. Recostada nele se encontra Maria Madalena, dobrada numa grande contorção em razão da dor extremada que sente ao ver o Mestre morto. Ela usa um cinto que simboliza a virgindade e a pureza. O cinturão está alinhado com os pés de Cristo e a cabeça da Virgem. Sobre a escada que conduz à cruz espremida no centro da composição está o criado, cuja cabeça não é visível em sua totalidade. Ele traz na mão direita os pregos retirados das mãos de Cristo, enquanto com a esquerda segura seu braço inerte.
Van der Weyden fez diversas correspondências na pintura: o movimento do corpo de Cristo assemelha-se ao da Virgem, assim como sua mão esquerda corresponde à direita de Maria e sua mão direita corresponde à esquerda dela. Assim, Maria aparece na mesma posição de seu filho, significando que ela sofre a mesma dor pela qual ele passou. Por sua vez, a posição de São João Evangelista numa ponta do quadro é similar à de Maria Madalena na outra. A presença de um crânio no lado inferior esquerdo da composição — entre Maria e São João — tem a finalidade de reforçar o objetivo pelo qual Cristo se imolou — remir o pecado original cometido por Adão e Eva que simbolizam toda a humanidade.
A Deposição da Cruz é uma obra que tem sido muito copiada ao longo dos tempos. Ela domina a pintura flamenga do século XV, sendo muito difundida na Espanha e objeto de inumeráveis cópias. Já na década de 1430 teve uma réplica feita por um pintor desconhecido para a capela de uma família de Lovaina, na igreja de São Pedro e que se encontra hoje no Museu Stedelijk de Lovaina. Vale a pena ampliar a figura acima (clicando nela) e observar os detalhes das roupas e adornos dos personagens, sobretudo o véu de Maria Madalena e seu cinto.
Ficha técnica:
Ano: c. 1435
Técnica: óleo sobre madeira
Dimensões: 220 x 262 cm
Localização: Museo del Prado, Madrid, Espanha
Fontes de pesquisa:
501 grandes artistas/ Sextante
Gênios da pintura/ Abril Cultural
A história da arte/ E.H. Gombrich
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
Gótico/ Taschen
Tudo sobre arte/ Sextante
Arte em detalhes/ Publifolha
Views: 11
Lu
Chama a atenção a densidade emocional deste quadro pela força das cores e expressão de cada personagem. Passa também uma sensação de força cinética que impressiona.
Antônio
Essa obra de Weyden é realmente belíssima e, com razão, encontra-se entre as grandes obras-primas da pintura.
Abraços,
Lu