Arquivo da categoria: Mitos e Lendas

O mito é uma narrativa na qual aparecem seres e acontecimentos imaginários, que simbolizam forças da natureza, aspectos da vida humana, etc. A lenda é uma narração escrita ou oral, de caráter maravilhoso, na qual os fatos históricos são deformados pela imaginação popular ou pela imaginação poética.

A CRIAÇÃO DA NOITE E O URUTAU

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Os índios Tembé contam que, muitos e muitos anos atrás, só havia o dia. Tudo que existia na Terra vivia na mais absoluta claridade. Não havia nem mesmo um pouquinho de escuro para se tirar uma soneca. Bichos e gentes dormiam e acordavam com a luminosidade que alumiava tudo. Porém, o sono em tal resplandecência não descansava o espírito do corpo e nem o da mente e eles levantavam como se nunca tivessem dormido.

Passando pela aldeia, certo dia, um velho adivinho contou à tribo que encontrara dois potes que continham dentro de si a escuridão, mas que eram guardados pelo diabo Azã que de perto deles não arredava pé. Ansiosos por encontrarem a escureza, os índios resolveram enfrentar o demônio, custasse o que custasse. E assim rumaram para o local indicado pelo adivinho que sabia de tudo e mais um pouco.

Mesmo de longe já era possível ouvir a cantoria dos bichos da noite: grilos, rãs, curiangos, corujas, morcegos e inúmeros outros que nem dou conta de enumerar. E foi bem de longe que os guerreiros da tribo jogaram suas flechas, destroçando o pote menor. Mas tiveram que sair em disparada, pois a noite vinha atrás deles com bandos e bandos de bichos que eles não conheciam. Assim que chegaram às suas palhoças… Bow! Caíram dormindo nas suas camas de vara. Mas a alegria durou pouco, pois logo a claridade voltou, ainda mais cheia de pirraça, alumiando cantinho por cantinho.

Os guerreiros Aracuã, Urutau e Jacupeba que hoje são passarinhos, mas naquela época ainda eram gente, resolveram quebrar o pote maior, mesmo que o diabo Azã perto dele montasse guarda, ainda mais cheio de raiva. Os três valentões deveriam sair na maior pressa, assim que espatifasse o pote, pois a escuridão viria atrás deles. Eles não sabiam o que poderia lhes acontecer. E assim foi feito. Porém, Urutau enrodilhou o pé num cipó e tombou no chão, sendo colhido pela noite. É por isso que ele se transformou numa ave noturna.

Nota: imagem copiada de ultradownloads.com.br

A MULHER NASCEU DO RABO DO DIABO

Recontado por Lu Dias Carvalho

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Até a melhor das mulheres esconde nas entranhas uma costela do diabo. (Provérbio romeno)

Não há nada de bom a esperar da nossa costela. (Provérbio russo)

Como já dissemos em algumas postagens, os provérbios e os mitos, quase sempre, não são generosos com a mulher, enquanto glorificam o homem. Mesmo a Bíblia, especialmente em Gênesis, e em outras passagens, vem sendo interpretada pela teologia cristã, através dos tempos, mostrando a primazia do macho humano. Mas existe um mito africano que traz uma trama ainda mais instigante em relação à criação da mulher, o que nos prova que, quanto mais uma cultura trata o homem e a mulher diferentemente, maiores são as dissimilitudes ao conceituá-los. Vamos ao mito!

O anjo Gabriel foi enviado à Terra pelo Criador, com a incumbência de retirar uma costela do corpo de Adão, enquanto ele dormia o sono dos justos. E assim o fez o fiel enviado. Contudo, ao voltar para o Céu, levando tão preciosa encomenda, encontrou ninguém menos do que o Diabo em pessoa. De olho no objeto que o anjo levava com muito cuidado, intuiu o cafuçu que ali estava algo valioso. Daria um jeito de descobrir, ou não seria chamado de pé-cascudo e tinhoso. Ele então interpela Gabriel, amistosamente, mas com segundas e terceiras intenções, coisa de seres malfazejos, sempre prontos a dar o bote:

– Olá, Gabriel, como vais? O que fazes por estas bandas?

O anjo respondeu cortesmente, pois mesmo Belzebu merece respeito, e continuou tranquilamente o seu voo. Mas o capiroto não se deu por vencido, e continuou:

– O que é isso que levas com tanto cuidado, amigo?

Já ficando meio irritado, Gabriel já não foi tão cortês como da primeira vez, respondendo ao inoportuno curioso:

– Não é da tua conta. Preocupa-te com a tua vida. Siga o teu caminho!

Foi aí que a curiosidade do rabudo aumentou, uma vez que Gabriel sempre fora muito gentil e se mostrava ali tão nervoso. Ele precisava saber que objeto era aquele. Mas vendo que daquele mato não saía coelho, o excomungado sentiu que era obrigado a partir para uma ação mais eficaz, pois aquele nhem-nhem-nhém não levaria a nada. O coisa-ruim, então, avançou no delicado anjo e roubou-lhe a costela, não a costela do anjo, mas a costela do dorminhoco Adão, que deveria estar amargando terríveis dores. Mas isso era problema dele e do Criador. Não é hora de transgressão, pois a luta entre o diabo e o anjo acirrou-se.

A batalha entre os dois foi ficando cada vez mais exacerbada. Ainda não era possível saber quem sairia vitorioso do embate. Mas, se alguns olhos, ainda que espirituais, observassem a cena, com certeza apostariam no maligno com suas asas enormes e cauda de forquilha, diante da delicadeza do corpo do anjo. Num lance de sorte, Gabriel agarrou a cauda do Diabo com tanta força que ele, o rabudo, ao tentar se desvencilhar de seu perseguidor, teve o seu rabo partido. Fugiu uivando de dor e deixando uma parte dela nas mãos do enviado do Criador.

Mas um problema ainda restava ao pobre anjo que se encontrava num mato sem cachorro, chateado por não ter dado conta do recado. Como poderia chegar ao Céu de mãos abanando? Com que cara enfrentaria o Senhor de todas as coisas? Levou então o pedaço da cauda do espírito das trevas para seu Senhor, que o recebeu sem tecer nenhum comentário. Portanto, meus queridos leitores, foi dessa parte esdrúxula do anjo das trevas que se criou a primeira mulher, como diz a lenda, embora toda lenda já traga o selo da mentira.

Mesmo assim, alguns pontos não ficaram bem claros para mim. Será que o anjo Gabriel mentiu para o Criador, dizendo-lhe que o rabo do demo era a costela de Adão, de modo que a mulher já nasceu como fruto de uma mentira? E, se assim foi, estaria o Senhor do mundo com a vista cansada, para não reconhecer a diferença entre um rabo e uma costela? Supondo que Ele soubesse do ocorrido, não poderia ter dispensado o rabo do capeta e criado a mulher de flores silvestres ou do arco-íris? Penso eu que, penalizado com o aperto de Gabriel, o Criador fez de conta que usou o material satânico na confecção da fêmea humana, quando na verdade fê-la das mais belas e perfumadas rosas do paraíso. Por isso, nós somos tão especiais.

Nota:  Se gostaram do texto acima, leiam LILITH – A PRIMEIRA MULHER DA TERRA

Fontes de pesquisa:
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
Livro dos provérbios, ditados, ditos populares e anexins/ Ciça Alves Pinto
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel

Nota: Imagem copiada de www.zazzle.pt 

Mit. – DÉDALO E ÍCARO AO FUGIR DA ILHA DE CRETA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Ainda que me barre o passo por terra e mar, eu ainda tenho o céu. Para ele, eu me encaminharei. Minos pode governar tudo, mas não é o senhor do ar. (Dédalo)

Certo pescador, que está pescando peixes com sua oscilante vara de pesca, ou um pastor, apoiado em seu bastão, ou um fazendeiro com o arado, contemplam-nos maravilhados, e pensam que se eles podem flutuar no éter devem ser imortais. (Ovídio)

Conta o mito grego que Dédalo, através de sua profissão de ferreiro, tornou-se um criativo inventor. Tinha com ele inúmeros aprendizes, mas um deles, Talos, observava o mestre com atenção desmedida, apesar de seus 12 anos. E foi assim que passou a criar coisas inimagináveis. Uma de suas primeiras invenções foi a serra, após observar a espinha dorsal de um peixe. Não demorou muito para que o garoto viesse a tornar-se muito famoso em Atenas, fato que despertou o ciúme de seu mestre.

Dédalo, irritado com a fama de Talos, levou-o à Acrópole, subindo no alto telhado do templo da deusa Atena e empurrando-o para baixo. Ainda que mentisse dizendo que o rapazinho havia tropeçado, ninguém acreditou nele, pois sua má fama corria longe. Como castigo ele foi enviado para o exílio na ilha de Creta, na corte do rei Minos. Para sua sorte, sua engenhosidade e habilidade como artesão levaram-no a ocupar ali um lugar de destaque.

Seu feito mais notório foi a construção de uma vaca de madeira a pedido da rainha que se encontrava apaixonada por um touro branco. E foi assim que, escondida dentro da vaca falsa, ela foi fecundada pelo touro. Dessa cúpula nasceu o Minotauro — monstro com corpo humano e cabeça de touro. Amedrontado, o rei Minos pediu a Dédalo que construisse um labirinto para aprisionar o monstro. Mas assim que o rei descobriu que o responsável por tudo fora o ferreiro, ao construir a vaca de madeira para sua esposa, aprisionou-o juntamente com seu filho no labirinto, como castigo. Todos os navios passaram a ser vigiados, para que a dupla não fugisse, caso conseguisse sair do labirinto, uma vez que a engenhosidade de Dédalo era impressionante.

Dédalo percebeu que sua fuga só podia acontecer através do ar. E assim pôs-se a construir dois pares de asas, um para si e outro para Ícaro. As penas maiores foram presas com corda e as menores com cera. Depois de tudo pronto, chamou o filho e deu-lhe todos os conselhos possíveis acerca do voo. Deveria voar à meia altura, distante da água e do sol. O pai saiu voando na frente, mas o entusiasmo de Ícaro fez com que ele perdesse a noção da realidade e viesse a esquecer-se das orientações recebidas. O moço com suas asas derretidas caiu no mar.

Segundo a lenda, Talos, ao ser empurrado para baixo foi salvo por Atena que o transformou numa perdiz. Esse pássaro, por se lembrar de seu passado, só voa perto do chão e bota seus ovos em arbustos. Ele assistiu à morte de Ícaro e no seu canto disse que Dédalo carregará sua culpa para sempre.

Nota: Dédalo e Ícaro tentando fugir da ilha de Creta – Mitologia Grega – A Queda de Ícaro, óleo sobre tela de J. P. Gowy a partir de um esboço de Rubens, século XVII

Fonte de pesquisa
Los secretos de las obras de arte/ Taschen

Mit. – BAUCIS, FILÊMON E A HOSPITALIDADE

Recontado por Lu Dias Carvalho

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O todo poderoso Júpiter, acompanhado do deus Mercúrio, ambos usando a forma humana, resolveram visitar certa região da Frígia. Queriam ver como andava a bondade das pessoas. E assim bateram em muitas portas sem serem atendidos, ainda que se apresentassem como viajantes muito cansados. Todos lhes recusavam comida e repouso, enquanto outros nem mesmo abriam a porta. Quando já se encontravam fartos da peregrinação e da má vontade dos habitantes, foram surpreendidos com o acolhimento de um casal, que morava numa cabana, onde imperava a humildade e a hospitalidade.

Filêmon e sua esposa Baucis, já idosos, receberam os hóspedes celestiais com a maior alegria, oferecendo-lhes o que de melhor tinham em sua choupana, embora não soubessem quem eram eles. Não só se preocuparam em alimentar e dar repouso aos deuses, como providenciaram água para a limpeza corporal desses. Um pouco de vinho acompanhou a sopa quente, para restaurar as forças dos supostos homens. É fato que tentaram matar o único ganso que possuíam para vigiar a morada, mas esse acabou fugindo. Mas qual não foi a surpresa do casal, ao observar que o vinho não acabava nunca. O jarro encontrava-se sempre cheio, ainda que os dois pensassem ter servido todo o líquido.

Ao aperceber que se tratava de dois deuses, ali presentes, o casal sentiu-se envergonhado por sua pobreza, pedindo-lhes que não levassem a mal aquele acolhimento tão singelo. Os deuses responderam:

– Esta aldeia será maldita por ter negado hospedagem a nós. E não tardará a receber o seu quinhão. Mas vós, não estareis sujeito a ele. Acompanhai-nos até o alto daquele monte.

O casal de idosos subiu o monte, com muita dificuldade, atrás de Júpiter e Mercúrio. E ao olharem lá de cima, notaram que o local, que havia deixado para trás, transformara-se num lago. Contudo, no lugar em que erguia sua humilde choupana, encontrava-se um reluzente templo. A seguir, o deus dos deuses pediu aos dois que lhe expressassem um desejo. Baucis e Filêmon retiraram-se por uns minutos para conversar entre si e voltaram dizendo que desejariam ser o os sacerdotes daquele templo. E assim aconteceu.

Já bem velhinhos, mal aguentando ficar de pé, estavam os dois a contar a história do templo, diante desse, quando Baucis viu Filêmon cobrir-se de folhas e ele a viu sofrer a mesma metamorfose. Até hoje ali se encontram as duas árvores, uma juntinha à outra, transformação de duas pessoas que se amaram muito e que tinham a hospitalidade como uma grande virtude.

Nota: Filêmon e Baucis, obra de Adam Elsheimer

Fontes de Pesquisa
Mitologia/ Thomas Bulfinch
Mitologia/ LM

Mit. – A VINGANÇA DA DEUSA LATONA

Recontado por Lu Dias Carvalho

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Latona, a deusa da maternidade e protetora das crianças, foi também uma das amantes do fogoso deus Júpiter, esposo da ciumenta deusa Juno, que castigava quem mantivesse contato amoroso com o marido, enquanto o bonitão aprontava uma atrás da outra, sem ser castigado. E Latona, assim como Io e Calisto, foi uma das vítimas.

Ao descobrir que a rival carregava no ventre dois filhos de Júpiter, os gêmeos Apolo e Ártemis (Diana), a deusa Juno ficou abespinhadiça, como se não conhecesse o marido que tinha. Pediu à Gaia (Terra) que não lhe desse asilo em lugar algum, de modo que Latona não pudesse ter seus filhos e tampouco criá-los. A vítima só conseguiu abrigo na ilha flutuante de Ortígia, que depois teve o nome mudado para Delos. Tratava-se de uma esfera cercada por água. Foi ali que a infeliz Latona deu à luz os gêmeos. E foi dali que ela partiu para a Lícia, carregando seus dois tesouros nos braços.

Chegando, cansada e sedenta pela longa viagem até Lícia, Latona correu para uma lagoa de águas límpidas, para matar a sede que a devorava. Trabalhavam no local, várias pessoas, colhendo junco. E, para surpresa da deusa, ela foi impedida de beber água, ainda que essa fosse uma dádiva da natureza e por ela implorasse em nome de seus filhinhos. Como se instados pela vingança de Juno, os camponeses não permitiram que ela matasse sua sede. E fizeram mais, revolveram a lama do fundo da lagoa, para que a água ficasse suja. Diante de tamanha humilhação, a deusa Latona fez uso de seus poderes. Se não fosse por bem, que fosse por mal. Castigou os insensatos e grosseiros humanos.

A deusa rogou aos céus pedindo que aquelas pessoas desalmadas, nunca mais pudessem sair da lagoa. E seus rogos foram ouvidos. Todos foram transformados em sapos e rãs. Ainda que pudessem ficar por algum tempo fora da água, precisariam a ela retornar,

Nota: Latona com seus filhos Apolo e Ártemis (Diana), obra de William Henry Rinehart (1870)

Mit. – ÁCIS, GALATEIA E POLIFEMO

Recontado por Lu Dias Carvalho

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A bela jovem Silas jamais se deixava sucumbir pelos ardores de seus pretendentes. Ao contrário, sentia-se incomodada por eles, o que a levava à gruta de Galateia, uma ninfa do mar, para contar-lhe sobre tais arroubos. Mas certo dia, a ninfa desabafou com ela, dizendo-lhe que sua sorte ainda era mais cruel, pois, enquanto ela podia fugir dos perseguidores humanos, ela só conseguia fugir do ardor apaixonado dos ciclopes dirigindo-se para as profundezas marítimas. Silas compreendeu que algo maior encontrava-se por trás das lágrimas de Galateia, e pediu-lhe que contasse sua história.

A jovem ninfa começou então a falar de Ácis, filho de Fauno e de uma Náiade. Os dois amavam-se desde jovenzinhos, mas os ciclopes não a deixavam em paz, em busca de sua companhia, especialmente Polifemo, por quem nutria um grande ódio. Ele era um gigante violento e irrefreável, que vivia a aterrorizar os bosques, que provocava até mesmo o poderoso Júpiter, o deus dos deuses. E para piorar o seu tormento, aquele ser abominável acabou por conhecer o amor e suas paixões, escolhendo-a como motivo de sua avassaladora obcecação. Não mais se preocupava com seus rebanhos ou com as embarcações que aportavam, trazendo estrangeiros ingênuos, e até procurou se enfeitar para agradá-la. Ela só se sentia em paz quando se encontrava nas profundezas abissais do oceano. Mas precisava voltar até a terra, pois era ali que se encontrava seu grande amor – Ácis.

De uma feita – continuou Galateia a contar sua história – estava ela com Ácis, quando Polifemo subiu num rochedo e, com seu gigantesco instrumento feito de tubos, começou a cantar seu amor por ela e sua beleza, também a censurando por sua indiferença e dureza de coração. Nesse momento, ela e Ácis encontravam-se abrigados sob um rochedo. Como o ciclope acabasse com a sua cantoria, ela e seu amado não mais se preocuparam com ele. Adentrando-se no bosque, porém, Polifemo encontrou-a ao lado de Ácis. Aterrorizada, ela mergulhou nas águas, enquanto o jovem corria desesperado, gritando por ela e pelos pais, tendo o monstro a seu encalço. Ele então, arrancou um pedaço de um rochedo e desferiu-o contra Ácis, esmigalhando-o.

O sangue de Ácis transformou-se num rio que tem o seu nome.

Nota: Polifemo y Galatea, afresco de Aníbal Carracci

Fontes de Pesquisa
Mitologia/ Thomas Bulfinch
Mitologia/ LM