Autoria de Lu Dias Carvalho
Dentre as dezenas de sambistas com obra de qualidade superior, Cartola ocupa uma posição singular. Suas músicas e letras têm uma “marca d’água” que as torna facilmente identificáveis mesmo por quem desconhece sua autoria. (Sérgio de Oliveira, jornalista, diretor de uma editora de revistas de negócios)
Cartola não tem sucessor, ele que me perdoe lá em cima. Seu trabalho é único. (Paulinho da Viola, tido como sucessor de Cartola)
A fama chegou até sua porta sem ser procurada. O discreto Cartola recebeu-a com cortesia. (Carlos Drummond)
O compositor e cantor Agenor de Oliveira nasceu em 1908, na cidade do Rio de Janeiro/RJ. Castro Alves, Gonçalves Dias, Olavo Bilac e Guerra Junqueira supriram a sua pouca educação formal. Só havia feito o primário.
Até os 11 anos de idade, o garoto Cartola levava uma vida normal, sempre protegido pelo avô, até a morte dele. Sua família grande, composta pelo pai, mãe e seis filhos, foi obrigada a se mudar para a favela do Morro da Mangueira, onde existiam cerca de 50 barracos que davam início a uma nova favela. Com a vinda de mais três irmãos, foi obrigado pelo pai a trabalhar, uma vez que era o filho mais velho. Tudo que ganhava era entregue ao genitor, o que o revoltava. Cartola não ficava por muito tempo num mesmo trabalho. Passou também a se enturmar com as bocas e os malandros do morro, levado por Carlos Cachaça, seis anos mais velho do que ele, e que se tornou o seu primeiro amigo no morro e, posteriormente, parceiro de sua vida inteira.
O apelido de Cartola veio com o seu trabalho de servente de pedreiro, quando passou a usar um chapéu coco, para proteger sua cabeça do pó de cimento. O fato é que o novo pedreiro passou a usar o chapéu também fora do serviço, nascendo daí o apelido que o acompanhou pelo resto da vida.
Quando tinha 17 anos, Cartola perdeu sua mãe em consequência de um parto. Eclampsia. O médico chamado queria primeiro saber se a família tinha dinheiro para pagar a consulta. Quando chegou com a assistência, a mulher já estava morta. Mesmo assim, o tal médico ainda tentou receber o pagamento. À tragédia vivida pela morte da mãe ajuntou-se a expulsão de casa pelo pai, que não aceitava sua malandragem e a falta de empenho para permanecer nos empregos que arranjava. Assim, Cartola viu-se sem casa e sem família.
O garoto vagava pelo morro, sem paradeiro certo, e passava muitas noites nos trens de subúrbio, indo e voltando, aproveitando para dormir. Acabou encontrando a zona de meretrício, onde fazia e ganhava favores. Ali, também foi acometido por inúmeras doenças venéreas. Sua condição era tão sofrida que, vivendo faminto e doente num barraco emprestado pela Mangueira, ganhou a atenção de uma vizinha. Deolinda, 25 anos, teve pena do rapaz e passou a tratá-lo como se fosse um filho. Mas a coisa não ficou só nisso. Garoto e mulher passaram a ter uma relação mais íntima. O marido abandonou Deolinda, a filha e o sogro. De modo que, aos 18 anos, Cartola já chefiava uma família. E, para ampliar a família, vieram mais tarde morar com eles: uma tia de Deolinda, um primo, um irmão, um amigo de Cartola e uma moça que não tinha onde viver. Deolinda sustentava a casa lavando roupa, pois, seu atual companheiro preferia tomar umas biritas, tocar violão e fazer sambas, embora trabalhasse esporadicamente como pedreiro. E, como o mundo dá voltas, Cartola ainda acolheu o ex-marido de Deolinda, Astolfo, tuberculoso e sem ninguém.
Cartola e seus amigos planejaram criar um “bloco” para alegrar o Morro da Mangueira e os morros vizinhos. O Bloco dos Arengueiros tinha samba no pé. A partir daí, ele e sete amigos fundaram uma escola de samba, a fantástica Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, com o objetivo de reunir todos os blocos do morro. Cartola era o diretor de harmonia e, com diversos parceiros, criava os sambas cantados pela Mangueira nos desfiles. Seu samba passou a ser olhado com simpatia por cantores famosos como Mário Reis que comprou um deles: Infeliz Sorte. Sendo que, entre 1932 e 1933, teve sete sambas gravados pelos cantores mais importantes da época.
Cartola tornou-se amigo do compositor Noel Rosa que almoçava na sua casa, jantava e dormia, muitas vezes. Também se tornou admirado por Heitor Villa Lobos que o ajudou a participar de shows e de um filme. Mas em 1946, foi vitimado pela meningite que quase o levou. A penicilina e os cuidados de Deolinda ergueram-no. Ao se recuperar compôs um de seus clássicos: Grande Deus
Deus, grande Deus/ Meu destino, bem sei, foi traçado pelos dedos teus/ Grande Deus, de joelhos eu aqui voltei para ti implorar/ Perdoai-me, sei que errei um dia(…)/ Julguei, Senhor, daquele sonho jamais despertaria/ Se errei, perdoai-me pelo amor de Maria.
Depois de sua mãe, Deolinda foi a sua grande perda. Morreu em casa, vítima de uma doença cardíaca, deixando Cartola sozinho, rejeitado pela escola de samba que ajudara a criar. Magoado, ele deixou o morro, parou de tocar e compor por um período de seis anos. Muitos supunham que ele estivesse morto. Quando Carlos Cachaça, seu velho amigo, encontrou-o, estava embelecado com certa Donária, vivendo como lavador de carros e vigia de prédios, mas o amigo tirou-o da encrenca. À época, Cartola estava sem dentes, magérrimo, consumindo 2 litros de cachaça por dia e fumando muito. E foi desse jeito que Zita, irmã de Menina, mulher do amigo Carlos Cachaça, aceitou-o, fazendo-o retornar à vida.
Cartola voltou a morar no morro da Mangueira, a contatar os velhos amigos que já o julgavam morto. Ao encontrar Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), foi abordado pelo colunista que falou sobre ele em sua coluna, levando-o para trabalhar na Rádio Mayrink Veiga. Vários admiradores do artista, inclusive políticos, passaram a ajudá-lo, embora ainda não tivesse conseguido se livrar da cachaça totalmente.
Cartola e Zita abriram um restaurante, O Zicartola, onde se reuniam sambistas do morro e a juventude da zona sul carioca. Mas, como não era um bom administrador, o restaurante acabou fechando as portas, mas Cartola continuou compondo sambas, sendo considerado por muitos músicos e críticos como o maior compositor de samba da história da música brasileira.
Cartola já tinha 40 músicas gravadas e pequenas participações em discos coletivos, mas nunca gravara um disco seu. Os executivos das gravadoras alegavam que ele já estava velho. Foi João Carlos Botezzeli, o Pelão, quem conseguiu que ele gravasse seu primeiro LP, que ganhou inúmeros prêmios e foi unanimidade na crítica elogiosa. Reconhecido seu talento musical, Cartola, que foi pedreiro, tipógrafo, lavador de carro, funcionário público e dono de bar, passou a se disputado por gravadoras, vindo a ser contratado pela poderosa RCA-Victor, excursionando pelo país através do Projeto Pixinguinha.
Apesar do sucesso artístico, financeiro e do reconhecimento nacional, o estado de saúde de Cartola era precário. Havia fumado e bebido demais. Foi diagnosticado com um câncer na tireoide, operou, mas não levou a sério o tratamento. Teve um derrame cerebral. O câncer voltou e foi feita nova cirurgia. Cartola veio a falecer em 1980, aos 72 anos de idade. Morreu sem deixar filhos.
Frustação de Cartola
Era sonho seu que Roberto Carlos gravasse uma de suas composições. A sugerida era “As Rosas Não Falam”, mas Roberto recusou gravá-la sob a alegação irônica de que na sua cobertura na Urca, tanto as rosas quanto os outros vegetais mantinham diálogos diários com ele. Hoje, “As Rosa Não Falam” é uma das músicas mais conhecidas e admiradas de Cartola, ao lado de “O Mundo é um Moinho”.
Nota: Ouçam, clicando no link abaixo, As Rosas Não Falam.
http://www.youtube.com/watch?v=te2HfDsXcXs
Fontes de perquisa:
Raizes da Música Popular Brasileira/Coleção Folha de São Paulo
Wikipédia
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