Autoria de Lu Dias Carvalho
É sabido que os antidepressivos não funcionam igualmente para todas as pessoas, variando substancialmente de uma para outra. Até mesmo nas reações adversas, podem ser percebidas diferenças. Há casos, por exemplo, em que algumas pessoas, fazendo uso de uma mesma substância ativa, perdem o apetite, emagrecendo, enquanto outras passam a comer sem limites, engordando. Portanto, quando alguém diz que o antidepressivo X ou Y não o beneficiou, pode estar coberto de razão. É por isso que é muito difícil o tratamento com tais medicamentos, pois o psiquiatra trabalha com hipóteses em relação ao paciente, ou seja, com erros e acertos. É o medicado quem irá definir seus avanços, se está melhorando ou não. É a descrição de seu estado físico e mental que irá dar o aval ao psiquiatra para continuar, aumentar, diminuir, ou mudar o antidepressivo.
O sumiço da SP (síndrome do pânico) é um dos resultados mais visíveis no tratamento com antidepressivos. A ansiedade e a depressão, contudo, são mais difíceis de serem combatidas, até mesmo pela visão que o paciente passa a ter sobre o próprio tratamento. Ingenuamente, imagina, na maioria das vezes, que ao tomar um antidepressivo, nunca mais terá ansiedade ou tristeza, pois está fazendo uso da pílula da felicidade. Esquece-se de que também se faz necessário mudar certos comportamentos, levar menos carga nos ombros, pautar a vida pela tolerância consigo e com os outros, aceitar o que não pode mudar, em suma, viver com mais leveza.
Embora tomemos um antidepressivo, o que melhora consideravelmente nossa qualidade de vida, continuamos humanos do mesmo jeito, com alegrias, tristezas, esperas, aborrecimentos, indignações, decepções, etc. O modo como tratamos essa gama de emoções é que faz toda a diferença. O antidepressivo funciona como um fator de equilíbrio das nossas emoções desenfreadas, fazendo com que nossos neurônios passem a funcionar dentro daquilo que denominamos “normalidade”, mas em hipótese alguma transforma-nos em seres divinos, acima do bem e do mal, habitantes de um paraíso imaginário. E, se alguém, ao tomar um medicamento tal, vê-se como um zumbi, desprovido de emoções boas e ruins, deve imediatamente voltar ao psiquiatra, pois encontra-se no vale das sombras.
Sou uma velha usuária de antidepressivos, caminhada que vem desde a minha adolescência. Venho de uma família de depressivos crônicos, pelo lado materno, herança deixada, desde a passagem de minha bisavó por este planeta, passando por minha avó, mãe, tias, um monte de primos, numa muito bem repartida herança. É fato que alguns parentes privilegiados fugiram à regra. A genética permitiu-lhes abrir mão de tal herança, legando-a, generosamente, a nós outros. Já passei por uma infinidade de antidepressivos dos mais variados laboratórios. Com alguns me fiz amante temporária, em razão das brigas de foice com o meu organismo. Com outros amásios convivi bons tempos, até que passaram a não me satisfazer mais (coisa da vida a dois). Atualmente encontro-me nos braços do oxalato de escitalopram. Confesso que temos formado um bom par, embora haja dias em que lhe viro a cara, ou seja, sinto-me deprimida com os reveses da vida. O que faço? Apenas exclamo: Obá! Continuo humana!
O que as pessoas precisam entender é que, junto com o tratamento psiquiátrico, faz-se necessário mudar caminhos, traçar novas rotas na busca pelo mais importante coadjuvante do tratamento químico: uma nova maneira de olhar e aceitar a vida. Confesso que, ao aliar uma busca pelo Caminho do Meio, ou seja, pelo equilíbrio de minhas emoções, eu encontrei o segundo remédio mais profícuo para a minha depressão. Parei de botar toda a responsabilidade no antidepressivo, para dividi-la comigo mesma. Em suma, tomei consciência de que a pílula da felicidade é ainda um mito, e que assim seja eternamente, pois o sofrimento é o sentimento que mexe visceralmente com o nosso âmago, tornando-nos realmente humanos. É dele que nasce a sensibilidade, a compaixão, a generosidade, a gratidão, a autopreservação, em suma, o amor à vida como um todo.
É bom que se saiba que não existe resultado 100% efetivo em relação a esse ou àquele antidepressivo, porque ninguém é 100% feliz neste nosso planeta chamado Terra. Só a certeza de nossa finitude é um soco no estômago. Existem algumas teorias que aludem a essa fugacidade a busca exagerada por riquezas e poder. Segundo elas, alguns, mais do que outros, não aceitam esta certeza que habita em cada um de nós, pobres mortais. E se agarram às coisas materiais e ao poder no sentido de preencher tal vazio e fugirem dessa certeza inquestionável. São pessoas perigosamente enfermas.
Aos meus companheiros de caminhada, fica a sugestão de que se tratem à vista de problemas mentais, procurando um psiquiatra de confiança. Mas, mais do que isso, que procurem também ser mais compassivos consigo e com os outros. Nossa caminhada pela Terra é tão veloz, para que carreguemos nos ombros pesados fardos Quanto mais leveza, mais descansados estaremos para ver a beleza que existe ao nosso derredor. Temos que deixar as sendas do materialismo doentio, que nos instiga a ver alegria apenas nos grandes favorecimentos, e alegrar-nos com pequenas coisas: com uma flor que se abre no jardim, um beija-flor que pousa na janela, um papo com alguém agradável na rua, um favor feito, uma comidinha gostosa, o cumprimento do vizinho, o roçar do gato e a festa do cão à chegada dos donos em casa, um banho refrescante, uma chuvarada, um pôr-do-sol, uma tarde de trovoadas, o contato com as pessoas queridas… Não esperem um tempo especial para se sentirem alegres, até que já não saibam mais sorrir. Comecem agora. Já!
Nota: na ilustração estão duas pinturas de Edvard Munch (Noite de Verão e Melancolia)
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SÍNDROME DO PÂNICO – O MEDO DO MEDO
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