O PRESÉPIO

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Autoria de Rubem Alves

A contemplação de uma criancinha amansa o universo. O Natal anuncia que o universo é o berço de uma criança

MENINO, LÁ EM MINAS, eu tinha inveja dos católicos. Eu era protestante sem saber o que fosse isso. Sabia que, pelo Natal, a gente armava árvores com flocos de algodão imitando neve que não sabíamos o que fosse. Já os católicos faziam presépios.

Os pinheiros eram bonitos, mas não me comoviam como o presépio: uma estrela no céu, uma cabaninha na terra coberta de sapé, Maria, José, os pastores, ovelhas, vacas, burros, misturados com reis e anjos numa mansa tranquilidade, os campos iluminados com a glória de Deus, milhares de vagalumes acendendo e apagando suas luzes, tudo por causa de uma criancinha. A contemplação de uma criancinha amansa o universo. O Natal anuncia que o universo é o berço de uma criança.

Até os católicos mais humildes faziam um presépio. As despidas salas de visita se transformavam em lugares sagrados. As casas ficavam abertas para quem quisesse se juntar aos reis, pastores e bichos. E nós, meninos, pés descalços, peregrinávamos de casa em casa, para ver a mesma cena repetida e beijar a fita.

Nós fazíamos os nossos próprios presépios. Os preparativos começavam bem antes do Natal. Enchíamos latas vazias de goiabada com areia, e nelas semeávamos alpiste ou arroz. Logo os brotos verdes começavam a aparecer. O cenário do nascimento do Menino Jesus tinha de ser verdejante.

Sobre os brotos verdes espalhávamos bichinhos de celuloide. Naquele tempo ainda não havia plástico. Tigres, leões, bois, vacas, macacos, elefantes, girafas. Sem saber, estávamos representando o sonho do profeta que anunciava o dia em que os leões haveriam de comer capim junto com os bois e as crianças haveriam de brincar com as serpentes venenosas. A estrebaria, nós mesmos a fazíamos com bambus. E as figuras que faltavam, nós as completávamos artesanalmente com bonequinhos de argila.

Tinha também de haver um laguinho onde nadavam patos e cisnes, que se fazia com um pedaço de espelho quebrado. Não importava que os patos fossem maiores que os elefantes. No mundo mágico tudo é possível. Era uma cena “naif”. Um presépio verdadeiro tem de ser infantil.

E as figuras mais desproporcionais nessa cena tranquila éramos nós mesmos. Porque, se construímos o presépio, era porque nós mesmos gostaríamos de estar dentro da cena. (Não é possível estar dentro da árvore!). Éramos adoradores do Menino, juntamente com os bichos, as estrelas, os reis e os pastores.

Será que essa história aconteceu de verdade? Foi daquele jeito descrito pelas escrituras sagradas? As crianças sabem que isso é irrelevante. Elas ouvem a história e a história acontece de novo. Não querem explicações. Não querem interpretações. A beleza da história lhes basta. O belo é verdadeiro. Os teólogos que fiquem longe do presépio. Suas interpretações complicam o mundo.

O presépio nos faz querer “voltar para lá, para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhadas por uma luz antiquíssima e ao mesmo tempo acabada de nascer. Nós também somos de lá. Estamos encantados. Adivinhamos que somos de um outro mundo.” (Octávio Paz)

Seria tão bom se os pais contassem essa história para os seus filhos!

2 comentaram em “O PRESÉPIO

  1. Cláudio V. de Melo Autor do post

    Sra . Lu

    Hoje cedo, como faço há algum tempo, leio crônicas de Rubem Alves , mineiro
    como a senhora. Uma das crônicas, para meu espanto, foi sobre o Presépio !
    Eis que continuamos a ser assombrados e encantados por ele , pelo menos
    até o próximo dia de Reis , 6 de janeiro .

    Lembrei-me imediatamente de sua crônica , e também de elementos próximos
    tanto da senhora quanto de outros comentaristas.

    Tomo a liberdade em enviar , para seu conhecimento, esta crônica . Achei-a bem bacana!

    Abraços e bom final de semana!

    Claudio

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Cláudio

      Agradeço muitíssimo o seu carinho, ao enviar para o nosso site esta crônica belíssima sobre “presépios” do nosso Rubem Alves. Que lindeza!

      São gentilezas como a sua que me tocam o coração e fazem-me seguir em frente, dando o melhor de mim, para manter este espaço. Além de ser uma pessoa extremamente gentil, você me prova que também é detentor de muita sensibilidade na observação das coisas simples, mas encantadoramente belas.

      Sinto-me imensamente feliz por tê-lo como leitor e, agora, parceiro. Muito obrigada!

      Abraços,

      Lu

      Responder

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