Autoria do Prof. Pierre Santos
Creio que todo mundo tem uma grande curiosidade de saber como foi o princípio do Cristianismo na ausência de Jesus, principalmente naquelas cidades, como Jerusalém, Constantinopla, Roma, Antióquia e Alexandria, que tiveram maior envolvimento com a formação do novo culto. Este, quando da morte de Cristo, já havia conhecido, é verdade, relativa difusão por várias regiões européias e orientais e o que manteve sua chama acesa foi sem dúvida o apelo forte e autêntico de que vinham imbuídas as suas pregações.Todavia, a multidão dos novos cristãos estava se sentindo abandonada e deserdada, uma vez que o Mestre já não estava mais entre eles, e os Apóstolos, por sua ordem, espalharam-se pelas mais variadas regiões, a cujas comunidades iam levando as palavras do Senhor contidas nos Evangelhos e batizando os neófitos convertidos.
Graças ao trabalho de divulgação e proselitismo, as hostes da religiosidade iam sendo mais e mais engrossadas. Enquanto isso, as famílias, que ficaram com a sensação de abandono, mas sem nunca deixar a fé arrefecer-se, adquiriram o hábito de se reunirem, cada vez na moradia de uma delas, para rezarem, ocasiões em que um ancião, geralmente o que fosse o deão, junto com os demais anciões, sentados em volta de uma comprida mesa, lia e comentava a passagem evangélica do dia, repetia as palavras proferidas por Jesus Cristo na Última Ceia, elevando acima das cabeças o alimento, e repartia com os presentes, inclusive com todos que assistiam àquela cerimônia aquém da mesa, o vinho e o pão assim consagrados. Como se pode entender, tratava-se de cerimônia muito simplificada, que só com o tempo iria completar-se em sua liturgia, tornando-se a missa tal como hoje a compreendemos; mas isto levou muitos séculos.
Essa situação vinha se arrastando desde o início da terceira década, até quase o final da sexta década de nossa era, durante cujo período São Pedro era o responsável pelo novo culto – missão que recebera do próprio Cristo, pelo que é considerado o primeiro Papa da Igreja que os cristãos pretendiam Católica, ou seja, Universal. Nesse ínterim, as famílias, que na origem não eram tão numerosas assim, foram crescendo de maneira incontrolável, chegando a um ponto em que o culto demandou com urgência por organização e liderança condignas. Então, os líderes comunitários, que, àquela altura, já não mais precisavam ser necessariamente os decanos dentre os velhos, mas aqueles que tivessem mais tino e liderança, não importando a idade, de comum acordo dividiram o espaço total ao longo do qual a religião se espalhava, em tantas comunidades independentes quantas necessárias, cada uma com seu líder, no qual encontramos a origem do sacerdote, cujo conjunto viria a ser chamado ‘baixo clero’.
Precisamos entender que tais divisões territoriais eram necessárias, não só para facilitação dos rituais litúrgicos, mas também por causa das perseguições da polícia romana, a que os cristãos estavam sujeitos. Esse era o motivo pelo qual, principalmente em Roma e nas circunvizinhanças, aquelas reuniões precisavam ser feitas na clandestinidade, às escondidas daquela polícia, pelo que todo o cuidado era pouco. Esse preocupante problema levou, em Roma, inúmeros patrícios romanos convertidos, naturalmente os melhor aquinhoados, a doarem ao novo culto casas de bom tamanho, que eram adaptadas às necessidades da liturgia. Em outras regiões não havia ou era sensivelmente abrandada essa perseguição. As distâncias geográficas eram outro motivo para a referida divisão, tal a expansão do culto.
Afinal, que expansão geográfica era essa? Se bem no princípio a prática de rezas familiares conjuntas acontecia praticamente só numa região de Roma, devidamente afastada para não provocar suspeitas, logo outras regiões romanas aprenderam a prática, a qual, não demorou muito, se estendeu por outras regiões além das fronteiras romanas e, no final do primeiro século, já era usada em regiões muito longínquas umas das outras, pois além de Roma, Constantinopla, Alexandria, Antióquia e Jerusalém, lugares no princípio mais envolvidos com o novo culto, esse se estendeu também para regiões como Grécia, Palestina, Síria, Egito, Nicéia, Líbia, Éfeso, Calcedônia e Trácia, entre outros lugares, isto sem considerar que, em cada uma dessas nações, além da capital, outras cidades iam se tornando importantes em seus contextos nacionais e sendo centros religiosos de peso no contexto do Cristianismo.
Tal situação arrastou-se por todo o século I, sob o papado de Pedro, Lino (sucessor por Pedro escolhido), Anacleto, Clemente I e Evaristo e do primeiro do século seguinte, Alexandre I. As reivindicações de melhor organização por parte das inúmeras regiões pelas quais a religião havia se divido só foram atendidas pelo segundo Papa do século II: São Sisto I, que assimilou bem as razões do que o povo pretendia. Cada região foi considerada uma Diocese, que passou a ser dirigida por um Bispo, enquanto cada subdivisão ficava sob a responsabilidade de um Padre, aí estando o começo do sacerdócio. Passou-se também a exigir de cada aspirante, seja a bispo, seja a padre, um estágio mais ou menos longo de estudo e aprendizado.
O título da autoridade eclesiástica maior continuou por mais um século a ser Bispo de Roma, porque essa cidade era considerada, hierarquicamente, superior às demais, por ser a sede episcopal da Igreja; em decorrência, seu Bispo estava acima de todos os outros, pelo mesmo motivo. Contudo, a repetição do nome do cargo sempre criava certa confusão. Apesar disso, somente sob o papado de Urbano I, o segundo Papa do século III, é que o herdeiro das sandálias do pescador passou a chamar-se Papa, palavra para mim derivada do grego: ??????, que significa pai. Muitos estudiosos acreditam seja a palavra um acróstico de Petrus Apostolus Princeps Apostolarum (Pedro Apóstolo Príncipe dos Apóstolos), ou de Petri Apostoli Potestatem Accipiens (Aquele que recebe o poder de Pedro).
Somente ao longo dos séculos IV, V e VI – depois de intrincadas polêmicas, prolongadas desavenças e duros conflitos, uns querendo que o mando papal fosse uma pentarquia (mando dividido por cinco papas), outros, uma triarquia (mando divido por três papas) e outros ainda, uma monarquia (mando pessoal de um papa) – as categorias de Arcebispo, Cardeal e outras dignidades, como Patriarca, Primaz etc., foram criadas, o papado ficou definido ad perpetuam como Monarquia, a Religião como Católica e a Igreja como Ecumênica. Todavia, somente sob o papado de Inocêncio III, no século XII, é que toda a estrutura hierárquica da Igreja foi afinal definida como a conhecemos hoje, com raras modificações posteriores. Assim, de Pedro a Bento XVI, o Catolicismo já teve nada menos do que 265 ocupantes do trono papal.
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