Autoria de Lu Dias Carvalho
Minha mãe nunca foi chegada a bater nos filhos. No muito, a gente levava uns cocorotes, ou ficava de castigo, mas por pouco tempo, já que nossos rogos conseguiam demovê-la de seu intento castigador com a maior facilidade. Nós nos comprometíamos a nunca mais repetir tal diabrura, promessa que ela mesma sabia ser fictícia, mas, mesmo assim, fingia acreditar. Meu pai, ao contrário, vindo de uma família matriarcal, castigava por ele e por ela, motivo de zangas entre eles. Ele se baseava na filosofia de que “Quem come do meu pirão está sujeito ao meu corrião.”, mas, nem por isso deixou de ser um bom pai, empenhando seus parcos recursos e muito suor na educação de seus filhos. Tudo era uma questão de ponto de vista na forma de educar.
Dentre as seis irmãs de minha mãe, uma delas tinha a mão pesada para castigar seus filhos. A qualquer palavra (mal)dita, a mão comia de concha na boca do sentenciado, seguida do refrão: “Eu te quebro os dentes, se repetir isso de novo!”. Na sua casa havia um grande arsenal de tortura infantil: ramos de fedegoso (café negro ou folha do pajé), chinelos e um chicotinho de couro, todo metido a besta e servil, pois se encontrava sempre à mão, quando dele ela precisava. Batia de leve, mas doía!
Minha mãe, muito carinhosa com os sobrinhos, tinha o maior cuidado em não deixar que a minha tia brava soubesse das peraltices de seus filhos. Lia-lhes um sermão, é verdade, mas tudo ficava ali, escondidinho, debaixo de sete chaves, entre arrependimentos e promessas que voltariam a ser descumpridas – disso ela não tinha dúvidas. E ai daquele que virasse um delator!
De uma feita, minha prima Zazá que andava com uma gripe danada e meio febril foi para minha casa, sob a promessa de permanecer em repouso absoluto e não mexer com friagem. Cansadas da rotina, ela e eu furamos o cerco de minha mãe e fomos para o rio que passava no nosso quintal, para tomarmos banho. Que delícia! Aquilo era o paraíso na Terra! E quem se lembrava de gripe? Mas os cabelos molhados traíram-nos.
Minha mãe contornou a situação prometendo-me um castigo ainda a ser pensado, enquanto enxugava a cabeleira dourada e encaracolada da minha prima. Mas tudo teria terminado dentro dos conformes, se uma lavadeira boca de trombone não tivesse batido com a língua nos dentes e delatado nossa tão santa diversão à minha amada tia. Imediatamente chegou um estafeta – meu primo mais novo – intimando a vítima. Minha mãe, pressentindo o perigo, bateu logo depois à porta da casa da minha tia, onde o coro já comia de concha. Minha prima estava sob uma saraivada de lambadas de fedegoso nas pernas e no bumbum. E pior, não lhe era permitido dar um grito. Minha mãe enfrentou a tia raivosa com valentia:
– Mulher, não faça isso com a criança, não vê que ela está doentinha?
– Doentinha coisa nenhuma! Se estava boa para ser desobediente, também está boa para apanhar – respondeu minha tia com o fedegoso na mão.
– Se você não parar de bater na menina, não volto mais aqui! – disse minha mãe.
– Irmã, você não sabe que pata de galinha não mata pinto? – tripudiou minha tia.
O que sei é que minha mãe ficou uns quinze dias sem ir à casa da minha adorada tia castigadora. Eu nunca mais me esqueci de que pata de galinha não mata pinto. Pode não matar, amada tia, mas que machuca, isto eu sei!
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