Autoria de Lu Dias Carvalho
O álbum Construção do compositor e cantor carioca Chico Buarque, o quinto de sua carreira, lançado em 1971, é um dos mais aclamados pela crítica. Parte das canções que nele constam foram compostas quando o artista encontrava-se exilado na Itália, onde permaneceu por um período de quase 15 meses. As demais foram compostas após a sua volta ao Brasil.
Até então, Chico era visto pela mídia como um bom moço, sem um engajamento político mais contundente, e como o Noel Rosa contemporâneo, postura que começava a incomodá-lo. É fato que, até então, suas canções traziam uma crítica velada à ditadura que vigorava no Brasil, mas nada que o comprometesse seriamente. A ditadura ofereceu a Chico Buarque a oportunidade de dar uma virada total em sua vida pessoal e artística, quando foi submetido a um interrogatório cheio de tensão, logo após a promulgação do Ato Institucional nº 5. No mês seguinte, o artista deixou o Brasil, escolhendo a Itália como asilo.
Segundo a crítica, o álbum Construção apresenta uma mistura de revolta e lirismo, aguçando o lado rebelde e poético de Chico Buarque, sendo que canções como Construção, Deus Lhe Pague e Cotidiano são tão bem elaboradas, cheias de um refinamento poético e de uma crítica cortante, que permanecem até hoje como obras-primas do autor e da MPB. E para consagrar o álbum em questão, inicia-se aí a parceria de Chico com Vinícius de Moraes.
O compacto simples feito com as músicas Apesar de Você (um hino do inconformismo com os “anos de chumbo”) e Desalento (desabafo romântico e comovente) do outro, em 1970, em apenas três semanas atingiu a vendagem de 100 mil cópias, sendo ordenado o seu recolhimento do mercado pelos censores da ditadura. Chico acrescentou a canção ao álbum Construção, contribuindo assim para um sucesso ainda maior do mesmo. Em apenas quatro semanas foram vendidas 140 mil cópias.
O álbum Construção foi visto por parte da mídia como “o melhor disco feito nos últimos 20 anos no Brasil”. E na década de 2000, entrou numa lista da Revista Rolling Stone (versão brasileira) como o terceiro melhor disco de todos os tempos. Também está presente em “1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer”, livro elaborado por jornalistas e críticos de música, reconhecidos em todo o mundo.
A métrica de Construção, faixa título do álbum, com arranjo do maestro tropicalista Rogério Dupret, é de uma beleza ímpar. A letra comovente trabalha com palavras que mais se parecem com os tijolos de uma construção, seguindo uma ordem impecável, onde cada verso dodecassílabo é arrematado com uma palavra proparoxítona. A letra é feita de comparações que levam a um único fim: a morte do operário (Agonizou no meio do passeio público / Agonizou no meio do passeio náufrago / Morreu na contramão atrapalhando o sábado).
A canção descreve a morte trágica de um operário da construção civil, morto enquanto trabalhava. Conta a sua história, desde a hora em que ele sai de casa para trabalhar, (Amou daquela vez como se fosse a última) até o momento em que seu corpo toca o chão (Morreu na contramão atrapalhando o tráfego), mostrando a realidade aviltosa existente entre o trabalho e o capital, sendo o operário visto apenas como alguém que, ao morrer num acidente de trabalho, apenas “atrapalha o tráfego”.
A ironia mais contundente fica por conta do agradecimento feito pelo operário (operários) ao sistema:
(…)
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague!
Construção
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague
Nota
Cliquem no link abaixo para ouvirem CONSTRUÇÃO.
https://www.youtube.com/watch?v=JnOAYO8aOrU
Fontes de pesquisa:
Construção / Abril Coleções
Wikipédia
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Lu Dias
É um hino, pena que a censura a dividiu em duas… prefiro a segunda parte.
Haja tanta genialidade numa pessoa só.
PS.: acho que “Geni e o Zepelim” também merece destaque, pois é outra obra prima….
Abração
Mário Mendonça
Mário
Também sou apaixonada por “Geni e o Zepelim”.
Quero sim, comentar essa música maravilhosa.
Abraços,
Lu