Vidas Secas – O GURI MAIS VELHO E O INFERNO (13)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

cap baleia

Ele nunca tinha ouvido falar em inferno.
Foi pedir informações à mãe que, distraída,
aludiu, vagamente, a certo lugar muito ruim.
Como o pixote requeresse mais explicações,
ela mexeu os ombros cansados, sem saída.

O pequeno saiu, foi à sala perguntar ao pai.
Primeiro, ficou o rodeando, meio acanhado,
até que criou coragem e arriscou a pergunta:
– Pai, o que é inferno? O que é inferno, pai?
Sem obter resposta, saiu murcho e cismado.

Voltou à cozinha, pendurou-se na saia da mãe.
– Como é o inferno, mãe? – inquiriu, sem atalho.
A mãe falou sobre espetos quentes e fogueiras.
Ficou mais esmiuçador coa instrução recebida.
– A senhora já viu? – quis saber o pirralho.

Sinha Vitória zangou-se com o filho insolente.
Deu-lhe um cocorote pra conter sua chateza.
O pixote saiu exaltado coa injustiça padecida,
sabia que aquilo não era motivo pra apanhar,
meteu-se enraivado debaixo das catingueiras.

Baleia, percebendo que as coisas não iam bem,
foi atrás de seu amigo e o encontrou chorando.
Fez tudo que podia pra diminuir-lhe o sofrimento:
pinoteou em volta, rodeou-o e balançou a cauda,
mostrando-lhe que era inútil seu procedimento.

O guri sentou-se, botou a cachorra nas pernas.
Pôs-se a lhe contar baixinho uma história, mas
seu bê-à-bá era minguado como o do papagaio.
Valia-se de brados e gestos para contar o caso.
Baleia respondia coa língua e o fino rabo.

Todos o tinham abandonado, menos a cadela,
o único ser vivente que lhe mostrava simpatia.
Ele queria só que aquela palavra virasse coisa.
E ficara vexado com o que a mãe lhe dissera.
Inferno – nome tão bonito tinha que ter valia.

Era verdade que não sabia como falar direito,
por isso, balbuciava expressões complicadas,
repetia sílabas, imitava as vozes dos animais,
som do vento, dos galhos chiando na caatinga,
mas não enxergava nisso nada de mais.

Ele tão somente tinha tido aquela boa ideia:
aprender e decorar uma palavra charmosa,
depois transmitiria ao irmão e à sua Baleia.
Sabia que por ser bicho, ficaria indiferente,
mas o irmão pasmaria e encheria de inveja.

Se a mãe tivesse ido ao inferno, tudo bem.
Só a arguiu porque ela estava bem disposta.
E ganhara um cocorote como convencimento.
Ele só queria saber o significado da palavra,
e não carecia de um coque como resposta.

Beijou o focinho úmido de Baleia e a embalou,
coa alma dando voltas ao redor da serra azul e
dos bancos rendados de espinhos da macambira.
Seu pai dizia que havia tocas de suçuaranas ali
e cabeças chatas de jararacas fazendo miras.

Esfregou as mãos, esgravatou as unhas sujas,
e pensou nas figurinhas largadas no barreiro,
mas veio junto a lembrança da palavra infeliz.
Queria afastar o espírito daquela  curiosidade,
e imaginou que nada tivesse acontecido.

Talvez Sinha Vitória dissesse a verdade, pensou.
O inferno devia ter muitas jararacas e suçuaranas,
as pessoas recebiam puxões de orelha, cocorotes
e pancadas com bainha de faca. Sentiu-se sozinho.
Pra que a mãe tinha lhe dito aquilo? Falta de sorte!

Examinou seus braços magruços e os dedos finos.
Pôs-se a fazer no chão seco desenhos misteriosos.
Continuou abraçando Baleia que pra não magoá-lo,
padecia, silenciosa, coo excesso de afago recebido
do menino mais velho, seu “mais grande” amigo.

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