Autoria de Lu Dias Carvalho
A pintura pode fazer pelos analfabetos o que a escrita faz pelos que sabem ler. (Gregório Magno)
No ano 311 d.C., o imperador Constantino convencionou que a Igreja Cristã seria um poder no Estado. E, para isso, tornou-se necessário construir enormes espaços públicos para os cultos, diferentes dos templos pagãos. Foram erguidas as chamadas “basílicas”.
A maneira como as basílicas deveriam ser decoradas tornou-se um grande problema entre os cristãos que tinham diferentes pontos de vistas em relação às imagens. Alguns eram da opinião de que não deveria haver estátuas nos templos, pois essas poderiam ser confundidas com as dos ídolos pagãos que adornavam os antigos templos. Outros consideravam que as imagens eram importantes, pois, além de ajudarem no ensinamento dos temas bíblicos, uma vez que a imensa maioria dos cristãos não sabia ler e nem escrever, ainda mantinham vivos na memória dessa gente iletrada os episódios bíblicos, sendo de grande relevância para ensinar-lhes a nova fé.
O fato é que permaneceu a segunda alternativa, principalmente na parte ocidental do Império Romano. Decisão de suma importância para a Arte. Mas não pense o leitor que estava tudo liberado, podendo o artista fazer uso de sua liberdade criativa. De jeito nenhum. Existiam regras severas a serem obedecidas. A história religiosa deveria ser representada com simplicidade e clareza, sem nada que pudesse desviar a atenção do sagrado. O artista deveria se pautar unicamente pelas regras preestabelecidas pela então poderosa Igreja. A criatividade era de somenos importância. O objetivo era ensinar a religião e ponto final. Quanta diferença da época das catacumbas!
A obra acima representada encontra-se inteiramente dentro dos princípios estipulados pelos mandatários do poder religioso cristão à época. Ela ilustra um dos Evangelhos que tem como tema a multiplicação dos pães e dos peixes, para alimentar uma grande multidão que ouvia Jesus. Eram cinco pães e cinco peixes que, milagrosamente, alimentariam cinco mil pessoas.
Estudo da composição:
- Trata-se de um mosaico em que cubos de pedra ou vidro foram reunidos pacientemente. O fundo da composição é elaborado com pequenos pedaços de vidro dourado, o que dá ao cenário um aspecto de esplendor e riqueza.
- Jesus é representado por uma figura pálida, serena e imóvel, usando cabelos compridos e vestindo um manto de púrpura com faixas douradas, trazendo os braços abertos em postura de bênção, na parte central da composição, num lugar de destaque. Embora seu manto seja diferenciado dos usados pelos apóstolos, as sandálias são exatamente iguais. Jesus era assim imaginado pelos primeiros cristãos.
- À direita e à esquerda do Mestre encontram-se dois apóstolos que lhe ofertam os pães e os peixes que serão usados no milagre da multiplicação. Os apóstolos trazem as mãos cobertas, embora segurem as dádivas, comportamento semelhante aos súditos da época, quando entregavam a seus senhores os impostos exigidos.
Embora a composição possa parecer desprovida de emoção, com suas figuras rígidas e sem expressão, em severa vista frontal, existem aspectos que comprovam o conhecimento do artista sobre a arte grega:
- o modo como envolve um manto em volta do corpo, dando visibilidade às principais articulações por debaixo das pregas;
- a mistura de pedras de diferentes tons no mosaico, reproduzindo as cores da carne ou da rocha;
- a presença no chão das sombras dos personagens;
- o escorço representado com facilidade (1. Art. Plást. desenho ou pintura que representa objeto de três dimensões em forma reduzida ou encurtada, segundo as regras da perspectiva).
Ficha técnica
Obra: O Milagre dos Pães e dos Peixes
Artista: desconhecido
Ano: c. 520 d.C.
Técnica: Mosaico
Localização: Basílica de Santo Apolinário, o Novo, Ravena
Fonte de pesquisa:
E. H. Gombrich
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