Autoria de C. Ramon Amorim
O Titanic foi o maior acidente envolvendo um navio. Rendeu filmes de grande audiência. Talvez em razão disso, muitas pessoas ainda têm medo e nutrem ideias erradas sobre viajar de navio. Bastou um iceberg na rota para a maravilha da navegação da época ir para o fundo do mar, levando consigo quase duas mil pessoas. Nas minhas pescarias pelo Brasil, eu fico em estado de alerta com objetos flutuando no rio e com os trechos de pedra. É preciso conhecer o rio e saber como navegar em determinados locais. Na melhor das hipóteses, um acidente causa um dano à hélice ou um estrago ao casco do barco; na pior, barco tombado, muitos ferimentos ou até mesmo a morte. Marinheiros experientes sabem o perigo que rochas submersas e recifes representam. Também conhecem os perigos escondidos nas águas geladas, com suas enganosas montanhas de gelo. Icebergs não mostram realmente o que são, o tamanho e o poder destrutivo que representam. Navios gigantescos vão a pique ao colidir com eles.
O comportamento humano, muitas vezes, também é um perigoso iceberg. Pois, como um iceberg ou rocha submersa, não demonstra o que é, escondendo o que sente. As pessoas mentem sobre seus sentimentos e pensamentos. Não me refiro às introvertidas, tímidas e caladas que se sentem melhor ouvindo e observando mais. Falo das ofendidas, motivadas pelo ódio, inveja, mágoa, ciúme ou desejo de vingança, que agem de uma maneira fingida, para manter as aparências, quando o coração está fervendo de rancor. Costumamos ouvir falar de gente pacata, introspectiva, pontual, aparentemente inofensiva, mas que um dia, sem que ninguém esperasse, expandiu o ódio e o ressentimento guardados, pegando uma arma e atirando contra colegas de trabalho, pessoas com quem conviveu por muitos anos. Perplexos, perguntamos o porquê. Depois é que se descobre que a pessoa alimentou ciúmes, ódio e desejo de vingança, ao sentir-se preterida e injustiçada pelos chefes, por exemplo. Era responsável e respeitável, mas sobrecarregada de rancor.
A palavra que descreve esse turbilhão de emoções, esse vulcão em atividade, que geralmente termina em tragédia, é “ressentimento”, que é o ato ou efeito de ressentir-se, de ficar melindrado, magoado, ofendido. Comportamento descrito como ira ou ódio. Sua característica principal é ocultar-se. Ficar guardado no coração de quem o possui, alimentado por lembranças e reprises, revivendo detalhes, remoendo e acrescentando outros motivos que lhe deem razão. O ressentimento cega, ensurdece, embrutece a mente e torna a pessoa perigosa e imprevisível, pois o ressentido não age na hora. Ele guarda sua raiva e vai cultivando-a, ruminando-a. Muitos jamais explodem, mas envenenam o próprio coração e sofrem com isso. Outros explodem, surpreendendo a todos. Existem pessoas que guardam mágoas, durante décadas, sem jamais se libertar dessa escravidão. Bebem o veneno todos os dias, esperando que o outro morra.
A hipocrisia, o fingimento e a dissimulação são características dos ressentidos. Embora por dentro estejam sendo consumidos pelo ódio e pela mágoa, por fora mantêm uma aparência serena e de paz. O relacionamento com pessoas melindrosas, que fecham a cara ou expandem a ira, quando ofendidas, é ruim, mas existe algo pior. Falo das que têm as mesmas reações e sentimentos, mas não os mostram com o rosto ou com palavras. Guardam pra si, ficam remoendo intimamente, mas fingindo exteriormente nada sentir. Precisamos tomar cuidado na maneira como nos relacionamos com gente assim. Não lhes devemos negar nosso amor e amizade, mas precisamos ser cuidadosos ao confrontá-las com as palavras. Em casos extremos, é melhor afastarmo-nos delas.
Cada um de nós precisa indagar de si mesmo se também não é assim. Reajo com muita dificuldade às falhas e defeitos dos outros? Fico ressentido e magoado, sem abrir o coração para quem me ofendeu, quando devo tratar o problema o mais rápido possível? Se alguém encontra-se ressentido, alimentando mágoas contra alguém, considere com seriedade que está em sofrimento e sem a possibilidade de ser feliz, se não mudar. Agora é o momento certo para começar a agir. A solução não é complicada, depende apenas de pôr em prática a honestidade, a humildade e a vulnerabilidade. Vejamos:
• honestidade: não finja, e nem engane a si mesmo, dizendo que não tem ressentimento, ou que sente apenas uma raiva passageira, que irá superar. Para vencer o ressentimento é necessário admitir que ele existe;
• humildade: é preciso reconhecer que o ressentimento torna você mais infeliz. Talvez seja necessário confessar isso à pessoa contra quem tem nutrido seu amargurado rancor;
• vulnerabilidade: você deve se despir de toda a autoproteção e defesa, permitindo mudanças em seu coração e caráter.
Caros amigos, não permitam que a fumaça tóxica do ódio surja da fogueira do ressentimento. Se permitirem, a pressão vai subir até atingir níveis insuportáveis. É uma questão de tempo para a tragédia acontecer. Botem amor em sua vida, pois o amor não se ressente do mal, porque é dotado de compreensão, bondade e esperança de sempre encontrar o lado melhor das pessoas. O mal existe, mas o amor não o leva em consideração, não o leva adiante. Ele releva, ou trata o problema como tem de ser tratado. O amor não fica capitulando, trazendo à memória males sofridos. Ele perdoa e conserva limpo o registro das falhas alheias, pois todos nós somos humanos.
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