Arquivo da categoria: Corpo e Mente

Filosofias e conjunto de práticas físicas, psíquicas e ritualísticas que buscam um estado de harmonia e equilíbrio físico e mental.

VÍCIOS CAUSAM DANOS AO PSIQUISMO

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos fala sobre o perigo que os vícios nos trazem.

“Tenho que deixar isto, que está me matando”, dizia o indivíduo sob um ataque de tosse brônquica e meio afogado em gosma, mostrando um toco de cigarro entre os dedos amarelados de nicotina. Ele é o símbolo do homem acorrentado. Seus grilhões são feitos de fumo. De outros, podem ser de álcool. Todos os grilhões são fortíssimos e o são exatamente na medida da fragilidade dos acorrentados. A maioria deles quer se libertar ou necessita de libertar-se porque, seja o fumo, seja o álcool, o jogo ou alguns maus hábitos, seus tiranos lhe trazem enfermidade, sofrimento e, às vezes, abjeção.

Todos os grilhões causam prejuízos ao psiquismo, mercê de demonstrarem ao próprio homem que ele está vencido e que é escravo, tíbio e sem vontade. Quem quer que chegue a esta condição sofre muito com o reconhecimento de sua servidão que considera ser sem esperança. Diante de cada frustrada tentativa de resistir, mais infeliz se torna e mais vencido se sente. Seja toxicômano, alcoólatra, tabagista, viciado em jogo ou vítima de comportamentos compulsivos, pensamentos obsessivos e tiques nervosos, o homem é uma presa dum círculo vicioso que inexoravelmente o domina e o deprecia.

O álcool, os tóxicos e o fumo, além do mais, interferem também destrutivamente sobre o próprio organismo. E este efeito nefando provoca medo no viciado. A situação daquele que, vítima das garras do pecado (erro) necessita deixá-lo, sentindo a impotência de fazê-lo, Ramakrishna comparou à de uma serpente, que tendo abocanhado um malcheiroso rato almiscarado, quer dele se livrar, mas não pode, pois em virtude do formato dos dentes, o rato não se desprega. Assim é o viciado que conhece o mal que o vício lhe faz e, no entanto, não consegue deixá-lo. Nesta situação é comum o viciado recorrer ao que a psicanálise chama uma racionalização, isto é, usar a razão para forjar “razões” consoladoras e explicativas, para com elas “justificar-se” diante de si mesmo e dos outros, pelos atos que é coagido a praticar, que não pode evitar, mercê de compulsões subconscientes.

O ébrio bebe “para esquecer”, ou porque “o álcool é vaso dilatador”, ou “para desinibir-se”, ou “porque está fazendo frio”. A primeira forma de vencer o vício é não permitir que nasça. A segunda é impedir que cresça. A terceira é a erradicação progressiva e inteligente. Evitar que a semente daninha caía em seu quintal é a mais eficiente maneira de não precisar arrancar a frondosa árvore depois. Um vício se forma aos poucos, seguindo estágios. O primeiro cigarro que se fuma, com certo desprazer, é o início de um processo que poderá vir a tomar conta da vítima. O meninote acendeu seu primeiro cigarro, por força da sugestão dos de sua idade e também porque o cigarro representa para ele a masculinidade que, ainda imaturo, deseja ter.

O início de um vício é quase sempre destituído de prazer, e especialmente no caso do cigarro e do álcool, chega até a ser desagradável. Constitui mesmo um sacrifício necessário àquele que deseja “se mesmificar” isto é, ficar igual aos outros. A segunda fase surge quando, imperceptivelmente, o desagrado vai cedendo e já não há sacrifício. Aquilo que era mal recebido pelo organismo, por ser antinatural, começa a ser aceito. Podemos dizer que o fumo ou o álcool, nesta fase, nem dá prazer nem desprazer. São neutros. Ainda aqui é simples cortar o processamento. Está-se entrando na terceira fase quando já se fuma ou bebe com certo gosto. Agora mais fortes vão se tornando as correntes e o indivíduo começa a capitular de sua condição de agente livre, de ser humano dono de si mesmo.

A quarta fase é aquela na qual o organismo, já condicionado, só se sente normal quando é atendido em suas necessidades do agente condicionante. Daí por diante, também o psiquismo só se acalma depois que o viciado cumpre o “ritual”. Está a árvore daninha dominando a área. O viciado, embora se sentindo covarde e desgraçado, embora sabendo que está minando o corpo e a alma, não tem como resistir às imposições da necessidade de aplacar seu psiquismo e seu corpo sedentos do objeto do vício: seja o copo, o cigarro ou o barbitúrico. É a fase da dependência orgânica e psíquica.

No caso do jogo, o processamento é semelhante, atendendo, naturalmente às peculiaridades. O fascínio pelo risco de perder e a esperança de ganhar ou recuperar o que já perdeu, prisioneiro mantém o jogador, que embora veja que está sacrificando tempo, energias, nervos, saúde, dinheiro, família e, às vezes, dignidade, é impotente para afastar-se da mesa do vício. O bêbado de hoje poderia ser pessoa sóbria e com autodomínio se, em certo momento do passado, não tivesse cedido à “iniciação”.

*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF.

Nota: O Absinto, obra de Edgar Degas

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A MÚSICA PODE REALIZAR MILAGRES

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos fala sobre as maravilhas da música em nossa vida.

Os estadunidenses têm usado a música para anodizar. O paciente, com a cabeça coberta por um capacete receptor, através de música que vai ouvindo, despercebe-se da dor. Os sons de baixa frequência ou “sons brancos” têm efeito de bloqueio nervoso e, consequentemente, são anestésicos. O Hospital da Ordem Terceira do Carmo, de Lisboa, fez pioneirismo (1953) em Portugal, na utilização de música durante pequenas intervenções. Em Barcelona (Espanha) um grupo de generosos médicos organizou um coral para levar a musicoterapia aos muitos pacientes hospitalizados. O canto coral, pelo seu alto valor educativo e terapêutico, está se desenvolvendo em instituições com regime de internato, inclusive entre os detentos. No Hospital Juliano Moreira, o Professor Wasson Aranha vem aplicando música no tratamento de doentes mentais.

Como você pode ver, a música, agindo pelo ritmo, ou pela melodia ou pela harmonia, ou por tudo junto e mais algum outro elemento impalpável, pode realizar verdadeiros milagres na preservação e na recuperação do equilíbrio mental e na rearmonização dos sistemas nervoso e endócrino. As divinas vibrações da lira de Orfeu que acalmava as feras e dava placidez ao mar por onde singravam os argonautas, as repercussões cósmicas do canto do mantram sagrado (OM), a tranquilização profunda produzida pelo som branco da ciência eletrônica, finalmente os poderes infinitos do Verbo Onipresente juntam-se numa divina musicoterapia que não podemos ignorar.

As vibrações sonoras que tão beneficamente repercutem em nossa mente, em nossos nervos, em nosso mundo moral, podem também, infelizmente, se dirigidas noutra direção, acarretar prejuízos sérios ao organismo e ao psiquismo. A música também pode irritar, fatigar, entediar, excitar e desequilibrar. A flauta do Deus Shiva levava o bem às almas, mas as trombetas sopradas diante da cidade de Jericó derrubaram-lhe as muralhas. Enquanto a execução de uma sonata de Beethoven deu alívio a uma tísica com hemoptise e febre, uma charanga militar acende o ardor combativo de soldados; enquanto Mozart acalma, pacifica e eleva uma alma em exaltação doentia, a repetição da música rítmica dos jovens acaba excitando, fatigando, instalando na mente um estado desagradável de exaustão e inquietude, podendo destruir o nervo auditivo.

A música de dança dos jovens, quase toda ela à base de ritmo e indigente de melodia e harmonia, fala muito mais às pernas do que à alma. É boa para estimular um deprimido, mas, mesmo esse, acaba cansando com o sensualismo primitivo e monótono de que é feita. Na música atual dos jovens, psicólogos têm assinalado um processo de regressão à mentalidade primitiva. As letras das canções são pobres e, se são expressivas, o são de um nível mental muito rudimentar. Nelas, as palavras são substituídas por gritos guturais, próprios de uma era muito recuada, antes de o homem ter inventado a linguagem articulada.

Aprenda, meu amigo, a tirar da música alívio, saúde, paz e nutrição para a alma. Defenda-se dos malefícios da música nefasta aos nervos e a seu psiquismo. Os jovens precisam experimentar música adulta. Lucrariam muito aqueles que resolvessem tomar coragem de parecerem diferentes da maioria dos de sua idade e, sem que abandonassem os ritmos de seu tempo, também aprendessem a (silentes, atentos, em relax) se deixar tocar pela música santa dos grandes e inspiradores compositores e, com elas, vivenciar as emoções mais ternas, mais suaves e mais repousantes.

Cante, meu amigo. Isto lhe fará muito bem aos nervos. Quem foi que disse que é preciso fazer um curso de canto para ter o direito de cantar? Se você é naturalmente desafinado, cante assim mesmo. Cante baixo para não amolar os outros. Mas cante. Se estiver só, cante alto, mesmo que venha a espantar os pássaros. Se puder se incorporar a um coral, não deixe passar a oportunidade. Vai ver como isto lhe vai ser proveitoso em relação a seu estado nervoso. Vá aprender a cantar em cooperação e ver como seu pianíssimo num instante, seu canto monótono noutro e mesmo seu silêncio, enquanto os outros cantam, criam beleza para si e para os que vierem a escutar.

*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google.

Nota: obra do russo Leonid Afremov

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TODA AÇÃO HUMANA MEXE COM O COSMO

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos mostra como nossas reações interferem no Universo.

Os psicanalistas poderiam fazer graves acusações aos moralistas tradicionais, adeptos desta moral que Chauchard chama de “legalismo desencarnado”, cheia de “deve-se fazer” e “deve-se evitar”. Poderiam dizer: “Vocês moralistas estão crucificando os indivíduos que, imbuídos de restrições e deveres, partidos de um superego forjado pela religiosidade, pelos costumes, pelos conselhos dos pais, dos professores, dos mentores, entram em conflito interno com os impulsos naturais, ocasionando prejuízos à saúde. Será que não arranjam uma forma um pouco menos perigosa de cumprir o dever, de pautar-se pelo bem e evitar o mal?” (Hermógenes, em Sabedoria).

A moral que Chauchard e Teilhard reclamam e nisto têm a companhia dos psicanalistas é, posso dizer sem receio, a moral Yogui. “Por ter colocado seu eu ideal no eixo do Divino, o yoguin situa-se assim, naturalmente, no ponto de convergência do útil pessoal com a lei moral. É uma ética de um psicanalista e não de um moralista, de um observador e não de um juiz” (Choisy opus cit). Por ser natural, inteligente, libertadora e não frustradora, é que a moral yogui é considerada pela ilustre psicanalista Choisy “a que melhor convém aos discípulos de Freud”. A moral yogui começa com vivência e sabedoria filosófica, com o conhecimento do Universo, do indivíduo e desse em suas relações com o Universo, consigo e com Deus.

O fundamental não é a noção do bem e do mal. As ações que o yoguin evita são as que o afastam de seu sâdhana, isto é, de seu caminhar para a Meta ou Realização Espiritual. Sua natureza essencial de ser humano e chispa divina predestina-o ao Encontro redentor (Yoga). Quando ele vive em harmonia com as leis próprias de sua natureza, isto é, quando cumpre seu dharma, goza o bem, a saúde e a felicidade. Ao contrário, todos seus desvios (adharma) representam o mal, o sofrimento, a servidão e a doença. Se bem que haja tantos dharmas quantos os homens existentes, aí a relatividade da moral, há, no entanto, um dharma ou lei universal (bem absoluto) para todos os homens. Chama-se suddha dharma ou sanâtana dharma e é coerente com a natureza essencial e divina da espécie humana.

O grande neurofisiologista Chauchard, dentro de sua forma de falar, também se refere àquilo que o Yoga chama de suddhadharma que, como vimos, consiste em viver em harmonia com a Lei natural, com a natureza essencial do ser humano. Ele acha que “É falso pensar que cada um é livre para inventar a própria Moral, como se não houvesse valores comuns que dependem do fato de que sendo como somos, seres humanos, devemos conformar-nos à natureza humana”. A causa de adharma ou dos desvios do caminho para o Absoluto é o egoísmo, mantido pela ignorância, pela ilusão de que somos tão somente indivíduos separados uns dos outros, indiferentes aos outros, e buscando a felicidade mesmo à custa da dos outros. A isto a moral tradicional chamaria de pecado.

A palavra pecado não recebe custo na moral yogui. O pecador é apenas um ser interiorizado pela ignorância e pela doença. O que se opõe ao pecado não é a virtude, mas a saúde, a sabedoria ou a verdade. O castigo ao pecador é o retardo ou recuo em seu caminhar redentor para a realização espiritual. O pecador não é objeto de ressentimento, mas de comiseração e ajuda. E a melhor forma de ajudá-lo é primeiro compreendê-lo, depois lhe dar tratamento e afinal ensiná-lo a libertar-se do ahamkara (egoísmo). A libertação é cura. A cura é um processo de torná-lo mais santo e, portanto, mais são. A moral yogui cuida do bem. Mas não se preocupa com o mal ou com o diabo. É moral à base da compreensão que visa a restaurar a paz, a segurança psicológica do pecador, vale dizer – do sofredor.

Nenhum de nossos pensamentos, desejos e ações, por mais insignificantes que nos pareçam, deixa de mexer com o cosmo. A toda hora, sem que o saibamos, estamos rabiscando as páginas do livro da Vida Universal e por isto somos responsáveis. Toda expressão nossa de vida é karman (ação sobre o cosmo) e por ela responderemos. Os resultados são infalivelmente nossos. Nosso karman passado é a causa do que hoje somos, do que hoje sofremos ou gozamos. As consequências de nossas ações nos alcançam imediatamente ou depois, mas sempre nos alcançam e não há lugar que nos esconda ou proteja. Você pode me perdoar um mal que eu lhe tenha feito, mas “a natureza, jamais nos perdoa”, lembra John Kulmann. Esta é a inflexível lei do karma.

A ação imoral é aquela que nos faz sofrer. A ação moral é a que nos torna mais chegados à suprema bem-aventurança (Ananda), ao próprio Deus. O adharma (karman que nos prejudica) não se refere propriamente ao mal, no sentido comum do termo, mas à ação imprópria e desviada da Lei. Ferir, mentir, roubar, difamar, trair é tão funesto como beber água contaminada. Pelas mesmas razões, perdoar, ajudar, amar, servir, fazer pelos outros aquilo que queremos que nos façam é dharma (karman positivo) – doador de vida, bem-estar, alegria, paz, segurança, liberdade, amplitude, plenitude e divinização.

De tudo isto, podemos concluir que a moral Yogui é a mais terapêutica e, embora vetusta em sua origem, é de extraordinária atualidade, pois corresponde aos anseios da mais moderna psicologia profunda e da neurofisiologia mais rigorosamente científica. Ela não o condena pelas fraquezas, mas o ajuda a fortalecer-se; não o obriga a ser bom, quando suas condições não lhe permitem, mas o ajuda a tornar-se bom e, assim, livrar-se de suas limitações, responsáveis por seus tormentos.

*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google.

Nota: imagem copiada de icm teresina

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A CORAGEM DE SER DIFERENTE

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos fala sobre a necessidade de sermos autênticos.

O viciado já não se lembra em que reuniãozinha social – para mostrar-se igual aos outros – cretinamente bebeu seu primeiro gole, sentindo abominável o gosto, mas tendo de aparentar que estava gostando (segundo a moda). O tabagista de hoje, baixado ao hospital para operar o pulmão, não se recorda daquele dia na infância em que, para parecer adulto e igual aos outros, deu as primeiras baforadas num cigarro que um colega lhe dera. Pode ser dito o mesmo em relação àquele que se degradou com as ‘”bolinhas” ou cigarros de maconha.

Em todos estes casos, o início é sempre sob a persuasão dos outros; e sob a imitação, isto é, filiação à moda. Na origem, todos os “iniciados” já eram pessoas comumente chamadas “fracas de espírito”, ou seja, os de personalidade e mente amorfas, vidas inconscientes que buscam segurança, aceitação e prestígio no meio em que vivem, renunciando consequentemente ao dever de serem autênticas. O medo de ser diferente, leva o fraco a imitar os do grupo.

Quando o grupo é de gente viciada, o resultado é viciar-se. Mas, se você conhecer e sentir a inexpugnável fortaleza e o tesouro de paz e ventura que há em si, nunca buscará sua segurança nos integrantes de seu grupo e terá a sábia coragem de ser diferente. Só os que são diferentes têm condições de não apenas se sobrepor, mas de liderar. Se você quiser continuar senhor de si e ganhar condições de ajudar os outros, negue-se à vulgarização, tendo a coragem de ser diferente.

É provável que a vulgaridade não entenda nem perdoe alguém que se nega a vulgarizar-se, mas você deve lembrar-se de que os raros autênticos são indispensáveis para servirem de esteio, de pontos de apoio, de orientação ao homem comum, escorregadiço e amorfo. Não queira ser igual em troca de ser aceito. Não ceda ao alcoolismo, ao tabagismo, aos narcóticos, às noitadas de dissipação. Revele sua maturidade, recusando-se, sem ofender aos vulgares, a segui-los em suas “normais” reuniões de vício. Isto é o que eu quis dizer ao sugerir que não deixe cair a semente daninha em seu quintal.

Não capitule. Não se esqueça do preceito hindu: “Semeie um ato e colherás um hábito. Semeia um hábito e colherás um caráter. Semeie um caráter e colherás um destino”.

*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF.

Nota: obra do pintor brasileiro Aldemir Martins

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TEMPO, TRABALHO E TÉDIO

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto, retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos fala sobre o sentimento de inutilidade e o valor do trabalho.

É doença muito triste o sentir-se inútil e incapaz para o trabalho. Desde a infância me ensinaram que a “preguiça é a mãe de todos os vícios”. Quem se sente sem o que fazer de bom e criador, usa muito facilmente o tempo disponível para pensar, sentir e agir para o mal, isto é, viver contrário à saúde e à paz. Tempo vago à disposição de mente impura é um perigo para o indivíduo e para a coletividade. Ao contrário, quem não desperdiça tempo, usando-o para pensar, sentir e fazer algo construtivo, não tem tempo para as doenças e para o tédio.

Tenho conhecimento de pessoas que, aproveitando-se de direitos à aposentadoria quando ainda moças e válidas, tornaram-se neuróticas, graças ao vazio que tomou conta de suas vidas. Verdadeiramente caíram vítimas da corrupção da mente. Neste caso, o tratamento mais adequado é a ergoterapia, isto é, tratamento pelo trabalho. Foi o que aconselhei a um amigo que, em várias oportunidades, lastimava-se dizendo que estava se aproximando o dia de aposentar-se e que se via amedrontado com a inutilidade e estagnação em que já vivia e que iriam aumentar. O tédio já era insuportável. Falou-me em suicídio.

Em resposta, disse a esse amigo que perderia o direito de fazer tantas queixas, de falar de sua angústia, se, no dia seguinte, não começasse a fazer algo. Não por si mesmo, mas pelos outros. Não com a atitude mental de quem toma uma poção amarga, mas fazer algo por alguém necessitado e fazer tudo com renúncia de qualquer remuneração e com alegria íntima, sem esperar compensação, mesmo que fosse sua melhora, sem esperar pagamento ou título de benemérito, nem da ação ou Karma Yoga, que significa união com Deus, através do trabalho no mundo. A ação só é redentora quando praticada num estado de não eu. Sem visar os resultados. Com seva, já o vimos. O Karma Yogui não se julga o autor das obras. Vive como instrumento nas mãos do verdadeiro obreiro: Deus. Para uma pessoa aposentada, com uma boa pensão e família criada, não necessitada de remuneração, o Karma Yoga não é difícil. Tal não é o caso de quem precisa ganhar subsistência.

A remuneração por serviços profissionais é direito de todos e não se pode rejeitar. Mas, mesmo os profissionais têm como, a certas horas e em certas circunstâncias, prestar serviços a Deus na pessoa do próximo. E como isto é terapêutico! Como faz bem! Os que não veem na vida outro objetivo senão o trabalhar para satisfazer sua aquisitite (doença que, obsessivamente, leva-nos a juntar sempre mais), aqueles que se matam para crescer, merecer, ganhar e mais ganhar, acabam adoecendo, não só por excesso de fadiga, mas adoecem também de traumatizante decepção, pois as riquezas, tão esforçadamente acumuladas, não o livram da decrepitude e da morte.  Essas pessoas se esquecem de que mortalha não tem bolsos.

Começamos esta conversa dizendo que a vadiagem é causa de doença. Chegou a hora de dizer também que a exacerbação no trabalho profissional não o é menos. O trabalho pode preservara saúde, pode curar, mas também enfermar. Tudo depende de como e quanto se trabalha. Trabalhe muito, produza muito, mas sem se esgotar, nem comprometer o tempo destinado à família, à recreação e ao serviço de Deus. Trabalhe com persistência, gostando do que faz, sentindo a importância do que faz. (Todo trabalho é valioso e necessário.) Seja justo no preço e honesto na performance. Faça o melhor que puder, não importa que seu trabalho seja humilde. Trabalho nunca é humilhante, a não ser aos olhos do ignorante. Quem é mais credor de respeito e de gratidão: o lixeiro perfeito ou o ministro corrupto?

Nunca se desespere, se uma infeliz situação o reduzir à invalidez. Se não puder trabalhar, aproveite todas as horas de solidão e medite, ou faça seus exercícios espirituais, procurando a comunhão com o Divino, seja pela oração, seja pelo estudo. O ócio só chega a ser deletério para a alma imatura. Quem sabe da Onipresença, nunca se sente só, mesmo que se encontre paralítico num hospital e esquecido dos amigos e abandonado pelos filhos e irmãos. Na solidão, o sábio cresce em poder espiritual. No ócio, o tolo se estiola e esvazia. Mas o sábio sabe tirar do ócio a quietude e o silêncio necessários a escutar a voz de Deus. Trabalhe. Viva. Transforme-se. Enriqueça-se espiritualmente, cumprindo sua missão nesta vida. Nunca se contente com o parasitar.

*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google (ver na página 259 do livro a descrição de várias técnicas de relaxamento).

Nota: O Lavrador de Café, obra de Cândido Portinari

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CONHECE-TE A TI MESMO

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele fala da importância da autoanálise.

“Conhece-te a ti mesmo” era o dístico que tendo achado no pórtico do templo de Delfos, Sócrates ensinava a seus discípulos. Autoanalisa-te, diríamos hoje. Pratica vichara (a autoanálise), ensina o Yoga. Em outras palavras, eu sugeriria: desilude-te em relação a ti mesmo. Tal sugestão soa como um conselho pessimista. Não é? Desiludir-se não é negativismo. É libertar-se. É melhorar.

Ninguém é tão bom como orgulhosamente se acredita, nem tão inferior quanto pessimistamente pensa ser. Tanto a primeira ilusão quanto a segunda devem ceder à judiciosa e redentora autognose, isto é, o conhecimento (gnose) real de si mesmo. Cada um de nós é – quando livre da ilusão – a própria realidade. O homem foi feito à imagem e semelhança de Deus. Não é o que se sabe?! – Pois bem, vamos procurar Deus através de conhecer aquilo que somos, descartando-nos, para isto, dos falsos juízos que de nós fazemos. Simples, não é? Pois lhe digo que é a obra ciclópica que quase ninguém consegue realizar. No entanto, o pouco que conseguirmos na procura de nosso verdadeiro eu já pode nos melhorar.

O verdadeiro EU está escondido daqueles (pessimistas ou negativistas) que se consideram inferiores, imperfeitos, fracos, degradados e filhos do erro. Está também fora do alcance do orgulhoso que se considera o melhor do mundo. Está iludido quem se julga arrasado e perdido. Também o está o que se analisa, mas imbuído de vaidade. Tanto o sentimento de inferioridade como seu oposto são produtos do egoísmo.

Os obstáculos que mais dificultam o julgamento de nós mesmos são: autocomplacência, autopiedade, autoseveridade. Pela autocomplacência, o indivíduo, desejando uma agradável visão de si mesmo, obscurece os defeitos e enfatiza tudo o que considera perfeição. Pela autopiedade, ele, desejando sentir-se um coitado, uma vítima, um perseguido, exagera tudo o que o faça sofrer mais um pouco. A autoseveridade é a atitude oposta à primeira. Por ela, o perfeccionista de si mesmo se fixa sobre o que precisa ser corrigido em seu caráter, temperamento ou personalidade e não se interessa por saber o que ele tem de positivo e de bom.

Qualquer uma das três atitudes é fonte de egoísmo, e do egoísmo nasce. Qualquer uma delas impede o autoconhecimento, além de servir como amplificador das emoções e, consequentemente, do “estresse”. Discernimento requer uma atitude de isenção. Quem quer chegar à conclusão de que é uma peste de ruim, ou, ao contrário, uma santa criatura, ou um infeliz esquecido de Deus, está cometendo o absurdo de iniciar a pesquisa já procurando confirmar um diagnóstico prévio e, assim, não chega a conhecer quem realmente é. Quem teme descobrir suas próprias inferioridades e mesmo anormalidades, bem como quem deseja cada vez mais orgulhar-se do perfeito que é, não realiza vichara (discernimento).

É preciso serena coragem e perfeita isenção para conseguir a salvadora desilusão que permite o conhecer-se. Somente quando serena e corajosamente, sem temor ou vergonha, sem severidade ou piedade, descobrirmos que somos mentirosos, mentirosos deixamos de ser. Mentirosos, continuamos a ser enquanto só nos outros vemos a mentira. A condição de curar-se da burrice é chegar, com isenção, ao diagnóstico da própria burrice. Na opinião de algumas escolas de pensamento, nós nos libertamos da vaidade assim que nos reconhecemos vaidosos. Até mesmo comportamentos obsessivos, tiques nervosos, hábitos errados e vícios não são vencidos sem a conscientização dos mesmos.

Faz vichara a pessoa que toma sábia iniciativa de (com isenção, sem medo, sem pena de si mesmo, sem alvoroço e mesmo sem ânsia de curar-se) assistir o desenvolver de um defeito ou o desenrolar de uma crise, procurando, acima de tudo, perceber-lhe os ocultos motivos, sem pretender sustar, sem se condenar, sem procurar explicar as coisas com racionalizações confortadoras. A psicanálise chama racionalização o ato de a mente engendrar convenientes, razoáveis e enganadoras explicações para os comportamentos impulsionados do inconsciente sobre os quais não tem domínio.

A racionalização é o oposto de vichara. Enquanto vichara desilude, libertando, a racionalização escraviza, por esconder a verdade. Quem quiser conhecer-se a si mesmo, fique alerta contra esta cilada da mente que é a racionalização. Da próxima vez que começar a sentir as primeiras emoções de uma crise, em vez de amedrontar-se e correr para os tranquilizantes, faça o oposto. Sente-se relaxado, sereno, corajoso, calmo, sem luta, e comece a conscientizar tudo que fora está acontecendo. Procure conhecer as causas. Perceba, sem medo, o aparecimento dos sintomas. Nada de pânico. Nada de apiedar-se de si mesmo. Nada de esforços para resistir e vencer. Comporte-se como um tranquilo observador, sem qualquer participação. Faça o mesmo com todo comportamento, impulso, compulsão, atitude, e verá que irá se tornando cada vez menos vulnerável e cada vez mais senhor de si.

*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google.

Nota: Mulher em Frente ao Espelho, obra de Alfred Stevens

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