Arquivo da categoria: Crônicas

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CARL SAGAN – ESCRAVIDÃO x EDUCAÇÃO (XI)

Autoria de Lu Dias Carvalho

Não devemos acreditar nos muitos que dizem que só as pessoas livres devem ser educadas, devíamos antes acreditar nos filósofos que dizem que apenas as pessoas educadas são livres. (Epicteto).

Um escravo deve saber apenas obedecer ao seu senhor – deve cumprir as ordens. O conhecimento o estragaria. Aprender a ler o inutilizaria para sempre como escravo. (Capitão Hugh Auld)

Os livros são essenciais para compreender o mundo e participar de uma sociedade democrática. (Carl Sagan)

A escravidão (escravatura, escravismo, escravaria, escravagismo, etc.), esta prática social abjeta, através da qual um ser humano assume os direitos de propriedade sobre outro, quer seja através da violência física, moral ou econômica, é uma mancha monstruosa na história da humanidade e que ainda se perpetua mundo afora como se fosse algo totalmente normal. Mesmo em países em que o escravismo é tido como inconstitucional, muitas vezes observamos que foi mudada apenas a sua roupagem, pois agora os cativos servem principalmente no campo da industrialização, escondidos, muitas vezes, nas barbas da lei que os ignora ou nada faz.

A subjugação de outros seres humanos em tempos idos (e ainda hoje em inúmeros países) dava-se incutindo na cabeça dos escravos a ideia de que já nasciam submissos (ver dalits e o sistema de castas na Índia). Isso era dito nos púlpitos das igrejas, nos tribunais e em toda a sociedade. Passavam-lhes a noção de que essa era a “vontade de Deus” – garoto propaganda incumbido de justificar todos os desmandos humanos. Diferentes livros sagrados, contendo as normas de cada credo, também assim apregoavam. E não pensem que a Bíblia dos cristãos ficou de fora. É possível encontrar em muitas de suas páginas a clara aceitação da servidão e da sujeição humana.

O saber era vedado a homens, mulheres e crianças escravizados, a fim de que pudessem continuar aceitando o cativeiro, mas, para isso, fazia-se necessário mantê-los analfabetos. O sistema dominante tinha a clareza de que o saber levava ao pensamento crítico – única força libertária que quebra as correntes da ignorância e do jugo, seja ele qual for. Havia, à época, severas penalidades para quem ensinasse um escravo a ler. E os que o faziam, faziam-no às escondidas.

O conhecimento, admitia os adeptos da escravatura, abriria os olhos dos escravos em relação à submissão odiosa a que eram submetidos. Por isso, combatiam tenazmente o saber, pois esse ajudaria os cativos a pensar, encaminhando-os à liberdade. Portanto, era necessário manejar o que as pessoas ouviam, viam ou pensavam. Era preciso mantê-las fechadas no cárcere da ignorância, trancafiadas nos grilhões da estupidez mental. Os livros eram um inimigo do sistema escravagista, devendo ser combatidos.

O estadunidense Frederick Douglass Bailey (1818-1895), criado como escravo – um dos maiores oradores, escritores e líderes políticos na história norte-americana – deixou claro que a alfabetização, às escondidas, foi o caminho para a sua liberdade. E foi enfático ao dizer que “O sistema dominante achava que para criar um escravo satisfeito era necessário criá-lo estúpido. Seria necessário obscurecer a sua visão moral e intelectual e, na medida do possível, aniquilar o poder da razão”.

Não nos esqueçamos nunca de que os conservadores mesquinhos, dominadores e descompromissados com as mudanças sociais sempre viram na capacidade de ler e no conhecimento advindo dos livros (e hoje da mídia progressista) um inimigo extremamente perigoso, uma ameaça ao seu poder. Possuem a convicção de que saber ler, pensar, ter autocrítica ainda é o caminho mais eficaz em direção à liberdade – não estão errados, pois a educação é um fator de libertação.

Para reflexão, deixo abaixo o pensamento de Carl Sagan:

“As rodas dentadas da pobreza, ignorância, falta de esperança e baixa autoestima se engrenam para criar um tipo de máquina do fracasso perpétuo que esmigalha os sonhos de geração a geração. Nós todos pagamos o preço de mantê-la funcionando. O analfabetismo é a sua cavilha. Ainda que endureçamos os nossos corações diante da vergonha e da desgraça experimentadas pelas vítimas, o ônus do analfabetismo é muito alto para todos os demais – o custo das despesas médicas e hospitalizações, o custo do crime e prisões, o custo da produtividade perdida e inteligências potencialmente brilhantes que poderiam ajudar a solucionar os dilemas que nos perseguem.”

Ilustração: Frederick Douglass, cerca de 1874.

Fonte de pesquisa
O mundo assombrado pelos demônios/ Companhia de Bolso

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CARL SAGAN – VISÕES VERDADEIRAS X VISÕES FALSAS (X)

Autoria de Lu Dias Carvalho

A mente crédula experimenta um grande prazer em acreditar em coisas estranhas, e quanto mais estranhas forem, mais facilmente serão aceitas, mas nunca leva em consideração as coisas simples e plausíveis, pois todo mundo pode acreditar nelas. (Samuel Butler)

Apesar de a humanidade já ter adentrado no século XXI, pessoas há em que a imaginação foge aos parâmetros da normalidade, sendo capazes de expulsar qualquer laivo de razão, para acreditar em qualquer lorota. Indivíduos, assim, vivem à margem da realidade, num universo paralelo. Qualquer mentira é capaz de sugestioná-los, levá-los a acreditar naquilo piamente. Não é à toa que as “fakes news”, como ervas-daninhas, expandem-se cada vez mais nos nossos tempos.

A fim de diferir visões verdadeiras de visões falsas é preciso iniciar o raciocínio, sempre partindo do pensamento cético, livre de quaisquer credulidades. Somente assim será possível chegar a um argumento racional, livrando-se de uma argumentação falaciosa ou fraudulenta, baseada no que se lê ou ouve. É preciso muito cuidado na conduta, pois nós temos a propensão de acreditar muito facilmente nas coisas absurdas,  sem fazer qualquer questionamento, o que pode nos levar a um caminho totalmente enganoso, passando por vaquinhas de presépio. É preciso muita atenção, principalmente no campo político e religioso, onde a mentira, o engodo, a trama e a falácia imperam. Antes de aceitar qualquer expressão como verdadeira, devemos colocar o nosso raciocínio para funcionar e fazer pesquisas através da mídia séria.

Transcrevo abaixo o pensamento de alguns grandes nomes da história sobre o tema:

“O homem acredita mais facilmente no que gostaria que fosse verdade. Assim, ele rejeita coisas difíceis pela impaciência de pesquisar; coisas sensatas, porque diminuem a esperança; as coisas mais profundas da natureza, por superstição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho; coisas que são comumente aceitas, por deferência à opinião do vulgo. Em suma, inúmeras são as maneiras, e às vezes imperceptíveis, pelas quais os afetos colorem e contaminam o entendimento.” (Francis Bacon)

“É melhor a verdade dura do que a fantasia consoladora, pois no cômputo final, revela-se frequentemente que os fatos são mais consoladores que a fantasia. […] A cultura comercial está cheia de informações errôneas e subterfúgios à custa do consumidor”. (Carl Edward Sagan)

“A descrença não consiste em acreditar, nem em desacreditar; consiste em professar que se crê naquilo que não se crê. É impossível calcular o dano moral, se é que podemos chamá-lo assim, que a mentira mental tem causado à sociedade. Quando o homem corrompeu e prostituiu de tal modo a castidade de sua mente, a ponto de empenhar a sua crença profissional em coisas em que não acredita, ele está preparado para a execução de qualquer outro crime. […] O fato de nos acostumarmos com mentiras cria o fundamento para muitos outros males.” (Thomas Paine)

Ilustração: O Charlatão, c. 1502, obra de Bosch

Fonte de pesquisa
O mundo assombrado pelos demônios/ Companhia de Bolso

Indicação: Site “Além da Fé” no You Tube.

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CARL SAGAN – ALUCINAÇÕES DE COMANDO (IX)

Autoria de Lu Dias Carvalho

Os cristãos primitivos tinham a firme convicção de que o ar que respiravam estava povoado de inimigos invisíveis; de inumeráveis demônios que observavam todos os acontecimentos e assumiam todas as formas para aterrorizar e, acima de tudo, para tentar a sua virtude desprotegida. (Edward Gibbon)

A aceitação acrítica do misticismo e da superstição contribui para que se trapaceie, humilhe e às vezes até mate. […] Muitos são os charlatões conscientes vistos nas igrejas dos mais variados credos. (Carl Sagan)

Todo estudioso das crenças antigas sabe que a Grécia e a Roma antigas possuíam deuses para quase todos os fins. Segundo a mitologia oriunda desses povos, seus deuses podiam assumir as mais diferentes formas (touros, chuvas de ouro, cisne, etc.) para fecundar as mulheres pelas quais se apaixonavam, o que nos legou inumeráveis lendas. E não é que a Bíblia (Gênesis) também apregoa que demônios copulam com as “filhas dos homens”? O que vemos é que a religião cristã também imergiu no universo das religiões pagãs e dali retirou muitas bizarrices. Muito do que há no livro dos cristãos foi retirado de credos que existiram antes de Cristo, como comprovam os estudiosos de textos sagrados das mais diferentes religiões.

Muitas culturas antigas acreditavam que as ejaculações noturnas de sêmen eram instigadas por súcubos (segundo o Dicionário Aurélio – demônios femininos que, segundo uma velha crença popular, vem pela noite copular com homens, perturbando-lhes o sono e causando-lhes pesadelos). Dizia tal crença que Merlin (profeta, mago e conselheiro), Platão (filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga),  Alexandre, o Grande (imperador do reino grego antigo da Macedônia), Martinho Lutero (monge agostiniano e professor de teologia germânico que tornou-se uma das figuras centrais da Reforma Protestante), e muitos outros, assim foram gerados.

O demônio não molestava apenas as classes baixas, sendo neste ponto bem imparcial. Estava também presente nas altas, como comprova o livro escrito por Jaime I, rei da Inglaterra, quando vivia amedrontado com a existência de Satã. Ele apregoava que o tabaco era a “erva-daninha do diabo”. Contudo, o supersticioso rei veio a tornar-se um grande cético ao descobrir que adolescentes fingiam estar possuídas pelo demônio e, no suposto estado, acusavam pessoas inocentes de bruxarias, levando muitas delas à forca, enquanto outras, no entanto, passavam por “alucinações de comandos” esquizofrênicas.

“Alucinações de comandos” esquizofrênicas, segundo Carl Edward Sagan – cientista planetário, astrônomo, astrobiólogo, astrofísico, escritor, divulgador científico e  autor de mais de 600 publicações científicas e também de mais de vinte livros de ciência e ficção científica – imputa a uma figura mítica (ou tida como  tal) a ordem de fazer isso ou aquilo, até mesmo o cometimento de crimes contra a vida, como foi o caso de James Warren “Jim” Jones, fundador e líder da seita Templo dos Povos, responsável pelo suicídio/assassinato em massa  de 918 dos seus membros em Jonestown, Guiana, além do assassinato do congressista Leo Ryan e de quatro mortes adicionais em Georgetown, capital guianense, em novembro de 1978.

“Alucinações de comandos” são advindas de mentes esquizofrênicas, tornando-se ainda mais perigosas quando encontram um campo fértil para se espalhar. Grupos excessivamente sugestionáveis podem levar a sério quaisquer que sejam os seus mentores, sem qualquer posicionamento crítico.  Com eles se integram, interagem e agem no cometimento de atos insanos contra a sociedade em que se inserem, como vimos acontecer com Adolf Hitler (político alemão que foi líder do Partido Nazista, Führer da Alemanha Nazista de 1934 até 1945, principal instigador da Segunda Guerra Mundial na Europa e figura central do Holocausto). Seus seguidores julgavam-no um “ser supremo”, acima do bem e do mal.

Grupos que se deixam guiar por “alucinações de comandos”, são desprovidos de consciência crítica, ignoram a Ciência e apostam no caos como resolução de seus problemas. Não aceitam os fatos como são, mas como acham que deveriam ser e, por isso, tentam moldá-los à sua vontade, como se fizessem parte daquele joguinho infantil tão conhecido como “Siga o Líder”. Faz-se necessário coibi-los, sem jamais estimulá-los, pois uma mente doentia aguarda apena um gatilho para cometer insanidades.

Ilustração: A Carroça de Feno, obra de Bosch criada entre 1485 e 1500.

Fonte de pesquisa
O mundo assombrado pelos demônios/ Companhia de Bolso

Indicação: Site “Além da Fé” no You Tube.

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CARL SAGAN – AS BRUXAS DE SALÉM (VIII)

Autoria de Lu Dias Carvalho

As mulheres que não estavam em conformidade com as normas da sociedade puritana eram mais propensas a ser alvo de uma acusação, especialmente aquelas que eram solteiras ou não tinham filhos. (Roach, Marilynne K.)

Tornou-se célebre na América do Norte e em todo o mundo o julgamento das “bruxas de Salém” (Salem – atual Danvers, Massachusetts/Estados Unidos), expressão que ainda perdura na oratória política e na literatura. Ali, no final do século XVII,  foram criados uma série de audiências e processos contra pessoas acusadas de bruxaria, sendo muitas delas executadas em nome da fé cristã.

A maioria (78%) dessas vítimas eram mulheres. A crença e a cultura puritana predominantes à época acreditavam que as mulheres já traziam em si o “germe do pecado”, sendo, portanto, mais suscetíveis a ele e, consequentemente, mais suscetíveis à condenação do que os homens.  Acreditavam os fanáticos que o diabo apreciava mais as mulheres e, por isso, elas se tornavam mais desprotegidas em seus corpos fracos e vulneráveis. Criadas dentro deste contexto cruel, não nos causa surpresa o fato de que o número de mulheres que admitiam estar sendo tomadas pelo diabo fosse quatro vezes maior do que o dos homens. Todo tipo de fanatismo elimina a capacidade crítica da pessoa, tornando ela um joguete nas mãos dos espertalhões. Cuidado!

Naquele contexto de horror, quanto mais absurda fosse a prova atribuída à vítima, mais credibilidade recebia, sob a alegação de que o diabo era ardiloso, cheio de artimanhas, capaz de articular o inconcebível. Conta-se que um marido alegou que sua esposa não era uma bruxa, pois dormia com ele quando foi acusada de encontrar-se num sabá* das bruxas, mas recebeu dos inquisidores a resposta de que um demônio havia ocupado o lugar dela na cama, sendo ele (o marido) incapaz de reconhecer os poderes de simulação de Satã, ao simular ser a mulher. E mais, alegavam eles que inquisidores e torturadores, assim como os carrascos, cumpriam ordens de Deus, a fim de salvar as pobres almas e derrotar os demônios.

Tais acontecimentos alertam-nos para o perigo que é a união entre Religião e Estado. Neste casamento vil e amedrontador as maiores vítimas acabam sempre sendo as mulheres, tidas por diversos credos religiosos como inferiores aos homens e manipuláveis pelo diabo. Observe, leitor, a hierarquia das Igrejas e veja como o gênero feminino não é bem-vindo em cargos mais altos. As práticas abusivas direcionadas às mulheres são tidas como “altruístas”, com a finalidade de protegê-las disso ou daquilo, como se capacidade intelectual não tivessem. Os charlatões, entranhados no cerne de diversas religiões, apregoam agir em nome de Deus, cometendo os mais horrendos crimes. Seu Deus não passa de um garoto propaganda que lhes enche a burra, tornando-os cada vez mais ricos. Haja hipocrisia!

O episódio relativo às “bruxas de Salem” encontra-se entre o casos mais conhecidos de histeria em massa, tendo como fermento certo credo religioso na América Colonial. Acontecimento como esse são um alerta contra os perigos advindos do extremismo religioso e da união entre Estado e Igreja. De acordo com o historiador George Lincoln Burr, o assombroso caso sobre “a bruxaria de Salém” contribuiu para que a teocracia** fosse desmantelada no país. Ainda bem!

*O sabá, segundo o dicionário Aurélio, era um conciliábulo de bruxos que, segundo a superstição medieval, reunia-se no sábado à meia-noite, sob a presidência do diabo.

**Sistema de governo em que o poder político se encontra fundamentado no poder religioso.

Ilustração: O Sabá das Bruxas, 1797-1798, obra de Francisco Goya

Conheça a história das Bruxas de Salém acessando o site: https://socientifica.com.br/conheca-a-historia-da-caca-as-bruxas-de-salem/

 

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CARL SAGAN – DIABOS x DIABRURAS (VII)

Autoria de Lu Dias Carvalho

Os diabos […] procuram interferir no processo da cópula e concepção normal, obtendo o sêmen humano e transferindo-o a eles próprios. (Kramer e Sprenger)

Os demônios podem transferir o sêmen que coletaram e injetá-lo nos corpos de outras pessoas. (Tomás de Aquino)

Não apenas as bruxas eram queimadas em fogueiras, mas também os hereges – crime cometido tanto por católicos quanto por protestantes, só mudando mesmo o rótulo religioso, bastando lembrar que a própria Bíblia foi impedida de ser traduzida para o inglês, conservando-se por muitos e muitos anos no latim arcaico, inacessível ao povo. Tratava-se de uma maneira de impedir o acesso das pessoas comuns à “palavra de Deus”, pois viriam a fazer suas próprias interpretações e tornar-se-iam independentes das hierarquias religiosas católica e protestante. O que a Igreja cristã receava é que viesse a deixar de agir como “intermediária” entre os adeptos e Deus. O erudito William Tyndale (1494-1536), que seria o tradutor do livro sagrado dos cristãos, foi caçado e perseguido por toda a Europa e posteriormente queimado na fogueira.

Retomando o assunto sobre a caça às bruxas, visto em outros textos publicados anteriormente, a última execução de que se tem notícia na Inglaterra foi a de uma mulher e sua filha de nove anos, ambas enforcadas. Seu crime, segundo os censores da época: provocar uma tempestade ao despirem-se das meias. Não estranhe, caro leitor, pois hoje ainda vemos pessoas malucas dizerem que antenas provocam chuvas e tempestades. Se assim fosse, o deserto do Saara estaria verdejante, repleto delas.

Os doentes mentais foram também grandes vítimas desse período nefasto. As crendices religiosas atribuíam aos doentes mentais a possessão demoníaca. Vemos isso na Bíblia em Marcos 9:14-29, Mateus 17:14–21 e Lucas 9:37–49), que diz que um garoto foi apossado por espíritos. Para muitos estudiosos o garoto era vítima de epilepsia. Naqueles tempos até mesmo a insônia era atribuída aos demônios. Somente a partir do século XVIII foi que as doenças mentais deixaram de ser vistas como sobrenaturais, ou seja, causadas por obra dos “anjos caídos” ou demônios.

Martinho Lutero, no ano de 1992, criou um “manual de guerra espiritual” (Prepare-se para a Guerra), através do qual apregoava que o sexo fora do casamento era, na maioria das vezes, resultante de infestação demoníaca; que a meditação, ioga e artes marciais não passavam de cultos aos demônios; e que Satã era o responsável pelo surgimento do rock na música.

Causa espanto à maioria de nós – viventes do século XXI – que a demonização ainda se encontre à solta em diferentes religiões, com o intuito de provocar o pavor nos devotos, objetivando torná-los subservientes e reféns de diferentes credos, a fim de encher o caixa das igrejas.

Ilustração: Lâmpada do Diabo, 1797, criada por Francisco Goya

Fonte de pesquisa
O mundo assombrado pelos demônios/ Companhia de Bolso

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O VINHO MAIS COBIÇADO DO MUNDO

Autoria de Fernando Carvalho

O Romanée-Conti é o vinho mais cobiçado do mundo, símbolo de status, riqueza, poder e manifesta ostentação. Muitos séculos de história alicerçam esta condição. No ano de 1131, o Duque de Borgonha cedeu suas terras ao Mosteiro de Saint-Vivant. Em 1790, o já famoso vinhedo foi vendido a Louis-François de Bourbon, príncipe de Conti, que disputou a compra com Madame Pompadour. O príncipe destinava toda a produção para seu consumo pessoal (e dos amigos, claro). O príncipe, com a cara cheia de vinho devia aprontar muito, tanto é que foi preso durante a Revolução Francesa.

A denominação Romanée-Conti data de 1794. E a família Villaine detém a propriedade do terroir desde 1911. Eça de Queirós chegou a dizer que por causa deste vinho um filho mataria o próprio pai. Um documento histórico da época do terror da Revolução Francesa refere-se ao vinho como “um bálsamo para os idosos, os frágeis e os deficientes, devolvendo a vida aos moribundos”.

O vinho, desde os tempos bíblicos, sempre foi usado como medicamento. O bom samaritano cuidou do seu próximo que fora assaltado e espancado com vinho e azeite. Já se escreveu sobre o Romanée-Conti como “uma mão de ferro em luva de veludo”, por aliar estrutura e maciez. Robert Parker, um crítico de vinho notório por sua análise fria e precisa percebeu no vinho “aromas celestiais e surreais”.

Costuma-se dividir os enófilos – os amantes do vinho – em dois grupos: os que provaram o Romanée-Conti e os que morrerão sem sentir-lhe o bouquet. O atual dono do terroir, Albert de Villaine, tem uma idiossincrasia, só atende quem gosta de vinho. Deixou de receber Giscard d’Estaing porque ele não gostava de vinhos. Não recebeu também o presidente do Cazaquistão pelo mesmo motivo, embora se tratasse de um homem muito rico. E disse que receberia o Lula se ele amasse o vinho. Lula, todos sabem, bebeu um Romanée-Conti, safra 1997, pago por Duda Mendonça, para comemorar a vitória na campanha à Presidência da República em 2002. Lula até que achou o vinho gostoso, mas ele prefere uma caipirinha. Detalhe, o dono do restaurante emoldurou essa garrafa vazia e colocou-a na parede, mas depois um larápio furtou-a.

Aqui no Brasil monsieur Villaine jantou com Paulo Maluf durante a primeira visita que fez ao nosso país em 1993. Paulo Maluf simplesmente coleciona Romanée-Conti de diferentes safras. Villaine, diante da quantidade e variedade de vinhos do seu “monopólio” na adega de Maluf teria comentado: “Só vi isso em país subdesenvolvido!”. O Brasil com efeito é o décimo consumidor mundial do precioso néctar, pois consome 80 caixas por ano. Arrematou de Villaine: “Não é meu estilo”. Moral da história: o Romanée-Conti na verdade é um vinho ao qual só tem acesso os ricos e os corruptos (duas faces da mesma moeda).

Albert de Villaine discorda da especulação em torno do Romanée-Conti. Em 1978 uma única garrafa da safra de 1978 foi vendida por 24 mil dólares. Mas o fato é que o precioso vinho já virou investimento. Uma garrafa de uma boa safra quadruplica seu valor, pelo menos, em dólares em dez anos. O Romanée-Conti é vendido em caixas de 12 garrafas onde apenas uma delas é o próprio. É claro que uma mitologia alimenta isso tudo. O crítico de vinhos da revista Gula, Guilherme Rodrigues diz que “De cada dez safras de Romanée-Conti, uma realmente vale o preço”. Um outro crítico de vinhos disse que 50 dólares paga a garrafa de qualquer vinho, acima desse valor a pessoa está pagando pela grife.

 

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