Arquivo da categoria: História da Humanidade

Esta categoria tem por objetivo mostrar aspectos e costumes sociais da vida humana em tempos idos.

ADULTÉRIO – DE PECADO VENIAL A MORTAL

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Se estudarmos a origem de certos pecados, daremos boas risadas, pois, na maioria das vezes, não são frutos da visão filosófica dessa ou daquela religião, que define isso ou aquilo como bem ou mal, mas da vontade expressa de uma elite preocupada apenas com o próprio umbigo. E, como as religiões sempre beneficiam os poderosos, seus ditames acabam se tornando leis.

O adultério é um desses pecados. Foi criado para atender os donos das grandes propriedades, ainda nos tempos primevos. Tanto é que de venial passou a mortal, sem que houvesse uma explicação plausível. Mesmo assim, apesar da cumplicidade dos poderosos com a Igreja (qualquer que seja ela), grande parte dos povos antigos não dava a menor importância a tal pecaminosidade. Continuava vivendo de acordo com seus próprios costumes.

A passagem do adultério para o rol dos pecados mortais, nada mais foi que o carimbo do macho sobre a fêmea, no sentido estrito de posse, uma vez que toda a carga da repressão era jogada sobre a mulher, enquanto se fechava os olhos para os deslizes do homem. Ele era seu dono e senhor. Ela fazia parte dos seus bens. Tanto é que, na época do patriarcado, o adultério era visto como um furto. A posse do macho sobre a fêmea era tão real, que a mulher, quando o marido morria, era sacrificada e enterrada junto a ele, no túmulo, com todos os bens, para servi-lo no outro mundo, apesar de já estar cansada de servi-lo neste. Mesmo no ato de emprestar a esposa a um hóspede, não havia ecumenismo algum, servia apenas para mostrar ao visitante a autoridade que o marido exercia sobre a vítima, digo, esposa.

Não se tem conhecimento de nenhum castigo impingido ao homem adúltero, enquanto as mulheres podiam passar por uma simples expulsão da família ou pelo estripamento. Alguns povos tiveram muita dificuldade em aceitar o rigor contra o adultério, como os índios cherokees, que mudavam de mulheres até quatro vezes por ano, e os samoanos, que ficavam com suas mulheres uma média de três anos. Sem falar nas culturas em que as mulheres podiam fazer suas escolhas livremente, quantas vezes quisessem.

A vida agrícola, responsável pela fixação do homem na terra, período em que ele deixa de ser nômade, torna o casamento ainda mais permanente. Além de o divórcio ser antieconômico, pois significava perder uma escrava e muitos escravos mais novos, a união prolongada era a garantia de que o pai teria os filhos criados, que viriam a assumir as tarefas dele, pois, depois de longos anos juntos, debaixo de muita chuva e sol, não sobrava mais vigor físico (ou sexual) para se criar uma nova ninhada. Sem falar que o pai de quase nada podia usufruir, já que morria muito cedo. Pelo sim ou pelo não, os cônjuges optavam por continuar juntos com sua prole que se aboletava em volta deles.

O poder econômico volta a mexer na estrutura familiar. Acontece que, com o crescimento da indústria urbana, a família, que já oferecia uma mão de obra insuficiente, em razão da monogamia, perdeu a sua importância, trazendo novamente o divórcio à baila, recomeçando a ladainha da humanidade. Mas aí é outra história.

Fonte de pesquisa:
Nossa Herança Oriental/ Will Durant

Nota: Cena do filme A Guerra do Fogo

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A PROCRIAÇÃO E A MULHER ANTIGAMENTE

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Quando destrinchamos os meandros da história da humanidade, percebemos que a mulher sempre carregou a carga mais pesada e, mesmo assim, com exceção do tratamento dado a elas dentro das famílias matriarcais, jamais teve o seu valor reconhecido. É interessante saber como as mulheres primevas lidavam com o ato sexual e com a reprodução humana.

Nos tempos idos, o homem desejava uma prole imensa, mas por detrás de tal desejo existia um objetivo escuso: mão de obra servil. Espertinho como sempre, teve que arrumar uma justificativa para induzir a mulher, a quem cabia todo o peso da reprodução, a pensar como ele, cooperando na produção de cativos. O que fez o vivaldino? Com a conivência da religião e do poder, transformou a maternidade em algo sagrado. Assim sendo, pensava ele, quem haveria de se opor a ela?

A fêmea espertíssima não caiu na lábia do macho interesseiro. Ela se rebelou secretamente de todas as maneiras possíveis, tudo fazendo para escapar da pesada carga, já que não tinha nenhuma ajuda do cambondo, tão entusiasmado em aumentar o número de pirralhos, mas extremamente alheio à labuta na criação da molecada. O torunguenga ainda exigia que todas as crianças tivessem o mesmo sexo do pai, supondo que o macho era mais forte no eito, sem pensar em momento algum que sem a fêmea não poderia haver procriação. Mas nem sempre era ouvido pelos deuses, que queriam que a Terra continuasse sendo povoada, a menos que transformasse o turuna em hermafrodito.

O fato é que a mulher, para fugir da pesada labuta, inventou o feticídio e o infanticídio, além de usar outras maneiras para evitar o contato com o surunganga, pois não era inhenha para ficar só embuchando ano após ano. Listo aqui algumas saídas encontradas pela tranchã para deter a parição excessiva, costume que variava de acordo com cada tribo:

  • negação do prazer sexual ao homem, no período em que ela estivesse amamentando. Em alguns casos, os filhos viravam garrotes mamando. Havia casos de meninos fumarem e mamarem no mesmo período. Agindo assim, a mulher ganhava espaço e afastava o macho de seu corpo por um bom tempo;
  • adoção do costume de se recusar a ter o novo filho, antes que o primeiro completasse 10 anos; Sem nenhum conhecimento contraceptivo, o homem era obrigado a se satisfazer em outras freguesias, para o bem da parceira que, com uma carga tão pesada, acabava perdendo o gosto pelo sexo;
  • durante os três primeiros anos de casamento não se podia ter filhos; o casal deveria arrumar primeiro a vida, antes de receber seus rebentos. Como homens e mulheres casavam-se muito novos, essa media não trazia muito efeito;
  • a mulher não podia ter filho antes dos 30 anos, devendo, para tanto, usar muitos artifícios, já que se encontrava numa idade extremamente fértil;
  • era comum o uso de ervas, ou alteração na posição do útero, para evitar a concepção. Se uma dessas formas falhava, a mulher optava pelo feticídio. E, se esse também falhava partia para o infanticídio.

O infanticídio era executado por muitos motivos, tais como:

  • se o bebê nascia disforme ou doente, ou se era bastardo;
  • se a mãe havia morrido no parto;
  • se fosse dado à luz sob más circunstâncias;
  • se nascia por ocasião de tempestade;
  • se nascia em março ou abril;
  • se nascia na quinta ou sexta-feira ou na última semana do mês;
  • se a mulher parisse gêmeos, já que um mesmo homem não podia ser ao mesmo tempo pai de duas crianças. Um dos bebês ou ambos eram condenados à morte;
  • os nômades reduziam o número de crianças, para não atrasar as marchas;
  • cada casa só podia ter duas crianças. O excedente era eliminado;
  • na época de carestia, muitas tribos estrangulavam as crianças de peito.

Em geral, as meninas eram as principais vítimas. Muitas vezes, elas eram torturadas até à morte, a fim de induzir a alma, quando voltasse a se reencarnar, a escolher o sexo masculino, e não cair na bobagem de nascer mulher. Assim sendo, nada mais sensato que do que fazer com que a alma apanhasse bastante para voltar homem. Só as almas “ingênuas” nasciam mulheres.

O homem primitivo tinha senso de propriedade, mas não tinha ciúme sexual. O contato da mulher com outro homem não tinha problema algum, desde que passasse por sua permissão. Aí estão fincadas as raízes do machismo que ainda perdura nos dias de hoje.

A mulher esteve sempre ligada ao tabu. As muitas superstições faziam dela um ser “impuro”. Chegou a ser considerada como a raiz de todos os males. A menstruação feminina era vista como uma aberração da natureza, a ponto de se achar que qualquer homem, que tocasse numa mulher menstruada, perdia a virtude e a virilidade. Em algumas tribos, ela era proibida de entrar nas florestas para não ser mordida por serpentes enamoradas. O parto também era visto como impuro. Para ser purificada, a mulher tinha que passar por muitos rituais. Dentre muitos povos primitivos, a relação sexual não se dava quando a mulher estava menstruada, grávida ou amamentando.

O mais triste em toda esta história é que a mulher continua inferiorizada, não apenas nos países onde religiões extremistas tratam-na como um objeto do homem, mas também nos ditos civilizados, onde trabalha fora para ajudar na manutenção da família, é responsável pela criação dos filhos e pelo trabalho de casa, sem uma participação mais efetiva de seu companheiro.

Nota: Artesanato de Araçuaí

Fonte de pesquisa:
Nossa Herança Ocidental/ Will Durant/ Editora Record/ 4ª edição

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A MULHER E A COSMETOLOGIA ATRAVÉS DOS TEMPOS

Autoria de Rosali Amaral

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Desde a antiguidade, a arte do embelezamento com o uso dos cosméticos vem influenciando o comportamento e o estilo das mulheres. No período pré-histórico eram usadas pinturas corporais, tatuagens, usando terras coloridas, argila e tintas extraídas das árvores, pó de pétalas de flores nos lábios e unhas e misturas de ervas queimadas e madeira aromáticas como perfume.

No Egito, de 1400 a.C a 400 a.C, os faraós e egípcios pintavam os olhos com o khol, um pigmento preto de sulfeto de amônio como proteção contra Rá, o deus do sol; no rosto, máscaras de argila, pó e ruge extraídos das plantas e arbustos, nos lábios, o carmim, substância corante vermelho vivo extraída do vulgo pulgão. Na pele, usavam azeite, cremes e banhos perfumados ou com leite de cabra, e nos cabelos era costume usar a henna ou usá-los completamente raspados. Cleópatra é considerada símbolo desse período.

A Grécia, a partir de 400 a.C, era tida como a civilização da beleza, pois os gregos eram fanáticos por banhos, dietas, atividades físicas e usavam, nas massagens e cabelos, óleos extraídos de flores e plantas. Coloriam os olhos com preto e azul, rosto pálido e bochechas carmim, lábios e unhas pintadas de uma mesma cor. Em Atenas foi criado o primeiro salão de beleza. Época em que Hipócrates, que estudou anatomia humana, praticava o uso dos cosméticos na ciência.

Os romanos, em 180 d.C., também tinham obsessão pela estética. Usavam maquilagem, depilação, penteados, buscavam peles brancas através de máscaras noturnas feitas com farinha de favas, miolo de pão e leite de jumenta, cabelos loiros, banhos de leite e termais, e passaram a usar o ferro para ornamentar e modelar os cabelos.

Com a decadência do Império Romano, o culto à beleza e práticas de higiene foram abandonados por causa do rigor religioso do Cristianismo, pois o uso de cosméticos  era considerado  pecado. As gordinhas eram modelos de beleza e os banhos, que passaram a ocorrer uma vez  por ano, foram substituídos por perfumes de odores fortes. A higiene era feita somente nas mãos e rosto com toalhinhas úmidas, o rosto era pálido por causa do alvaiade, pó tóxico usado também para fazer massa de barrar, juntamente com óleo de linhaça, cré (giz) e aguarrás pura; nas bochechas usavam o carmim.

A partir das Cruzadas e Renascimento, há um retorno, ainda que tímido, das práticas dermatológicas, já que as mãos eram lavadas, apenas uma vez por semana; passavam na testa uma mistura de sulfeto de arsênico, cinza úmida, vinagre e sangue de  morcego, para evitar o crescimento dos cabelos, pois a moda era testa grande e alta. E não lavavam os cabelos. Leonardo da Vinci pintou Monalisa nessa época.

Somente na Idade Moderna é que o uso dos cosméticos deslanchou com a venda de cremes sofisticados, pomadas, azeites, águas aromáticas, sabonetes e outros produtos em Paris. O ato de colorir os lábios voltou a ser moda e as perucas extravagantes ornamentavam as cabeças. E os perfumes de odor forte eram eficazes em disfarçar os maus odores. No Romantismo, séc. XIX, com a Revolução Industrial, houve uma popularização e facilitação na produção de cosméticos, as mulheres usavam cachos e surgiu o secador tipo capacete.

A partir do século XX, houve o desenvolvimento da indústria dos cosméticos, criação de grandes marcas de produtos, símbolos sexuais como Rita Hayworth, o uso de cosméticos, como maneira de enfeitar, corrigir, prevenir e seduzir, até os dias de hoje, a era da escova progressiva, da nanotecnologia, dos alfa-hidroxiácidos usados nos cremes anti-idades, era do colágeno e botox, da lipoaspiração das próteses e muito mais.

Nestes tempos, em que se comemora O Dia Internacional da Mulher, a luta da mulher por mais liberdade e independência, mais respeito à sua integridade física e moral, às suas ideias e direitos trabalhistas, sociais e sexuais, resultando assim numa sociedade mais igualitária e um mundo mais humano e feliz, vemos uma supervalorização do corpo pela mídia, pela sociedade, pelas indústrias e até por ela mesma, tentando buscar o rótulo de ser perfeito.

Houve um tempo em que os produtos de beleza eram usados somente na intenção de fazer a higiene do corpo e mantê-lo saudável e a beleza feminina era vista como uma dádiva de Deus. Hoje, os cosméticos adquiriram muito mais poder e a beleza passou a ser uma conquista individual que afeta as decisões, estilo de vida e até o psíquico da mulher e de muitos  homens, uma vez que eles acreditam que só estarão felizes e satisfeitos, se forem considerados bonitos pelo outro.  Já não é mais condenável sofrer para se tornar belo.

Assim, a indústria da beleza se tornou peça fundamental no universo feminino, e, atualmente, no masculino também, bens de consumo obrigatórios, pois satisfazem a vaidade e desejos estéticos, onde a principal preocupação é manter o visual impecável para si e para a sociedade. Criou-se uma cultura, onde o corpo passa a ser considerado objeto a ser exibido, cobiçado e admirado pelas pessoas. Daí a excessiva exposição de corpos esculturais pela mídia, que induz à falsa ideia de que só quem consome produtos cosméticos, revistas de moda, e frequenta academias, salões de beleza e clínicas de estética, etc., alcança a felicidade.

Vivemos numa sociedade que desvaloriza o envelhecimento natural, mas que valoriza o corpo sem celulite, sem rugas, sem cabelos brancos, e faz com que a velhice e as mulheres desprovidas de beleza vivam um drama, atormentadas pelo espelho e pela balança (e muitos homens também). Por que buscar um estereótipo de beleza e não considerar belas as marcas do tempo, que são sinais de maturidade e experiência? Já não é hora de sair da escravidão que é imposta à mulher? Não é hora de uma nova revolução em busca de uma mentalidade da beleza estética menos neurótica, mas também do conhecimento e crescimento interior das coisas da alma e do espírito?

Nota: Retrato de Madame Matisse, Matisse

Fontes de pesquisa:
Caos – Revista Eletrônica de Ciências Sociais nº 18
História da Cosmetologia – Daniela Schimiguel
Anais do IV Colóquio Internacional Cidadania Cultural: diálogos de gerações – Setembro 2009

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NÃO JOGUE O BEBÊ FORA…

Autoria de Lu Dias Carvalho tina12

Confesso que por muito tempo não compreendi o significado da expressão Não jogue o bebê fora junto com a água. Mas recentemente veio a luz que me clareou as ideias. Imagino que muitos leitores também não conhecem o significado, pois, no mundo contemporâneo, aprendemos que as crianças são colocadas em primeiro lugar, mas não era bem isso que acontecia antigamente.

Temos conhecimento de que nos séculos XVI e XVII, a higiene não era levada a sério, em razão das muitas superstições, sendo a água, elemento essencial para a higienização do ser humano na sua vida diária, considerada como maléfica à saúde. Assim sendo, os banhos eram esporádicos. E, quando tomados, a água quente, posta numa enorme tina de madeira, era destinada a toda a família, sem nenhuma troca. Virgem Maria, que horror! E ainda era preciso obedecer a certo ritual:

O primeiro a tomar banho na água limpinha, ainda virgem, era privilégio do chefe da família, o senhor todo poderoso do lar. Ele se esbaldava na tina, deixando ali todo o seu bodum. Vinham a seguir, os demais homens da família, obedecendo a ordem da idade, sendo os mais velhos os primeiros. Após esses, seguiam-se as mulheres, também obedecendo a idade, as mais velhas, primeiro. As crianças, coitadinhas, eram as últimas. Mas o leitor não faz a mínima ideia do que era reservado aos anjinhos.

Imagine, meu caro amigo, como era o caldo preto e seboso que sobrava para as crianças, depois de ter passado aqueles  indivíduos malcheirosos por aquela água, vindos de muitos dias sem banho, quiçá meses, durante o inverno. Melhor seria que os bebês ficassem como estavam. A situação era tão preta que era possível perder um dos anjinhos dentro daquele caldeirão de xixi, chulé, bunda suja e coisa e tal. Era preciso muito cuidado para que um bebê não fosse jogado fora, junto com a água suja, sem que os criados perecebessem. Daí nasceu a expressão “Don’t throw the baby out with the bath water.”, ou seja, “Não jogue o bebê fora junto com a água do banho.”.

Ufa! Não era fácil ser criança naqueles tempos!

Nota: imagem copiada de sannitas.blogspot.com

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O ANO NOVO ATRAVÉS DOS TEMPOS

Autoria de Lu Dias Carvalho tac

Em quase todas as culturas, o primeiro dia do ano que se inicia é comemorado com variados tipos de festejos. Os gregos passaram tal tradição aos romanos, e o legado pagão das celebrações do Ano Novo chegou até os primeiros cristãos, perpetuando até nossos dias.

A festa de Ano Novo herdou das festas da primavera, quando se festejava a abundância das colheitas e se realizava a troca de presentes agrícolas entre as famílias, em meio a muitas danças, os presentes, as festas e as congratulações entre parentes e amigos, saudando o novo ano. Nos dias de hoje, os presentes estão inseridos no Natal, mas os cumprimentos continuam no Ano Novo.

Antigamente, fazia parte dos costumes, as pessoas que viviam na roça virem passar o Ano Novo com os parentes na cidade, já lhes deixando o convite para o São João, comemorado no meio rural. Normalmente, ali permaneciam até depois da festa de Reis. E, assim como no Natal, a ceia da meia-noite reunia toda a família em volta da mesa.

Muitas superstições ganhavam vida na passagem do ano velho para o novo ano. Uma delas rezava que não se podia dormir antes da meia-noite, pois quem o fizesse não veria o nascer do ano seguinte, assim, mesmo as crianças ficavam até tarde aguardando o novo visitante. O cumprimento mais comum, usado entre as pessoas era:

– Boas saídas e melhores entradas!

O primeiro dia do ano era uma festa contínua, com as visitas e trocas de presentes, quase sempre comestíveis, principalmente entre os menos endinheirados. Os mimos iam acompanhados de um cartão de visitas ou de uma carta que, segundo o escritor Mello Moraes Filho, normalmente se iniciava assim:

“… Boas saídas e melhores entradas eu lhe desejo. Incluso, encontrará vosmicê um peru (ou frango, ou pastelão, ou pão-de-ló…), para mais um prato de seu jantar.”

 A falta de parentes mais chegados à mesa da família, nesse dia, não era vista com bons olhos, pois se acreditava que “o que se fazia no primeiro dia do ano, seria feito o ano inteiro.” Também não podia faltar a roupa nova, feita especialmente para a data.

Após se regalar com as comilanças, os mais velhos empenhavam-se nos discursos de agradecimentos e felicitações pelo ano que se iniciava. Os rapazes, por sua vez, recitavam motes, enquanto as moças tímidas e envergonhadas, diante das palavras “amor” e “meu bem”, ficavam cabisbaixas.  A criançada espalhava-se pela casa em grande algazarra.

O primeiro dia do ano também era dedicado às visitações, aos passeios pelo paço e aos votos de “boas festas” e “boas entradas”. As bandas militares tocavam na porta das pessoas graduadas e ricas desejando-lhes um bom ano e, em retribuição, recebiam avultadas quantias.

E como os cumprimentos continuam:
Boas entradas para todos!

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O ANO NOVO E A ESCRAVIDÃO

Autoria de Lu Dias Carvalho tac1

Se o Ano Novo era um tempo de festa para seus senhores, era uma época de muito serviço para os escravos, pois a eles cabia todo o trabalho na arrumação da casa, no passar das roupas novas, na preparação da comilança e na entrega dos presentes. Enquanto os convivas regalavam-se na sala de jantar, na cozinha só se ouvia o barulho das panelas e o lavar das louças e cristais.

Os escravos eram os responsáveis por levar os presentes: leitões, galinhas, patos e marrecos, entre outras dádivas, aos presenteados. Também eram vistos carregando caixotes de vinho e caixas de açúcar. Quando o presenteado era de alta posição, assim como o doador, criados de libré iam à frente de escravos enviados com colchas da Índia, aparelhos de porcelana da China, baixelas de prata, cavalos de montaria e outras dádivas.  Quando se tratava de famílias menos ricas, seus escravos, normalmente mulheres ou garotos, transportavam, a mando de seus donos, pão de ló, bolo inglês, pastelão e outras guloseimas, dentro de salvas, cobertas com uma gaze colorida, encimada por um pequeno buquê de flores artificiais, dentro do qual se encontrava um cartão ou um escrito do presenteiro.

Além de todos os tipos de presentes mencionados, a Bahia tinha um hábito estranho e desumano para os dias de hoje: doava escravo como presente de Ano Bom. Normalmente era um meninote ou uma menina, ou ainda um casal de escravos novos. Assim escreve o escritor Mello Moraes Filho (1844-1919), em seu livro Festas e Tradições Populares do Brasil:

“…não causava espanto entrarem por uma casa dois negros de casaca de portinholas com vivos amarelos ou vermelhos, de chapéu oleado com galão, calça curta e um pau no ombro, acompanhando o portador de uma carta na qual se lia:

… Como uma lembrança de Ano Bom, ofereço-lhe essa parelha de negros de cadeia, pedindo desculpa de não ser cousa suficiente…

O Dia de Ano Bom era também a época em que os escravos mais suavam a camisa de algodão barato, carregando as cadeirinhas, meio de transporte da época, com seus senhores, familiares e visitantes, para cima e para baixo, já que tal dia era dedicado à visitação. A diversão era tão incomum aos escravos que o escritor, acima citado, escreveu:

“Os escravos, que nunca foram estranhos às alegrias e desgraças de nosso lar, ganhavam festas, tinha folga, divertiam-se também.”

Quão abominável era a escravidão!

Nota: Imagem copiada de http://educador.brasilescola.com

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