Arquivo da categoria: Mitos e Lendas

O mito é uma narrativa na qual aparecem seres e acontecimentos imaginários, que simbolizam forças da natureza, aspectos da vida humana, etc. A lenda é uma narração escrita ou oral, de caráter maravilhoso, na qual os fatos históricos são deformados pela imaginação popular ou pela imaginação poética.

COMO SURGIU O BACURAU

Recontada por Lu Dias Carvalho

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Ainda quando havia poucas gentes no mundo, numa aldeia no coração da Amazônia, havia uma tribo que tinha uma índia tão formosa quanto a Lua. Enarê era a única filha do cacique, pois os outros filhos eram cinco valentes guerreiros. Não havia quem não olhasse para aquela jovem e não ficasse boquiaberto com o seu encanto. Muitos jovens cobiçaram-na, mas ela escolheu Moacir como marido, o mais forte guerreiro da tribo.

Toda noite, Enarê e seu esposo deitavam-se tão juntinhos, que nenhuma formiga passava entre os dois. Eles se mavam intensamente. Só que Enarê sofrera um encantamento por parte de um espírito do mal, zangado com sua formosura, e nada contara a seu companheiro. Assim, toda noite, sua cabeça desprendia-se do corpo, que ficava agarradinho no marido, e saía floresta afora, entrando em todas as ocas, em busca de alimento. Era uma fome irrefreável. Mas antes do dia clarear, a cabeça voltava bem de mansinho, sem fazer ruído algum, para seu corpo. Marido e mulher acordavam como se nada tivesse acontecido.

Moacir, contudo, não sabia o porquê de seu peito amanhecer sempre manchado de sangue, se nele não havia ferimento algum. Ia até o rio, acompanhado de Enarê, onde os dois tomavam um demorado banho, acompanhado de muitas brincadeiras. Assim, ele logo se esquecia do sangue. Porém, seus amigos também passaram a notar aquela mancha sanguinolenta, que desaparecia após o casal banhar-se. Curiosos, resolveram ficar à espreita, observando o que ocorria na cabana do casal. E, como quem procura acaba achando,  descoriram o encantamento de Enarê. Contaram ao marido tudo o que acontecia durante a noite, alertando-o para o fato de que o sangue era respingos da cabeça de sua mulher, ao se unir ao corpo.

Enarê trabalhou o dia todo, sem ter conhecimento do triste destino que a aguardava. Fez beiju, trançou esteiras e cantou lindas canções de sua infância. À noite, deitou-se mais cedo, pois estava muito cansada, enquanto seu marido e companheiros preparavam seu fim. Quando ele se deitou, ela se aconchegou a seu guerreiro, descansando a cabeça no seu peito. Na hora habitual deu-se a separação entre o corpo e a cabeça de Enarê. Lá fora, uma grande fogueira crepitava. E nela foi jogado o corpo da jovem índia. Embora distante, a cabeça sentiu as queimaduras e gritou alucinadamente de dor. Voltou rápida como o vento, e uniu-se ao corpo, dentro daquele fogaréu.

Enarê saiu toda chamuscada da fogueira, quebrando o encantamento. Porém, toda a sua beleza queimou-se junto. Encontrava-se tão feia, mas tão feia como o espírito do mal. Aflita, correu para o igarapé mais próximo, onde se livrou das cinzas, e acalmou a pele ressecada pelo calor. E chorou… Chorou muito! Compadecido, o espírito da noite transformou-a num pássaro de nome bacurau, de plumagem acinzentada e hábitos noturnos, também conhecido como acurau, curiango, amanhã-eu-vou, ibijaú, noitibó e muitos outros nomes.

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PORQUE O CÉU FICOU MAIS ALTO

Recontada por Lu Dias Carvalho

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Quando a humanidade apareceu, veio com ela a Maldade, em forma de um animal muito estranho, que não apenas matava os bichos sem dó ou piedade, como dava cabo às gentes. Ela não deixava escapar nem mesmo as criancinhas, dizendo que tinham uma carne tenra e saborosa. Vendo que sua espécie estava a caminho do extermínio, tendo como companhia um ser tão cruel e voraz, os homens combinaram dar fim àquela crueldade que nascera no seio deles. Organizaram um estratagema.

Certo cacique, muito corajoso, chamou a Maldade para caçar. Essa foi logo avisando que, se não pegasse nada, ele seria seu almoço. Mas antes, o morubixaba havia combinado com um bicho de nome jacu, para que corresse com uma flecha debaixo do braço, fingindo ter sido atingido por ela, de modo que a Maldade fosse atrás dele. E assim aconteceu. Nesse ínterim, os homens começaram a fugir. Como o céu ficava bem baixo, eles foram subindo através de um cipó, até lá chegarem. Mas, para enganar o mal, um papagaio ensinado ficou conversando em várias línguas, fingindo ser a fala das muitas gentes.

Após perder o jacu de vista, a Maldade procurou as pessoas na mata, seguindo a indicação do papagaio. Mas ficou furiosa ao sentir-se enganada. Pulou em cima do louro, mas esse foi mais esperto e alcançou o cipó que conduzia ao céu, tendo à frente ainda um bocado de pessoas. A Maldade pulou atrás. Ela já estava quase chegando ao céu, quando o papagaio, muito esperto, conseguiu cortar o cipó com o bico, e ela se espatifou no chão, esparramando um sangue marrom por todos os lados. Temendo que outra Maldade surgisse, e viesse a se apossar dele, o céu foi subindo, subindo, até atingir a altura em que se encontra hoje.

O mais triste nesta lenda é que muitas gentes contam que a Maldade sobreviveu, e mora hoje em meio a certos homens, sendo tratada como rainha por deles.

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COMO SURGIU O AMENDOIM

Recontada por Lu Dias Carvalho

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Há muito e muito tempo, tempo esse que nem mais é possível precisar, numa tribo cravada no coração da Floresta Amazônica, havia um indiozinho muito amoroso e inteligente, que adorava as matas e tudo que nela existia. Apesar de pequeno, já conhecia a maioria dos animais, frutos silvestres e raízes. Sempre que seus pais iam pescar, ele ia atrás, perguntando sobre tudo que via. O molequinho conhecia as aves só pelo canto que emitiam. E elas pareciam nutrir por ele certo encantamento, pois vinham comer em suas mãos. Algumas empoleiravam em seus ombros, outras na cabeça, mais outras nos braços, num pipiar festivo, deixando-o no maior encantamento.

Na vida dos silvícolas, não apenas o Bem estava presente, vez ou outra o Mal fazia-se notar, não tanto quanto acontece na vida do homem branco. E foi assim que certo garoto da mesma tribo do indiozinho, movido pela inveja, que lhe instigava o Jurupari (demônio), por não ter o mesmo amor dos animais, assim que viu o menino entre seus passarinhos, acertou um sabiá, que se encontrava num galho próximo, com o seu estilingue. O bichinho caiu no chão tentando se safar do sofrimento, mas o moleque mau pisoteou-o.

O indiozinho, penalizado, correu para o animalzinho, tomou-o nas mãos, abriu-lhe o biquinho e ficou soprando, tentando ressuscitá-lo. Levou-o até um pequeno igarapé, onde botou gotículas de água em seu biquinho quebrado. A seguir, encostou-o em seu peito, e ficou ali deitado, pedindo ao Espírito dos Animais que lhe desse vida. Tudo em vão. O sabiá havia partido para o céu dos passarinhos. O menininho abriu uma cova aos pés de uma castanheira e lá enterrou o corpo da avezinha. Entristecido, voltou para casa, chorando. Nada o consolava. Jamais imaginara que alguém pudesse matar um passarinho, que não fazia mal nenhum e ainda alegrava a mata com seu cantar. Suas lágrimas abundantes iam pingando pelo caminho, por onde passava.

Os pais do menino índio, já incomodados com sua ausência, estavam a procurá-lo. Ao vê-lo, perceberam que, por onde passava, as lágrimas caídas de seus olhos escuros davam origem a uma nova plantinha verde, que logo crescia, e sua raiz mostrava-se carregadinha de frutos subterrâneos. Toda a tribo foi chamada para conhecer aquela nova planta, que recebeu o nome de Mãdu`i, que significa “grãos que alimentam e trazem bondade ao coração”. Mas na língua portuguesa ela ganhou o nome de amendoim, sendo também conhecida por amendoí, amendoís, mandobi, mandubi, mendubi, menduí e mindubi.

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A LENDA DO UIRAPURU (II)

Recontada por Lu Dias Carvalho

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Dentre as aves que habitam a floresta Amazônica, nenhuma é motivo de tantas lendas quanto o uirapuru, uma avezinha pequenina, cuja plumagem varia entre o marrom-claro e o avermelhado. Na cabeça traz manchas brancas. Ela não chama a atenção pela sua plumagem, mas pelo seu canto melodioso, o que a define como o “músico da mata”. Apesar de sua voz maviosa, similar às notas de uma flauta, o uirapuru jamais se exibe como “estrela”, ao contrário, é extremamente discreto e humilde.

Certa tribo amazônica tinha um jovem índio que tocava flauta, como se com ela tivesse nascido. As notas musicais dela tiradas expandiam-se por toda a floresta, encantando os outros índios e os animais. Até mesmo o vento parava de remexer as folhas das plantas, para que nenhum barulho pudesse toldar sons tão maviosos. E se estivesse chovendo, e o índio pusesse-se a dedilhar seu instrumento, a chuva ia parando, tornando-se cada vez mais suave, até não restar mais ruído algum. Ele era chamado de o “flauta mágica”.

Apesar de não se encontrar entre os jovens mais formosos da tribo, o tocador de flauta encantava todas as garotas da tribo com as canções que expandia pelos ares. Mas foi Maíra quem ganhou seu coração. Os dois assentavam-se debaixo dos pés de copaibeiras, onde ele se punha a tocar e ela a cantar. Os galhos frondosos das árvores enchiam-se de animais alados, enquanto uma enormidade de bichos terrestres rodeava o casal. E assim tudo transcorria na mais perfeita serenidade, enquanto se aproximava o dia do casamento dos dois enamorados.

Certa tarde, o flautista sentiu vontade de pescar um peixe especial para a amada. Rumou para um lugar diferente do costumeiro, onde diziam viver as maiores corumbebas. E é claro, sua flauta acompanhou-o. Entardeceu. Depois veio a noite com o cantar dos bichos notívagos, e depois o amanhecer, mas o jovem não apareceu. Toda a tribo pôs-se à sua procura, enquanto lágrimas escorriam pelo rosto de Maíra. Seu coração dizia-lhe que algo de ruim acontecera. Primeiro encontraram a flauta, depois o corpo entesado do jovem, deitado entre as raízes de uma gigantesca sumaumeira. Os dois furos na perna indicavam que fora picado por uma cobra peçonhenta das mais mortais.

O corpo do jovem índio foi enterrado próximo à tribo, debaixo de uma frondosa árvore, aonde Maíra ia com frequência chorar sua saudade, que a cada dia tornava-se mais pungente. Assim como ela, o espírito do tocador de flauta também não conseguia ter paz, ao ver tanta dor exalando do coração da amada, e tantas lágrimas a deslizar-se de seu rosto. Por isso, pediu ao Espírito Criador que o transformasse numa ave, ainda que fosse diminuta e feia, mas que lhe desse uma voz melodiosa, para que pudesse alegrar o coração de Maíra.

O Espírito Criador atendeu à súplica do jovem índio, transformando-o no uirapuru. É por isso que, quando ele canta, tudo em volta emudece, para ouvir sua voz, assim como acontecia quando era gente, ao tocar sua flauta, parando até mesmo o vento e a chuva.

Nota: imagem copiada de www.tenda-do-xama.com

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COMO SURGIRAM OS DIAMANTES

Recontada por Lu Dias Carvalho

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Itagiba e Potira formavam um casal de índios que vivia muito feliz em sua trib, na Amazônia. Nenhum amor poderia ser maior do que aquele que os unia. Mesmo que voltasse da pesca ou da lavoura muito cansado, Itagiba, cujo nome significa “braço forte como pedra”, punha-se a ajudar sua esposa na limpeza dos peixes ou no descascar do milho e das raízes de mandioca, ainda que alguns amigos dissessem que aquilo era coisa de mulher. O que lhe importava era ficar ao lado de Potira, cujo nome significa “flor”. Somente quando tudo estava arrumado na cabana é que os dois iam até o igarapé mais próximo, onde brincavam na água e banhavam-se. Depois, atiravam-se na rede de dormir, bem abraçadinhos.

Certo dia infeliz, a tribo de Itagiba e Potira foi atacada por uma tribo distante, que foi duramente rechaçada. Mas a fama da crueldade daquela gente deixou todos os guerreiros apreensivos, cientes de que eles voltariam ainda mais fortes. Não havia outra saída senão atacá-los antes. E foi por isso que o cacique preparou seus guerreiros para a investida. Dentre eles estava o valente Itagiba. Apesar da tristeza que sentia, ao ter que deixar sua Potira, prometeu-lhe que lutaria bravamente para voltar a vê-la.

Dois dias após os preparativos, os homens mais fortes da aldeia partiram logo ao amanhecer. Ao despedir-se de seu amado, Potira não chorou, pois queria lhe repassar força e coragem. Ali, na beira do grande rio, juntamente com outras mulheres, idosos e crianças, ficou olhando as pirogas desaparecerem na linha do horizonte, com os homens de sua tribo. Permaneceu muito tempo no lugar, como se em volta toda a beleza da selva houvesse desaparecido. Quando o sol estava alto no céu, voltou cabisbaixa e solitária para sua cabana.

No decorrer de muitos dias, Potira, mal chegava o amanhecer, dirigia-se para o rio, onde aportariam os guerreiros. Olhava para o céu, mirava as águas, escutava o canto dos passarinhos e o barulho de outros bichos, mas seu pensamento não desgrudava de sua amado Itagiba. Havia momentos em que o olhar traia-a, e ela imaginava enxergar as pirogas trazendo os guerreiros de volta. Mas um dia, isso realmente aconteceu, porém, Itagiba não se encontrava entre eles. Lutara bravamente, mas perecera na batalha.

Toda a taba reuniu-se para festejar a vitória e cultuar a memória de seus mortos, mas Potira não estava no meio. Ao receber a notícia da morte de seu esposo adorado, ela acocorou-se nas margens do rio, derramando abundantes lágrimas. E ali permaneceu pelo resto de sua vida, chorando, dia e noite, a ausência de seu amado companheiro. Ninguém sabia de onde nasciam tantas lágrimas, a ponto de até mesmo o rio parecer ter suas águas aumentadas.

O deus Tupã, condoído com o sofrimento de Potira, resolveu que lágrimas tão sentidas e amorosas não poderiam ser desperdiçadas. Por isso, transformou-as em diamantes brutos, as mais duras e brilhantes das pedras preciosas, encontrados entre cascalhos e areias dos rios, possuindo um imenso valor. Quando lapidado, o diamante recebe o nome de brilhante.

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COBRA NORATO E MARIA CANINANA

Recontada por Lu Dias Carvalho

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Conta-se que bem antigamente, uma formosa índia dormia tranquilamente à margem de um igarapé-açu, quando sentiu um grande peso sobre si. Era a Boiuna, também conhecida por outros nomes, dentre eles o de Cobra-grande e Sucuri, que estava a copular com ela, sem que obtivesse tal permissão. Ademais, contra a força não há nada que se possa fazer, pois Boiuna era conhecida por sua grande maldade, judiando dos pescadores, e até mesmo levando-os para o fundo do rio. Era um animal gigantesco, que tinha uma coloração cinzento-esverdeada, decorada com manchas arredondadas e escuras. Seu ventre era amarelado e sua cabeça cheia de escamas. Engolia suas vítimas após triturar-lhe os ossos. Era temida por toda a aldeia, até mesmo pelos guerreiros mais destemidos. Mas, para surpresa de todos, deixou a índia, logo após possuí-la.

Decorrido o tempo de gestação, a índia pariu dois filhos gêmeos, ou melhor, dois filhotes de cobra. Deu-lhes o nome de Cobra Norato e Maria Caninana. Mas a pobre mãe viu que não poderia criá-los junto à tribo. Foi aconselhada pelo pajé para que os jogasse no rio. E assim o fez. Ali, os dois cresciam, assemelhando-se cada vez mais ao pai. Porém, quanto ao modo de agir, os dois irmãos eram muito diferentes entre si, com um representando o Bem e o outro o Mal. Maria Caninana era o terror das águas, dos canoeiros e pescadores: escorraçava os peixes, virava os barcos, rasgava as redes, matava os peixes grandes e levava para o fundo do rio os náufragos. Por sua vez, Cobra Norato era a prestimosidade em pessoa: protegia os canoeiros e pescadores, desprendia-lhes as redes, conduzia-os aos grandes cardumes, salvava os naufragados, etc. Por isso, os dois irmãos viviam em permanente confronto, até que, revoltado com a malvadez de Maria, Norato acabou por matá-la numa briga.

Cobra Norato, em certos dias do mês, bem depois do anoitecer, libertava-se da pele gigantesca de cobra, deixando-a na beira do rio, e transformava-se num maravilhoso guerreiro índio. Nessas ocasiões, ele não apenas visitava sua mãe como também os amigos que ia fazendo, onde quer que ele aparecia. Sabedor da forma de se libertar do encantamento, o pobre rapaz pedia a uns e outros que o ajudassem. Ou seja, que fizessem um ferimento na cabeça da cobra, quando essa se encontrasse dormindo, até sair sangue, e também pingasse na sua boca três gotas de leite materno. Mas, coitado, ninguém se atrevia a tanto, com medo da fera descomunal. Muitos tentaram, mas mal a viam, saiam correndo, esbaforidos.

De uma feita, Cobra Nonato resolveu ir mais longe, nadando através do rio Tocantins. Largou seu corpanzil de cobra na beira do rio e foi dançar. No local, ele fez amizade com um valente soldado, a quem contou sua terrível sina. Compadecido, o novo amigo prometeu desencantá-lo, nem que tivesse de pôr em risco sua própria vida. Aguardou o momento esperado e fez tudo como devia, livrando aquele jovem e formoso moço de passar sua existência como um amedrontador e asqueroso réptil. O couro da cobra foi queimado e suas cinzas jogadas no rio. E Norato (ou Honorato) passou a viver como qualquer mortal comum.

Nota: imagem copiada de noamazonaseassim.com.br

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