EM TEIAS DE ARANHA

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Autoria de Lu Dias Carvalho

teiaar

Existem pessoas que só se sentem vivas se estiverem perto de muitas outras, ao contrário de mim, a quem sempre alegra a solidão. Não que eu tenha ojeriza às pessoas. O fato é que me sinto em segurança dentro dos meus próprios limites. Tampouco me considero uma companhia ruim, pois gosto mais de ouvir do que falar. Sou sintética ao extremo e, mal começo um assunto, já o dou por acabado. Mas, em vez de aborrecer as pessoas, elas buscam a minha presença, pois estão sempre dispostas a falar e um bom ouvinte trata-se de um achado nos dias de hoje.

A ligeira pincelada que dei sobre a minha conduta, tem o intuito, apenas, de levar o leitor a compreender melhor o que vem a seguir, pois uma pessoa solitária nem sempre é bem compreendida, sendo vista como um caramujo, totalmente fora do contexto dos dias de hoje. Eu sou uma penitente solitária entre meus livros, cds e filmes, nas minhas horas de folga. Mesmo assim, vez ou outra, eu me deparo com situações que me colocam no olho de um furacão enlouquecido, arrancando-me brutalmente do meu casulo e me obrigando tomar a decisão que mais odeio: meter-me com a vida dos outros.

Dias atrás, estava eu num consultório médico, quando a secretária avisou que haveria um atraso de 40 minutos, pois, o doutor que iria nos atender, estava realizando uma cirurgia emergencial. Eu não sou de ficar estressada com os contratempos a que todos estão sujeitos. Abri a minha pasta e dela retirei um livro, amigo costumeiro nas esperas. Li a primeira página cerca de três vezes, sem tirar nenhum proveito. Não que o livro fosse ruim, mas simplesmente não conseguia fixar minha atenção no conteúdo. O consultório tinha cerca de uma dúzia de clientes e quis a sorte que eu estivesse assentado com duas tagarelas às minhas costas. Para o meu desatino, não havia outro lugar bem distante da dupla falante.

As duas irreverentes trombetas, que se tratavam por Clotilde e Vera, e que depois descobri serem primas, descerravam a vida dos membros da família sem dó nem piedade. Ninguém prestava. Eram todos uns vilões, mal agradecidos, embusteiros e exploradores. Não satisfeitas em esculachar os seus, debandaram-se para a ala dos amigos. E mais cacetadas e mais palavrórios. Segredos foram revelados, com o pedido de que ficassem somente entre elas. Eu fazia de tudo, para não ouvir aquele falatório, mas os ouvidos acabavam me traindo. Fechei o livro e procurei me distrair com os quadros da sala, depois tentei adivinhar a vida de cada uma das pessoas. Mas nada conseguia fazer, a não ser ouvir Clotilde e Vera. O meu desconforto acentuava-se. Sentia-me enervada, mas algo me prendia àquela maldita cadeira.

Clotilde começou a falar sobre sua vida pessoal. Vera entremeava a conversa com  “entãos” e “porquês”, dando corda à parolagem. Animada, Clotilde foi soltando a língua até relatar que “estava ficando” com um funcionário da empresa de seu marido. Dizia que a relação entre eles jamais seria descoberta, pois ambos eram muito bem casados e o caso era mantido no mais rigoroso sigilo. Embora não me interessasse a vida dupla de Clotilde, comecei a me sentir estranho, como se temesse algo. Conversa vai, conversa vem, a infiel acabou citando, não só o nome do marido, como o de sua empresa e o do amante.

Foi aí, meu caro leitor, que senti que estava ligada à infiel por laços quase que sanguíneos. O amante não era outro senão o meu cunhado, pai de três filhos e palestrante em encontros de casais. O bom marido, tão decantado e desejado por tantas mulheres, traía sua mulher, minha irmã, há cerca de seis meses, na mais absoluta sem-vergonhice. E pior, sou a madrinha de seu filho mais velho, sendo muito bem considerada pelo infiel. Senti-me em teias de aranha.

Levantei-me abruptamente da cadeira e me dirigi à saída do consultório, praticamente sem ar. Vera e Clotilde devem ter imaginado que eu me irritara com a demora do médico. Antes de tomar o elevador, ainda as vi com seus rizinhos safados. Agora, dentro do meu lar, onde me sinto totalmente segura contra a verbosidade daquelas duas víboras, encontro-me num dilema: contar ou não contar tudo à minha irmã. Se conto, infrinjo as minhas próprias regras, que é viver solitária como um alquimista em busca da pedra filosofal, sem me imiscuir na vida de ninguém. Se me omito, serei como um traidora, um egoica, uma irresponsável que vê seu próprio sangue em perigo e nada faz para contê-lo.

Conto ou não conto? O que faria você, meu caro leitor?

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