Filme – LARANJA MECÂNICA

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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Vamos lá! Acabem comigo, covardes desgraçados. Eu não quero viver mesmo. Não neste mundo fedorento. É fedorento porque a lei e a ordem não existem mais. É fedorento porque deixam que os jovens batam nos velhos, como vocês estão fazendo. Não é um mundo onde um velho possa viver. Que tipo de mundo é este, afinal? Homens na lua, homens girando ao redor da Terra e ninguém mais presta atenção na lei e na ordem terrestre. (O mendigo espancado)

Nós nos divertimos com outros viajantes noturnos, brincando de donos da estrada. Aí fomos para o este. O que queríamos agora era fazer a velha visita surpresa. Era muito legal, bom para rir e liberar a velha ultraviolência. (Alex)

O diretor norte-americano, Stanley Kubrick, balançou os alicerces da sétima arte, quando trouxe para as telas Laranja Mecânica (1971), adaptação do romance homônimo do escritor inglês Anthony Burgess, em que mostra os desajustes sociais com os quais convive a humanidade. Confrontar o homem consigo mesmo e com a sociedade em que vive, parece ter sido uma preocupação constante na obra do grande diretor, a exemplo de Lolita, O Iluminado e Nascido para Matar. Mesmo em 2001, uma Odisseia no Espaço, nota-se a preocupação de Kubrick com o homem e o avanço sem freio da tecnologia.

Laranja Mecânica foi o filme mais discutível do diretor, mas acabou se transformando num clássico do cinema mundial. Chegou a ser retirado de circulação no Reino Unido pelo próprio Kubrick, por um período de quase 30 anos. Apesar de muito criticado, o filme foi um sucesso ao ser lançado, levando um grande público aos cinemas. Mesmo hoje, 40 anos depois, Laranja Mecânica é lembrado por aqueles que o viram e continua sendo um filme instigante para quem não o viu. Apesar de ter sido visto, à época, como uma fábula de ficção científica social, o tema encontra-se bem presente em nossos dias.

Alex (Malcolm McDowell) é o chefe de um grupo de 3 delinqüentes juvenis. Usam macacões brancos e chapéus pretos e uma bengala como arma. Os elementos transviados comunicam-se através de um dialeto (mistura de russo, inglês e cockney). São extremamente instáveis, drogam-se e cultivam um prazer doentio pela violência extrema. Estão sempre em busca de emoções fortes. Alex parece ter um único gosto sadio: a paixão pelo compositor alemão Ludwig van Beethoven.

Logo no início do filme, o grupo espanca um velho mendigo e massacra uma gangue rival. Tudo em nome da diversão. Em outra cena, os pervertidos simulam um pedido de socorro e pedem para usar o telefone de uma casa. Ao ser aberta a porta, espancam o escritor, dono da casa, deixando-o inválido e estupram sua esposa, que vem a falecer dois meses depois. Enquanto a cena aterrorizante acontece, Alex canta Singin`in the Rain (Cantando na Chuva) sordidamente.

O chefe começa a se dar mal quando invade o spa de outra mulher. Ela havia lido sobre o bando de adolescentes arruaceiros e, por isso, recusa-se a abrir a porta, depois de ouvir a mesma história sobre a necessidade de usar o telefone. Comunica o fato à polícia que se põe à caminho. Quando os policiais chegam, Alex já havia entrado por uma janela e esmagado a cabeça da mulher com uma escultura fálica. Seus amigos, chateados com seu comportamento cada vez mais agressivo para com eles, aproveitam para se vingar. Agridem-no com uma garrafa de leite, deixando-o caído na entrada da casa, onde é preso em flagrante.

Alex é sentenciado a 14 anos de prisão e encaminhado a uma cadeia extremamente rígida, onde as coisas funcionam na base do “olho por olho”, mas só fica preso dois anos. Ali, toma conhecimento do método Ludovico de tratamento, que consiste em fazer o indivíduo presenciar formas extremas de violência sob a influência de certo soro. Ávido por deixar a prisão, ele se oferece como voluntário. O objetivo da terapia experimental é fazer com que o criminoso passe a ter aversão à violência, de modo a extinguir sua propensão para o crime.

O modo como se dá a suposta “reabilitação” de Alex, tirando-lhe o livre-arbítrio, parece ainda mais terrível de que os crimes cometidos por ele. O garoto é amarrado, os olhos são mantidos abertos à força e ele é submetido a longas sessões de terapia. Também é drogado antes de ver os filmes, para que associe as ações violentas com a dor que estas lhe provocam. O método aplicado atinge o objetivo de acabar com a sua tendência violenta, mas, em contrapartida, retira-lhe toda a humanidade. Ele não mais comete violência, mesmo em defesa própria, mas também deixa de ser humano.

Assim que termina o tratamento, Alex passa por uma prova, diante de um grupo escolhido, quando é tido como apto para voltar à sociedade. O capelão é o único a se opor verbalmente ao método, sob a alegação de que:

O rapaz não tem escolha, tem? O interesse próprio e o medo da dor física levaram-no a esse grotesco ato de humilhação. Ele deixou de ser um malfeitor, mas deixa também de ser uma criatura capaz de escolhas morais.

Responde o Ministro:

Padre, isso são sutilezas. Não estamos preocupados com motivos, com éticas elevadas, mas com a diminuição da criminalidade e da superlotação de nossas prisões. Ele será o seu verdadeiro cristão, pronto a oferecer a outra face, pronto a ser crucificado em lugar de crucificar, profundamente enojado pela ideia de matar uma mosca. O importante é que funciona.

A nova vida de Alex é um fiasco, pois começa sendo rejeitado pelos pais. Diante da violência e do sexo ele sente vontade de vomitar, sentindo-se “paralisado e desumanizado feito uma laranja mecânica”. Não mais se vê como indivíduo. Fragilizado, é traído pelos amigos de seu antigo grupo e atemorizado por suas antigas vítimas. Também não consegue mais ouvir a 9ª Sinfonia de Beethoven, sua peça favorita. É levado a tentar suicídio, passa meses no hospital e se torna um autômato nas mãos de políticos que o usam conforme seus interesses.

Embora o filme tenha sido criticado, à época de seu lançamento, por sua alta dose de violência, hoje não causa espanto algum. Quem o vê pela segunda vez, já sem a ansiedade da primeira, irá notar como as cenas de violência não são explícitas, em sua mioria, mas apenas sugestionadas pelo diretor. Observe a cena em que o mendigo é atacado pelo grupo. Aos poucos ela vai se distanciando dos olhos do espectador. Quando a mulher do escritor é violentada, ela só é vista até o momento em que o seu macacão é cortado. Outra cena sem violência explícita é aquela em que Alex copula com duas garotas, sob o som da abertura do Guilherme Tell de Rossini. A velocidade com que a cena é mostrada não permite visualizar com clareza a bacanal.

Laranja Mecânica é um filme que deve ser visto, sobretudo, por sua capacidade de nos levar à reflexão sobre temas que, muitas vezes, passam-nos despercebidos:

• A agressividade gratuita de pessoas que não possuem nenhum compromisso com a vida, ou que se sentem enfaradas com o que fazem, foi sempre uma constante na história da humanidade. Infelizmente, nos dias de hoje, essa hostilidade é cada vez maior e, portanto, muito mais destrutiva.

• Os pais, nem sempre, têm clareza daquilo que fazem os filhos menores, deixando-os à própria sorte, quando, muitas vezes, eles precisam urgentemente de ajuda.

• O indivíduo está sempre à mercê do Estado, fragilizado nos seus direitos individuais, pois esses devem estar sempre em conformidade com o “desejo” do Estado vigente, seja lá qual for a ideologia de seus comandantes.

•  A brutalidade institucionalizada é, muitas vezes, mais amedrontadora, pois parte dos responsáveis por assegurar os direitos individuais.

• A hipocrisia dos políticos estende-se além dos partidos e das ideologias. Debaixo do mantra, que diz proteger o cidadão ou a coletividade, escondem, quase sempre, interesses escusos, postos à mesa como se fossem direcionados ao bem comum. Mas, nas entrelinhas, é o interesse próprio a meta a ser atingida.

• Quando Alex perde a sua tendência para o mal, também perde a sua humanidade. Fica subentendido que o homem precisa do mal e do bem (dualidade) para se tornar humano. Conclui-se, portanto, que sem o livre-arbítrio perde-se a natureza humana. Que paradoxo!

Mas a questão que gostaria de discutir com o leitor é a seguinte:

É ético, moral ou humano submeter criminosos a processos que, em nome de salvaguardar a sociedade, retirem-lhes o livre-arbítrio? Ou eles devem pagar por seus erros sempre conscientes do que fizeram? Em qual situação Alex pagou um preço maior por seus crimes: aquela em que teve de se submeter a uma rígida casa de detenção, ou, quando estava abobalhado, sem consciência de si mesmo? Com a palavra o leitor.

Fontes de pesquisa:
1001 filmes para…
Folha de Cinema
Wikipédia

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