Autoria de Lu Dias Carvalho
A composição La Faiseuse d’Anges (que na tradução literal significa “a fazedora de anjos”) é um trípitico do pintor brasileiro Pedro Weingärtner. Foi feita quando ele se encontrava em Roma, mas trazida depois ao Brasil, sendo exposta pela primeira vez na cidade de São Paulo, quando o artista ali realizou sua terceira exposição. A obra foi adquirida pelo governo local e doada à Pinacoteca do Estado.
O assunto da obra — segundo o historiador de arte Rafael Cardoso — deve ter causado um grande impacto nas pessoas da época em razão de sua forte temática, que até os dias de hoje ainda é discutida: aborto e infanticídio — asuntos esses inclusive praticamente ausentes da tradição pictórica. Possivelmente o título em francês tinha por objetivo abrandar a temática usada pelo pintor, de modo a não espantar o público. À época da exposição desta pintura, este primeiro painel foi visto como representativo da “sedução”.
No primeiro painel, à esquerda, ao fundo, está uma praça iluminada. As pessoas fantasiadas indicam que se trata de uma noite carnavalesca. Uma jovem bem vestida, com um véu transparente tapando-lhe o rosto, desce de uma carruagem, cuja roda pode ser vista à sua direita, acompanhada de outra mulher, também muito bem vestida e, ao que parece, encaminham-se para uma festa privada. À sua esquerda, mais ao fundo, um homem faz-lhe um gesto de cortejo levantando a cartola. Ela o observa. Atrás dele, abaixado, está a figura de Mefistófeles (demônio do folclore alemão) que na pintura pode ter duplo significado: uma fantasia de Carnaval ou o símbolo da tentação.
O painel central reflete a “consequência” do que acontecera no anterior. A jovem cortejada do primeiro painel transformou-se numa mãe, e agora encontra-se numa residência pobre, sentada, apoiando o braço direito no espaldar da cadeira, com a mão a sustentar-lhe o queixo. O braço esquerdo segura um bebê ao colo. À sua esquerda está um banco, sobre o qual se vê um lenço e uma carteira. Ela se encontra muito bem vestida, contrapondo-se ao cenário humilde do lugar.
Pensativa, a mulher traz o rosto virado para o primeiro painel, como se estivesse a lembrar-se da cena. Mostra-se também indecisa quanto a deixar ali o bebê. Um pouco distante dela está uma mulher idosa, de pé, com uma mão na cintura e a outra na cadeira onde se encontra uma manta no espaldar e uma mamadeira esquentando em banho-maria no assento. Com um visível ar de impaciência, a mulher mais velha observa a outra com o filho. Ela ainda não se decidiu, como comprova a existência da carruagem na porta e essa mesma porta aberta, mostrando a possibilidade de a mãe aflita mudar de ideia.
O painel direito apresenta um lugar sinistro, onde uma mulher, a aborteira, conta moedas de ouro. Atrás dela há um forno com o fogo crepitando, onde são queimados os bebês. Os anjos que sobem da fumaça escura seriam os bebês anjos sacrificados, no intuito de a futura mãe dar fim ao fruto não desejado.
Em seu livro “A arte brasileira em 25 quadros” Rafael Cardoso diz que a sequência dos quadros “não está explicitada na obra”. Ele explica que, se o observador olha o tríptico em sequência, o que se tem é um infanticídio, pois o bebê do quadro central seria um dos anjinhos a voar em direção à janela. Mas ele não concorda com esta análise, pois a mamadeira evidencia que se está cuidando da criança. E ninguém alimenta um bebê para matá-lo depois. O mais provável, pela expressão da mãe — argumenta ele — é que ela esteja deixando o bebê com a velha senhora, sem saber qual será seu destino. Ainda é possível observar que a mulher idosa do terceiro quadro não se parece com a do segundo. Contudo, se o observador olhar o primeiro painel, ligando-o ao terceiro, concluirá que se trata de um aborto.
Não se tem uma explicação de fato para aquilo que o artista quis realmente passar em relação ao quadro central. Mas é fato que o tema da obra é o aborto. O quadro do meio pode ter tido o objetivo de referir-se à maternidade, de modo a levar à compreensão dos painéis laterais, uma vez que mostrar uma mulher grávida era um tabu à época.
Ficha técnica (tríptico)
Ano: 1908
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 151 x81,5; 151 x202; 151 x81,5
Localização: Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil
Fonte de Pesquisa
A arte brasileira em 25 quadros/ Rafael Cardoso
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Lu
Muito interessante a sua análise. Estou aprendendo, só agora, a tentar entender um pouco a arte. Quando analisei, com meus amigos, só vi algo raso como cotidiano e vida tediosa. Porém, após ler seu texto, muita coisa ficou bem clara. Obrigado! (a foto daqui está melhor que a do museu virtual de Pinacoteca haha)
Antônio L. Borges
Agradeço muitíssimo a sua visita e comentário. É sempre bom contar com a participação de pessoas que amam a arte e cuja presença abrilhanta este espaço. O quadro em destaque é muito interessante. Ao retratar tal temática o artista deixa claro que a arte não tem limites. Você está convidado a participar do curso gratuito da HISTÓRIA DA ARTE aqui no blogue.
Abraços,
Lu