Autoria de Lu Dias Carvalho
O livro de etiqueta de Giovanni della Casa, escrito no século XVI, rezava que “Todos devem se vestir bem, de acordo com a sua idade e posição social. Se assim não fizerem, será considerada uma falta de respeito em relação aos demais”. Não é difícil concluir, portanto, que os italianos endinheirados seguiam a etiqueta com rigor, tendo os alfaiates e bordadeiras muito serviço. Os tecidos (linhos, sedas, lãs, damascos, veludo, etc.) eram de excelente qualidade. A eles eram acrescidos fios de prata e de ouro, assim como pérolas legítimas e pedras preciosas, o que aumentava o preço das vestimentas, tornando-as exclusivas dos muito ricos. Os poderosos gastavam exageradamente, a exemplo de Lorenzo de Medici — Lorenzo, o Magnífico — cujo valor de um só de seus ternos dava para custear, durante um ano, uma família de classe média com quatro pessoas.
O gasto das famílias governantes era tão absurdo que foi necessária a promulgação de leis para conter tais despesas creditadas ao erário público. Não foram poucas as mulheres dessas famílias a protestar contra tal contenção, sob a alegação de que suas vestes diziam qual era a sua posição social. A vestimenta feminina constava normalmente de três camadas de roupas: uma camisa de fio, uma combinação de lã ou de seda e um vestido finamente trabalhado, ornado com muitos enfeites para as ocasiões especiais (ver ilustração acima). As mulheres mais velhas normalmente optavam por vestidos mais discretos, enquanto os das jovens excediam em pedras preciosas, apliques de peles, pérolas, etc. No princípio do século XV as mangas volumosas (bufantes) estavam no auge, tempos depois vieram as mangas justas, com aberturas, a fim de deixar à vista as peças interiores.
Os sapatos (chopines) pareciam uma peça de martírio. As plataformas podiam ostentar de dez a trinta centímetros e tinha por finalidade impedir que a barra dos longos vestidos fosse arrastada pelo chão e, certamente, tinham por objetivo tornar as mulheres mais altas. As damas tinham que contar com o auxílio de suas criadas para andarem, o que de outro modo não conseguiriam. Outra moda estranha para os nossos dias era a linha do cabelo depilada (ver ilustração acima), cujo objetivo era aumentar o tamanho da testa e repassar a ilusão de que as mulheres eram mais altas. Os cabelos eram presos numa touca bordada, muitas vezes com fios de ouro e pérolas, tendo como adorno um véu transparente com bordas de ouro e pérolas. Enquanto as mulheres apreciavam os cabelos louros, os homens tingiam os seus de preto.
Segundo o escritor Giovanni Boccaccio, “os cabelereiros despelavam as damas, tosando-lhes as sobrancelhas e rostos, para dar a impressão de serem mais altas”. Com o passar dos tempos, outros estilos de beleza foram se apropriando da moda. As mulheres passaram, então, a usar tranças ou coques no alto da cabeça. A esses eram agregados broches, pérolas, pedras preciosas, etc. As joias eram adornos importantes para as damas ricas. Essas se tornaram ainda mais volumosas a partir do século XV, à medida que os decotes iam se ampliando. Ainda que as leis referentes às despesas do erário público tentassem coibir o uso de joias caras, as damas ricas transgrediam-nas.
A vestimenta do homem rico renascentista compunha-se de três partes principais: uma camisa de manga longa de fio fino, um jaleco ou casaco justo e calças de tricô ou de tecido. Os homens mais velhos, principalmente funcionários e acadêmicos, costumavam fazer uso de túnicas longas e elegantes sobre o traje normal. As leis para diminuírem os gastos também diziam respeito ao exagero da largura das mangas. Quanto mais ricas se tornavam as cidades italianas, maior era a competição entre elas, organizando festividades religiosas, cujo objetivo maior era exibir luxo, ostentação e poder — oportunidade em que homens e mulheres de famílias ricas esmeravam nas vestimentas e adornos, numa verdadeira competição.
Ilustração: 1. Chopine / 2. Moda do Renascimento / Simonetta Vespucci, (c.1500-1510), obra de Piero di Cosimo.
Exercício
1. Como se vestiam as mulheres renascentistas da aristocracia?
2. Que moda parece aos nossos olhos extremamente bizarra?
3.O que o texto diz sobre Lorenzo, o Magnífico?
Fontes de pesquisa
História da Vida Privada 2 / Edit. Companhia das Letras
Arte e Vida na Itália Renascentista / Editora Folio
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Lu
A moda na era Renascentista nos mostra a variação entre cada lugar, com suas características diferentes. O que chama a atenção é o volume das vestimentas: volumosas, cheias de apetrechos, cobrindo todo o corpo, da cabeça aos pés. Os nobres e os ricos mostravam sua posição social através das vestimentas. Já os populares vestiam de forma mais simples ou de acordo com suas ocupações.
Marinalva
As vestimentas eram a forma que os nobres e ricos tinham para ostentar a riqueza. O ridículo chegava ao absurdo, como no uso de calçados, tendo as damas que serem amparadas pelas serviçais para não caírem.
Abraços,
Lu
Lu,
Lendo este artigo é impossível não traçar um paralelo com o mundo animal e em particular com as aves. Essas, principalmente na época reprodutiva, o macho tem uma roupagem de penas esplendorosa para atrair a fêmea e mesmo o predador, visando proteger a “família”. O canto muitas vezes compensa uma roupagem mais pobre. No bicho homem à época vê-se o “empenamento” sinalizando apenas o poder e riqueza.
Antônio
O mais engraçado é que a “suposta” beleza da vestimenta sobrepunha o conforto e até mesmo a prudência. Os sapatos eram de causar horror, pondo a vida da pessoa em risco. A humanidade é bem complexa!
Abraços,
Lu
Lu
Parece que a peste bubônica (que dizimou um terço da população mundial) não ensinou aos endinheirados que era importante dividir. A grande maioria dos que sobreviveram resolveram viver uma vida mundana e cheia de luxos. Houve o lado positivo nesse período, pois incrementou a evolução da moda e a mercantilização, promovendo a integração comercial e cultural entre os povos europeus e o comércio com os asiáticos.
Adevaldo
Por falar em peste e entrando na questão das Igrejas no Brasil, é interessante comparar a visão de Martinho Lutero à época, com a que vemos nos dias atuais entre os líderes religiosos protestantes. Embora tenha sido Lutero o responsável pela Reforma Protestante, seus seguidores pensam hoje diferentemente dele. O religioso, durante a peste negra, pregou o isolamento social das pessoas e o fechamento de templos. É impossível negar que as Igrejas são hoje grandes empresas, onde o que conta é o dinheiro. Uma amiga minha, frequentadora assídua de sua Igreja, está internada com Covid.
Abraços,
Lu
Lu
Chamou a minha atenção a parte do texto que diz: “O gasto das famílias governantes era tão absurdo que foi necessária a promulgação de leis para conter tais despesas creditadas ao erário público”. Como se vê, não é de hoje que o erário público vem servindo de mamata para os poderosos. Que o diga o Brasil.
Moacyr
Não resta dúvida de que tudo continua como dantes no quartel de abrantes. A humanidade não tem jeito mesmo. Nosso país encontra-se entre os mais corruptos. Que tristeza!
Abraços,
Lu
Lu
As vestimentas não poderiam ficar de fora desse período tão grandioso das artes e dos costumes. A forma de vestir é sem dúvida, uma maneira de expressar o momento vivido pelas pessoas em determinada época. Especificamente, o Renascimento foi um período muito rico nas artes e na cultura como um todo, sendo a vestimenta bem elaborada em consequência da arte. Como a Itália fica no Mediterrâneo, possibilitou um intercâmbio enorme com o comércio do Oriente, adquirindo produtos específicos daquela região com tradição têxtil milenar.
Hernando
A moda é realmente fruto de uma determinada época e, sendo o Renascimento um período de grandes mudanças e de enriquecimento, seria impossível o fato de as vestimentas não acompanharem as demais transformações, como você muito bem afirmou. A localização da Itália também foi importante para que isso viesse a acontecer. O mais interessante é descobrir que, ainda que com algumas mudanças, a moda continua se repetindo. Veja o caso dos sapatos extraordinariamente grandes.
Abraços,
Lu