Autoria do Prof. Rodolpho Caniato
As luzes da jovem e vaidosa Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, tinham sido substituídas, para mim, pela escuridão e também pelo luar do sertão, coisas que eu nunca imaginara até entrão. O céu da cidade, cuja presença eu nem notara, agora se apresentava num esplendor que me deixaria deslumbrado e cativo para o resto da minha vida. Era preciso aprender a andar na escuridão, pelos caminhos rústicos trafegados apenas a pé, por carroças ou algum cavaleiro. O luar desconhecido da cidade, agora, no meio rural, além da poesia, tornava os caminhos bem visíveis, mudava muito a vida da gente. Das noites no sertão ficaram em mim impressões e lembranças que nunca se apagariam.
Além do luar e do céu estrelado havia a familiaridade com todo um mundo de ruídos da noite: os latidos distantes dos cães que guardavam seus terreiros, as corujas e os curiangos piando seus solos e, como grande coral, o coaxar da saparia pelos brejos. Se todo o mato tem uma grande variedade de ruídos noturnos, os brejos têm algo de especial. Aí vivem, numa imensa variedade e proximidade, sapos, sapinhos, sapões, rãs e pererecas, além de aves, cobras e uma multidão de insetos aéreos e terrestres. No verão, essa variedade se enriquece com pirilampos que riscam com sua suave luz a escuridão da noite. É interessante que essa espantosa variedade de seres vivos “dá expediente” principalmente à noite. Toda essa imensa diversidade de vida “funciona” plenamente na mais completa escuridão.
Algumas dessas “descobertas” eu pude fazer muito cedo, ainda criança. Com um precário lampião a querosene ou com a mais “avançada tecnologia” da época: um lampião a carbureto. Com ele, eu fazia “expedições” para pescar em pequenos riachos ou para caçar rãs, logo depois das chuvas. A simples presença de uma pequena luz, não só mostra como alvoroça toda a vida do brejo, mas também a que existe ao seu redor. A forte impressão sobre a grande variedade de bichos e a presença perturbadora da luz sobre a vida do brejo ganhariam, no futuro, para mim, um significado muito maior.
Nota: Extraído do livro “Corrupira”, ainda inédito, do autor.
Imagem: Meninos Brincando, obra de Portinari
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Professor Caniato
Se hoje eu tivesse como optar, sem sombra de dúvida estaria de lampião à mão à cata dos sapos, sapinhos, sapões… Sou absurdamente apaixonada por esse fascínio que há no que não vivo: a vida no campo, distante dos barulhos tolos da cidade e seus alaridos, ofegante em estar sempre indo, indo e ao final, não ir a lugar algum.
Fizeram-nos citadinos, sem que nos dessem a oportunidade da escolha. Ao menos, comigo é assim. Trocaria, sem um pingo de pena, um belo viver à cata das variadas espécies que convivem majestosamente em meio à natureza sem a sofreguidão do cansar-se por nada, pela insípida vida rodeada de luzes, cores, corridas ou correrias e me daria ao luxo do apreciar o luar, o colorido e bem distribuído tom dourado das estrelas num céu meio cinza. E cá estou, no aconchegante quarto iluminado e aquecido, pensando nas belezas que o escuro esconde. Trocaria os sons de buzinas pelos latidos dos cães e teria como a graça o ser livre para o que eu desejasse ser! E lá vou eu de imaginar os caminhos que precisam ser cuidadosamente vasculhados para então, num repente de surpresa, descobrir uma rã animada fazendo-se de presa para as minhas buscas. Não tenho as rãs, mas as busco na vida do brejo e no belo luar do sertão!
Mais uma vez, amei seu texto! Como não amar?
Prof. Caniato
Um garoto da cidade, naquela época em que não havia praticamente uma alusão à vida no meio rural, como vemos hoje através de filmes, novelas e internet, desconhecia praticamente tudo. Não é de estranhar o seu encantamento diante de um mundo que lhe era completamente novo, como se fosse um outro planeta. O luar e a vida no brejo trazia todo um encantamento, como ainda acontece nos dias de hoje, com os garotos citadinos, quando visitam o campo, ainda que esse já esteja iluminado pela luz artificial e não haja necessidade de um lampião a querosene.
Seu texto é belo e extremamente poético, como sempre!
Abraços,
Lu