Autoria de Lu Dias Carvalho
O estudo da história da humanidade, embora seja muito similar em diversos aspectos, indiferentemente da época, noutros nos leva por mares nunca dantes navegados. Quem nos dias de hoje, em sã consciência, poderia imaginar que o livro dos cristãos — a Bíblia — foi em tempos idos acessível apenas aos cidadãos bem nascidos e dentre esses não se incluíam mulheres e crianças, ainda que dominassem o latim.
De modo geral o ato de ler e escrever estava sob o domínio de pouquíssimas pessoas — normalmente de homens religiosos e eruditos. Já naquela época, o conhecimento era valioso, mas o “excesso” de informação era visto como um perigo para o cristão, principalmente para a mulher. No entanto, histórias bíblicas, fábulas morais e a vida dos santos eram vistas como conhecimentos que todos os fiéis deveriam ter.
Presume-se hoje que toda casa cristã contenha no mínimo uma Bíblia, mas na Idade Média e até mesmo no Renascimento tal livro era um bem extremamente precioso para encontrar-se nas mãos de qualquer um. Seu conteúdo — disponível apenas em latim — era tido como sagrado, sendo essa a alegação de sua inacessibilidade. Às mulheres e às crianças, ainda que fossem “bem nascidas” e exímias no conhecimento da língua latina — mas vistas como inferiores aos homens — cabia apenas o aprendizado das Escrituras Sagradas, desde que feito através de pinturas e imagens da vida dos santos que ornavam as igrejas, dos sermões, orações e catecismos.
Como a galhofa faz parte de todas as épocas da história da humanidade, as pinturas didáticas da Igreja Cristã de então eram frequentemente chamadas de “bíblias dos analfabetos”. Dentre os ditos “analfabetos” encontravam-se todos aqueles que não dominavam o latim, incluindo o povo inculto, incapaz de dominar qualquer que fosse o dialeto ou idioma.
Uma vez que se encontravam impedidos de ter acesso à leitura das Escrituras Sagradas, as pessoas que não dominavam o latim, mas que sabiam ler em outra língua, faziam uso de textos escritos em italiano ou francês, contando histórias sobre a vida dos santos e dos mártires da Igreja. Tais escritos incentivavam as senhoras a serem boas esposas e mães; as moças a serem virgens e puras e os rapazes a portarem-se como testemunhas de Cristo levando a Cruz.
O latim — hoje língua morta — era o meio principal de comunicação usado nas cidades italianas pelo governo, pelos grandes negociantes e pela Igreja. Para trabalhar no mundo mercantil o indivíduo precisava ter um conhecimento rudimentar de aritmética e uma compreensão básica da língua latina. A maioria das cidades italianas possuía escolas — públicas ou privadas — de gramática.
Em finais do século XII a cidade de Milão orgulhava-se de possuir 60 escolas. E por volta de 1600 (séc. XVI) um cronista de Florença exultava-se com o fato de que “entre oito e dez mil rapazes e moças florentinos estavam aprendendo a ler”. As famílias ricas contratavam tutores particulares e aos estudantes que se encontravam num grau mais avançado era facultado assistir às conferências articuladas pelos frades dominicanos e franciscanos, ou assistir às aulas nas universidades recém-criadas.
A cidade de Pádua inaugurou sua universidade em 1222 (séc. XIII), transformando-se num grande centro de conhecimento na Europa. Ali, os eruditos encontravam-se voltados para os estilos e os tipos de literatura latina da Antiguidade. Tinham também como meta conscientizar seus seguidores sobre a importância do estudo do passado — parte importante da identidade de seu povo. Esse interesse e valorização do passado clássico foi fundamental para construção de uma consciência cívica moderna do povo daquela cidade. Os eruditos foram capazes de perceber o quanto o estudo da Antiguidade era importante em relação aos problemas contemporâneos da época.
No século XIII o latim era o único idioma usado como meio de comunicação na Itália, mas no século XV o dialeto toscano — precursor do italiano moderno — já se tornara um meio de comunicação para os indivíduos que detinham certa cultura. Três importantes escritores italianos — Dante Alighieri (1265-1321), Francesco Petrarca (1304-1374) e Giovanni Boccaccio (1313-1375) — foram fundamentais para que o dialeto florentino (o toscano) se transformasse numa língua literária de toda a península.
Foi também no século XIII que apareceram as primeiras traduções da Bíblia do latim para o vernáculo falado na Itália. Por serem traduções parciais, copiadas à mão, seus preços eram exorbitantes. No século XIV quase toda a Bíblia já havia sido traduzida. Mas essas traduções — produzidas por tradutores anônimos — continuavam sendo aquisições apenas dos ricos ou bem instruídos — os únicos que detinham os meios de obtê-las. Mesmo quando a impressão reduziu seu custo, a Bíblia, segundo o historiador Gigliola Fragnito, ainda era “acessível a poucos”.
Obs.: A ilustração acima refere-se a uma Bíblia rara do século XIII que ficou perdida durante 500 anos, presente agora na biblioteca da Catedral de Canterbury na Inglatera.
Exercício
1. Como se dava a leitura da Bíblia na Idade Média?
2. O que ensinavam os eruditos da Universidade de Pádua?
3. Por que mesmo as traduções bíblicas não chegavam ao povo?
Fontes de pesquisa
A História da Arte / Prof. E. H. Gombrich
Renascimento/ Nicholas Mann
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