Arquivo da categoria: Corpo e Mente

Filosofias e conjunto de práticas físicas, psíquicas e ritualísticas que buscam um estado de harmonia e equilíbrio físico e mental.

AS MARAVILHAS DA DANÇA

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos fala sobre o poder da dança.

Misto de ginástica e arte, em sua origem, a dança era essencialmente mística, não somente pelos efeitos psíquicos profundos, mas também pelo significado e intenção.

Dança é coisa séria. Mesmo que não se trate de dança mística ou dança clássica, mesmo a dança despretensiosa dos jovens, do ponto de vista de propiciadora de saúde mental, dança é coisa séria. Quando o homem de mente primitiva, em meneios e evoluções, no terreiro da comunidade, está expressando seu psiquismo, dando vazão a certas cargas afetivas que devem ser liberadas, assim se sente feliz. Quando não conta algo da tradição mitológica ou quando não propicia aos deuses para serem benfazejos na colheita, na caça e na pesca, a dança folclórica é uma forma de gozar felicidade momentânea.

Os jovens, em suas festinhas, exibindo virtuose na última novidade na moda de dançar, também estão expressando alegria e canalizando, de maneira socialmente aceita, certos impulsos que seriam nocivos se não expressos. A fim de manter uma “respeitabilidade própria da idade”, é provável que você negue a si mesmo a alegria sadia que seu filho desfruta com suas danças jovens. Você não sabe o que está perdendo. Deixe esta carranca e esta mania de condenar os sacolejos graciosos da gente moça. Você não sabe o que está perdendo. Posso assegurar-lhe que, com esta mania de “se dar ao respeito”, você está se privando de uma excelente válvula de escape às suas tensões psíquicas e, consequentemente, um alívio para o seu nervosismo, um meio de gozar de alegria vitalizante. A “respeitabilidade”, isto é, o manter um padrão de comportamento convencional, veste a gente com um camisolão frio, pesado e indeformável que tolhe os movimentos e frustra comportamentos que seriam naturais, se não fossem assim sistematicamente reprimidos.

Os adultos não querem ser chamados de velhos enxeridos e, por medo do ridículo, aceitam vestir o frustrador camisolão da “respeitabilidade” (às vezes só de aparência) e reprimem sua autenticidade. É mais uma das manifestações da conveniência de “ser igual” aos outros adultos. É mais uma forma do “medo de ser diferente” do comum, que empobrece a vida mental e liquida a livre expressão de nossa personalidade total.

Dance, meu amigo de meia-idade. Dance, meu velho. Dance,vovô. Dance, imite seu netinho. Livre-se do camisolão frustrador. Só não se exceda, pois seu coração não está para exageros, mas, respeitadas as condições de saúde e idade biológica, dance. Ogamissama era uma senhora que milhares de sectários reverenciavam como deusa viva. Vivia em Tabuse, no Japão, e pregava o shinko (o caminho para Deus) através de Mioshie (ensino de Deus a seus filhos). Da ascese consta a dança chamada muga. É o baile sem ego. O dançarino move-se em estado de não-ego, condição que vem, muito naturalmente, depois que se pratica a oração. Este estado de não-ego suscita um êxtase espiritual e que, paulatinamente, expande a consciência. Milhares de doshis (seguidores) em todo Japão, Estados Unidos e Índia e outros países, juntam-se em templos e lares para orar e dançar.

Eis as instruções, conforme Receitas para Ia Felicidad (Tensho JinguKyo; Tabuse, Japão):

“Feche os olhos e deixe-se levar em movimentos que sinta ao compasso de cantos improvisados. Qualquer pessoa pode fazer isto. Ver jovens e velhos fazê-lo de uma forma tão simples é comovedor e se sente que se lhe vêm lágrimas. Este muga em movimento não é como o bailado comum, no qual há esforços e a pessoa se fatiga. Também não requer habilidade e treinamento e, por isto, tanto os jovens como os velhos podem dançar. Muga é como se estivéssemos nascendo nos braços maternos. É uma terapêutica para o saneamento da alma. Melhor é gozá-lo do que descrevê-lo”. A mesma publicação afirma que as orações e o muga nos fazem olvidar penas e afrouxar as tensões nervosas e é remédio para enfermidades físicas, mentais e espirituais.

Só se pode fazer restrições à dança quando esta, ou por excessos ou degradação, conduza à fadiga ou à excitação erótica. Neste caso, não é a dança em si o mal. O mal é o seu uso desvirtuado.

*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google.

Nota: Dança, obra de Heitor dos Prazeres

SEJA UMA TESTEMUNHA SILENTE

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ensina-nos como pairar acima dos acontecimentos, mas sem jamais ser omissos.

Um dos meios de pairar acima dos acontecimentos é a posição difícil de espectador vigilante, mas distanciado. Quando você pratica a purgação mental está exercitando sakshi (traduz-se por testemunha silente). Está desenvolvendo esta capacidade de não se deixar contaminar pelo que acontece. É como ficar sentado na margem para assistir ao livre fluir da corrente.

A desidentificação só é acessível aos que são capazes de se manterem imunes, sem renunciar ao mundo ou dele fugir, mas, ao contrário, nele viver ativa e produtivamente. Os incapazes de praticar sakshi diluem-se dentro do processo mundanal. Perdendo a consciência do que são e sem poder salvar um pouco de autenticidade para si mesmos. O homem vulgar é comumente um diluído dentro do ambiente em que se encontra. O mundano contamina-o, fascina, absorve e consome. Dele pouco sobra verídico e imune.

É visando a evitar o contato e a defender sua mente, seu caráter e suas virtudes que alguns místicos se fazem eremitas e fogem para o ermo. Quem desenvolve esta sadia atitude espiritual e psicológica chamada sakshi, realizando a isenção, não obstante vivendo em contiguidade física com o mundano, fica espiritualmente à parte. Não se perde. Não se confunde. Não se identifica. Não se corrompe. Sri Ramakrishna compara a personalidade fraca que se dilui no mundo com o leite que se mistura com a água, depois do que, impossível é separar. Aquele que tem maturidade espiritual, ele o compara com a manteiga, que mergulhada na água não se mistura.

Quando a pessoa está metida num cordão de carnaval, confundida com os outros, dança, canta, pratica uma série de saracoteios que, se estivesse sóbrio, não faria. Enquanto está misturada aos foliões é apenas um deles e age como todos. Somente depois que se afasta e à distância, considera o que vê os outros fazendo e, só então, tem uma ideia do que andou também a fazer. Se você estiver metido na multidão e houver correrias e atropelos por causa de um conflito de rua, o pânico geral poderá contaminá-lo, a menos que você consiga se comportar como um “espectador silente”, observando o que se passa, exercitando sakshi.

Os acontecimentos mundiais estão, a cada dia, mais dramáticos: o choque de ideologias; os acontecimentos econômicos, políticos, sociais, realmente são assustadores pelos maus presságios. A iminência de uma guerra nuclear, os atos terroristas, as greves e as sabotagens, as injustiças sociais, os golpes de estado, mil e um acontecimentos que a voz caprichosamente emocionalizada dos locutores e os cabeçalhos da imprensa fazem ainda mais traumatizantes, estão aí para liquidar com seus nervos. Você precisa ficar imune a isto. Como? Sakshi é a resposta.

Mas seria justo ficar “sentado na margem”, assistindo silenciosamente ao drama da humanidade? Seria isto honesto? Alguém tem o direito de ficar indiferente? Quem foi que disse que para ser atuante, eficaz, fecundo na busca de uma ordem melhor para a humanidade é indispensável deixar-se conturbar, contaminar, envolver emocionalmente? Ao contrário, quem melhor ajuda é quem, acima da crise, conserva luzes e calma, perspectiva e serenidade, pois os que estão dentro dela já as perderam. Pobre do psiquiatra que, no tratamento de um paciente neurótico, comprometa-se emocionalmente. Ele tem que praticar sakshi, se não quiser perder-se e ao doente. A ninguém é lícito ficar nas arquibancadas, enquanto a humanidade, na arena, se agita e sofre, mas é imprudente deixar-se agitar e sofrer junto.

Diante de suas próprias desventuras, procure galgar um ponto em que, sereno e silente, possa observar emocionalmente isento o que está acontecendo. Quando interferir, seja para acertar. Procure ficar à distância da arrebentação da ressaca, que está abalando a humanidade que, estressada, está precisando da ajuda dos poucos isentos seres humanos sadios e sábios que ainda conservam lucidez e coerência e que, portanto, podem fazer algo por ela.

*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google.

Nota: Menino, obra de Portinari.

CONTROLANDO OS SENTIDOS

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos ensina a trabalhar com os sentidos.

O candidato à saúde mental, à paz e à realização espiritual não pode se descuidar de uma higiene estética. Ele deve selecionar a qualidade e controlar a quantidade das impressões externas e internas, a fim de que seus sentidos, ávidos eles mesmos de cada vez mais satisfações, não o desviem da meta. Aqui, como em todos os campos e aspectos da vida, o homem só terá saúde se souber manter-se senhor e jamais se deixar dominar.

Ser senhor quer dizer ter controle. Ter controle sobre uma ação significa poder, conscientemente, começar, acelerar, retardar, parar, recomeçar quando quiser, portanto, dirigir a ação. Desde que perca o controle de seus sentidos, tornando-se um sensual, o homem pode descer aos abismos da infelicidade e da degradação. No controle da sensibilidade, o candidato à felicidade deve:

a) saber e poder escolher as impressões que contribuam para isto e usá-las na medida certa;
b) reconhecer e poder obstar as impressões adversas e delas se defender;
c) saber distinguir entre as benéficas e as que são somente agradáveis;
d) saber discernir as que podem vir a se tornar obsessivas, a fim de evitá-las.

Como se já não bastassem os dramas, sofrimentos, apreensões, decepções e mesmo tragédias que o destino semeia em cada vida e que acarretam enorme desgaste nervoso e, portanto, distúrbios, a indústria das emoções, através do cinema, da telenovela, do teatro, da tevê, bem como dos espetáculos desportivos violentos, como as lutas, as corridas, os campeonatos, diariamente submetem o público a perniciosos impactos. Tanto mais bem elaborados sejam tais espetáculos, tanto mais eficientes, e tanto mais capazes de contribuir para desordens nervosas. E o público, fascinado, inconscientemente, se entrega aos forjadores de emoções. Estas devem ser cada vez mais excitantes, profundas e dominantes.

Na Roma antiga eram os gladiadores que atendiam às necessidades malsãs do sensualismo do público sádico. Hoje são os lutadores de “catch” que se esmeram, por todos os modos – desde os nomes (Carrasco, Drácula…) até ao aspecto físico – para infundir terror e ódio em milhões de inadvertidos, imaturos, e viciados espectadores. Quanto mais “proibida pela censura”, mais preferida é a película de cinema. A fórmula de violência, terror e sexo é a mais comercial e, portanto, a preferida por produtores, diretores e exibidores de filmes. As frases com que tais filmes são anunciados bem demonstram um clamoroso quadro de saúde mental do grande público. Apregoam o que o povo deseja: violência e erotismo. Desgraçadamente isto é o “normal”, o mais frequente. O normal patológico do qual já temos falado.

O “normal” é isto, esta busca irracional e patética de cada vez maior prazer, sensações mais perturbadoras e divertimentos com alto poder estressor. Por que as pessoas pagam para se meterem numa montanha russa? Por que multidões se alinham nas margens de uma pista de corrida de carros, esperando que um deles se despedace? Por que o teatro e a televisão estão cada vez mais explorando o mórbido e o erótico? Por que as músicas da juventude estão se tornando mais barulhentas, mais à base de ritmo e mais carentes de melodia e harmonia? Por que a poesia deu lugar à novela sexo/policial? Por que o Carnaval, cada ano, é mais bacanalizado? Por que até crianças uivam de entusiasmo com o estrangulamento que um lutador está fazendo no outro? Por que os jovens com seus carros suicidamente “voam”? Por que, a cada dia, novos divertimentos são inventados, desencadeando sensações novas, que “enlouquecem” seus participantes? Por que o jovem, em todo o mundo, está empenhado na corrida psicodélica?

Você que quer ter paz; você que não deseja e nem precisa se sentir ajustado e mesmificado com esta alarmante “normalidade”, tome consciência do fato, analise-o, com distância, e defenda-se contra a corrupção sensual coletiva, contra a esquizofrenização da sensibilidade. Você não precisa destas sensações. Deixe-as para os que não têm como desfrutar das suaves e sadias sensações espiritualizadas, patrimônio de quem empreende a vida redentora do Yoga.

Se, por acaso, você já é um sensual, pode começar a desconfiar de que seu distúrbio nervoso tem raízes nesta distorção estética, isto é, neste estado patológico de sua sensibilidade. Se você tem dado rédeas à sua sensualidade, ou melhor, a seus jnanaindriyas (os sentidos), comece já a formular um plano para corrigir-se disto que o escraviza ao mundo e o afasta de Deus. Resista à alucinofilia crescente que está arrebatando os fracos de todo mundo.

*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google.

Nota: imagem copiada de englishonline.tv

A EXCELÊNCIA DA AÇÃO

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto, retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos fala sobre a “excelência da ação”. Vale a pena lê-lo:

Uma das definições clássicas de Yoga é “a excelência da ação”. A ação eficaz, bem sucedida, completa, sem resíduos, sem defeitos e também desgastes desnecessários pode ser chamada de ação perfeita ou ação yóguica. As ações a realizar em nossa existência devem ser perfeitas, sem o que ficamos endividados e, portanto, presos a elas, obrigados a repeti-las. Se nos demais aspectos da vida, temos de agir com perfeição, libertando-nos, que dizer de nosso comportamento em relação à coisa?! Chamemo-la de angústia, neurose, servidão, conflito, imperfeição, dependência, sofrimento, ansiedade, condicionamento, inferioridade, fobia, obsessão… dela é fundamental que nos libertemos.

Creio ser indispensável que você mantenha incessantemente, como fundamento, a fonte de inspiração, como orientadoras da ação, uma determinada atitude mental, a ser por você mesma definida (além das muitas técnicas e comportamentos especiais sugeridos neste livro). O segredo de sua ação eficaz parece estar em:

  1. Serenidade, indispensável ao controle de si mesmo;
  2. Concessão voluntária, inteligente e estratégica à “vontade do adversário” (a coisa);
  3. Utilização inteligente, objetiva e na hora exata dos esforços e dos meios certos.

A forma de agir diante de uma crise qualquer é inteiramente diferente daquela do afoito lutador, que se mete no mar disposto a vencer, de frente, a pancada das ondas e que, provavelmente, sairá do embate de costelas fraturadas. O esperto nadador jamais comete tal imprudência. Faz o corpo mole e, serenamente, apenas se abaixa ou fura a onda e sai ileso.  Experimente o mesmo da próxima vez, quando se vir numa situação adversa, numa crise de qualquer espécie. Nunca se meta a enfrentar as ondas do sofrimento com peito aberto e pé atrás. Relaxe. Negaceie. Deixe passar a onda.

Quando se aprende a relaxar, o resultado é impressionante. O nervosismo cede. O pavor é substituído pela calma. A respiração é minimizada até que, semblante sereno, parece adormecer. Não há mais a luta inglória, estafante e desastrosa. Quaisquer que sejam os sofrimentos psicossomáticos, quaisquer que sejam os sintomas neurovegetativos, utilize esta estratégia. Sempre irá dar certo, pois a coisa, sem ser combatida, sem ser temida, acaba por sentir-se desmoralizada, deixando sua vítima em paz.

*Esse livro é encontrado em PDF no Google.

Nota: Mulheres e Frutas, obra de Di Cavalcanti

DIVERSÃO: A ESCOLHA É SUA

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos fala sobre a escolha do entretenimento.

Você não ignora que a ansiedade, a tensão e as emoções se expressam no fígado, nas glândulas suprarrenais, na hipófise, na área cardíaca, ou seja, em todo o organismo. Sabe o quanto a ira e os temores danificam a saúde. Não é verdade? Ora, sem você querer e por serem impostos pela própria vida e forçados pelos pressões sociais, os motivos de apreensão têm o assaltado. Desejando livrar-se de tais situações, você tem dado muito de seu esforço e também perdido saúde.

Não vai me dizer que lhe agrada a ansiedade, enquanto espera a resposta de um negócio que propôs ou o resultado de um exame clínico ou mesmo das provas do concurso. Ninguém se sente bem quando está sentindo medo, ou ira, ou vergonha, ou remorso. A ninguém agrada viver debaixo de drama, ameaça e vicissitude. Todos almejam tranquilidade, vida suave e espaço social bem desimpedido para expandir-se. Os gregos antigos tinham a ataraxia (completa ausência emocional e mental) como um objetivo muito alto na vida do filósofo.

Você que não gosta das emoções que o destino espalha em seus dias; que estimaria desfrutar horas de tranquilidade e quietude, por que vai se meter num cinema para assistir a um filme do estilo suspense? Pode ser tédio, o motivo de buscar excitação em divertimentos ou como torcedor apaixonado de qualquer esporte. É possível que esteja praticando uma forma de fuga. Divertindo-se, assim, tem conseguido livrar-se do tédio? Se já se livrou do sentimento de vazio graças a tantos entretenimentos excitantes, seu exemplo vai ajudar a resolver o problema de milhões de pessoas. Será de alto interesse para a psiquiatria, para a medicina psicossomática, para os educadores, para os líderes religiosos, para todos que procuram o caminho certo para salvar do tédio o ser humano.

Se, no entanto, você ainda está precisando “divertir-se” e cada vez mais, se ainda não pode passar sem se contorcer de emoção nas arquibancadas, enquanto seu time está jogando, saiba que o “remédio” falhou. Escapismo nunca salvou ninguém. Na verdade, cada vez que o espetáculo termina, os sentidos que estiveram sendo gratificados começam a pedir mais alimento, mais excitação. Há um vício de excitar-se, de ocupar os sentidos, de emocionar-se, de características semelhantes ao tabagismo, ao alcoolismo, ao psicodelismo e outros.

Todos estes vícios se caracterizam por uma vinculação obsessiva a seu objeto particular, seja à “tragadinha”, ao “traguinho”, aos comprimidos, “às picadas”, ao vídeo, à tela de cinema, ao alto-falante do rádio. Outra característica de tais vícios é a de que nunca se consegue quietude, a não ser enquanto se está atendendo às imposições do tirânico objeto obsedante. Relativamente à sensibilidade, desde o berço somos ensinados a distrair-nos. Pela vida afora – infância, adolescência e vida adulta – os entretenimentos “indispensáveis” vão frustrando um acontecimento que “normalmente” todos evitam: um encontro a sós consigo mesmo, em silêncio.

“Suponhamos – diz Fromm (Psicanálise da Sociedade Contemporânea) – que em nossa cultura ocidental, os cinemas, as emissoras de rádio, as televisoras e os acontecimentos esportivos deixem de existir por apenas quatro semanas. Fechados esses principais canais de fuga, quais seriam as consequências para as criaturas, reduzidas repentinamente aos seus próprios recursos? Não tenho dúvida alguma quanto a que mesmo nesse curto período de tempo ocorressem milhares de perturbações nervosas, e muitos milhares de criaturas fossem lançadas em um estado de ansiedade aguda que não difeririam do quadro diagnosticado clinicamente como neurose.”

Vejo nesta educação para o esvaziamento, para a saída de si mesmo, para a alienação de si mesmo, um dos fatores causativos do quadro que o mesmo Fromm assim descreve: “Hoje em dia encontramo-nos com criaturas que agem e sentem como autômatos; que jamais experimentam algo realmente seu; que sentem o seu eu inteiramente como pensam que supostamente seja; cujo sorriso artificial substituiu o sorriso espontâneo; cuja tagarelice vazia substituiu a palestra comunicativa; cujo surdo desespero substituiu a dor autêntica.” (Opus cit.)

“Tudo é necessário”, ensina Suddha Dharma. É necessário que continuem existindo “esses canais de fuga”, e que poderiam também ser veículos sadios de cultura e instrumentos de educação. Cinemas, esportes, literatura, teatro, televisão e rádio não constituem fatores de desordens nervosas a não ser pela forma irracional, inconsequente e amoral em que hoje em dia são “explorados”. Na mesma tela em que milhares de adolescentes “aprenderam” como assassinar ou estuprar uma jovem, as crianças recebem uma daquelas maravilhosas mensagens de Walt Disney e saem do cinema felizes e enriquecidas, depois de terem degustado, pelos sentidos, momentos de poesia.

O mesmo aparelho televisor que exibe as brutalidades de “catch” ou as banalidades do humorismo calhorda apresenta outros espetáculos ética e esteticamente admiráveis. Num cardápio você escolhe os pratos que lhe convém. Faça o mesmo quanto a programas de divertimento. Eduque-se esteticamente. Desenvolva, não somente bom gosto, mas o discernimento. Não escolha somente o agradável, mas o que lhe proporcione mais equilíbrio, paz e segurança psíquica e saúde orgânica.

Você já sabe das alterações profundas que se processam no organismo em consequência das emoções. Conhece como o simpático e as glândulas endócrinas sob os impactos ou estresses emocionais provocam rebuliço nos órgãos e em suas funções. Não ignora também que emoções suaves, delicadas, belas repercutem convenientemente em nossa felicidade na mesma medida em que as emoções violentas, alarmantes negativas minam a saúde e o equilíbrio. Então, como é que ainda vai entrar numa fila, pagar caro, para assistir a um filme cheio de atrocidades, suspense e aflição? Você está “comprando” as más emoções dos personagens do filme, com os quais se identifica.

Seja dono de si mesmo. Use o cinema, a boa música, os programas de televisão, o bom teatro, a literatura inteligente, com fins educativos e terapêuticos. Os mesmos veículos que tanto mal têm feito, também têm o enorme poder de construir, de enriquecer a personalidade e melhorar a saúde. A escolha é sua.

*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google.

Nota: imagem copiada de Associação dos Magistrados do Maranhão

OS DESAFIOS IMPEDEM A ESTAGNAÇÃO

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos fala sobre a importância dos desafios.

É raro encontrar entre as grandes figuras da arte, da ciência, da literatura, da política e da santidade aqueles que não tiveram uma longa vida de vicissitudes, necessidades e sofrimentos. Alfred Adler, psicanalista americano, defende a tese de que o “sentimento de ser inferior” é o que move o homem a progredir e buscar vencer. São as insuficiências, as carências desta ou daquela espécie que suscitam o esforço criador, o impulso para superação.

Frequentemente pessoas sofredoras me pedem orientação, apoio e conforto. Escuto em silêncio, com interesse, e quanto mais simpatia em mim vão sentindo, mais intensamente esperam palavras de piedade. Tenho escutado relatos comoventes, descrições ansiosas de transes bem dramáticos e até confissões de inusitados vícios. Tenho recebido confidências e queixas que, de tão horríveis, parecem fantásticas. Fico perplexo diante das muitas carrancas que a dor apresenta.

Quanto sofrimento neste mundo! Há dramas e tragédias, misérias e degradação em tantos, que me recordo do princípio budista de que “basta existir para ser presa da dor”. Terminada a entrevista, sentindo-se um pouco melhor por ter aliviado a tensão com a abertura das comportas, é natural o confidente desejar expressões piedosas de condolências ou a declaração de que “não existe quem sofra tanto quanto ele” ou palavras como “coitadinho”.

Costumo frustrar esta expectativa, dizendo com a maior sinceridade: “Meus parabéns!”. Se não adiantasse logo as razões de meu proceder, por certo mereceria ser chamado de “insensível” ou mesmo debochado, pois não se deve fazer troça dos dramas do próximo. Apresso-me em desmanchar a cara de perplexidade e de decepção do interlocutor, completando: Se seu sofrimento e dificuldades são tão grandes, meus parabéns, pois você conta com um dos fatores indispensáveis para progredir:você tem aquilo que pode levar a superar-se a si mesmo;

  • você conta com o que faz o ser humano realizar-se, tornar-se melhor, transformar-se, curar-se, vencer a distância que o separa da Perfeição;
  • você tem aquilo sem o qual o ser humano se deteriora na estagnação ou mesmo regride;
  • você tem a arma da vitória que é o desafio do sofrimento;
  • você alcançou o reconhecimento de algo essencial a realizar. A dor impulsiona o engrandecimento. Suas dificuldades, imperfeições ou misérias são-lhe desafio;
  • você tem um desafio. Aceite-o. Enfrente-o. Aproveite-o para sua evolução. Aceite sua situação difícil, não como uma desgraça e motivo para lamuriar-se; não como algo que vai destruí-lo, mas como a condição para desenvolver suas potencialidades.

É no sofrimento de fogo e martelada que um pedaço de ferro bruto é transformado em um objeto de beleza ou utilidade. A falta de pernas faz nascer as asas no verdadeiro homem. Não se esqueça de que a violência da poda torna a árvore mais bonita e vitalizada. Lembre-se de que a terra cujo lombo é rasgado pelas pás do arado ganha fertilidade. Assim é com o ser humano. Os desafios da desventura podem amadurecer a personalidade. As lágrimas que derramamos na dor não são de lastimar, pois enriquecem os dias de experiência.

Quero que você me aponte alguém que se aperfeiçoou, fortaleceu-se, floresceu em obras, fez-se herói, santo ou sábio através do prazer e na ausência da dor. Não sou partidário de um ascetismo masoquista. Longe de mim achar que é preciso sofrer o martírio para poder ganhar o céu. Ao contrário, acho loucura o que certos místicos praticam: a autoflagelação. Afirmo o contrário. Creio que a tendência legítima e fundamental do ser humano é a busca da felicidade. Esta, no entanto, nem significa a ausência de adversidade e dor, nem é sinônimo de gozo e prazer. Ser feliz é pairar acima das vicissitudes. Ser feliz, eu creio, consiste em viver liberto tanto do apego ao prazer, como do medo da dor.

*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google.

Nota: A Conquista da Lua, obra de Vicente do Rego Monteiro