Arquivo da categoria: História da Humanidade

Esta categoria tem por objetivo mostrar aspectos e costumes sociais da vida humana em tempos idos.

A VIOLÊNCIA DA CRUCIFICAÇÃO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Embora goste de pensar que nada do que é humano me é estranho, não consigo me colocar na mente dos antigos que inventaram essa orgia de sadismo. (Steven Pinker)

O escritor canadense Steven Pinker argumenta em seu livro “Os Anjos Bons da Nossa Natureza” sobre a brutalidade da crucificação no Império Romano, para mostrar que nos dias de hoje a violência é bem mais contida. Segundo ele, a crucificação, flagelação criada pelos persas e disseminada por Alexandre, o Grande, era o mais cruel dos métodos romanos de execução, sendo que dele vem a origem do termo “excruciante” (cruciante, doloroso, pungente, aflitivo). Ele retrata a via-cruz de uma execução mediante tal prática, à época:

  1. a vítima era flagelada nua, com os soldados romanos a vergastar-lhe as costas, nádegas e pernas, com um açoite de couro trançado, no qual havia pedras pontudas inseridas, o que lhe cortava a carne;
  2. seus braços eram atados a um pedaço de madeira de 45 quilos, tendo o torturado que o arrastar até um lugar, onde já se encontrava um pau cravado no chão;
  3. a vítima era derrubada no chão e deitada  sobre as costas em chagas vivas, e era então pregada, através dos pulsos  (a palma da mão não seria capaz de aguentar o peso do corpo, rasgando-se), no pedaço de madeira que carregara;
  4. ela era levantada no pau que fora cravado no chão, sendo seus pés  pregados, normalmente sem apoio de sustentação;
  5. como o corpo, seguro pelos braços, pesasse, isso impossibilitava a respiração (expiração) da vítima, a menos que ela fizesse força nos braços e pernas, contra os pregos que a fixava no madeiro;
  6. o suplício poderia durar entre três horas e quatro dias. Quando os carrascos queriam perdurar a flagelação, sustentava o corpo da pessoa num assento. E, se queriam apressar sua morte, fragmentava os ossos de suas pernas com uma clava;
  7. a morte decorria em razão da asfixia e da hemorragia.

Jesus Cristo foi um dos mais famosos crucificados, tornando-se a cruz um objeto de seu sofrimento e também o símbolo religioso mais importante dos cristãos. E assim, a morte pela tortura, em defesa da fé, passou a ser vista como uma recompensa para os primeiros santos cristãos, que a partir daí ganhavam um lugar perto de Deus. Podem ser citados como exemplo:

  • São Pedro – crucificado de cabeça para baixo;
  • Santo André – crucificado numa cruz em forma de X;
  • São Lourenço – assado vivo numa grelha;
  • Santa Catarina – despedaçada numa roda crivada de aros;
  • Santa Bárbara – pendurada de cabeça para baixo pelos tornozelos e transpassada por ganchos de ferro;
  • São Jorge – torturado de diferentes maneiras.

Steven Parker alega que, ao santificar tais torturas, a Europa cristã contribuiu para o surgimento da Inquisição. Ao torturar suas vítimas, os inquisidores achavam que estavam lhes prestando um favor, salvando-lhes a alma através de um sofrimento passageiro,  e evitando-lhes a ida para o Inferno, onde sofreriam eternamente. É sabido que muitos protestantes passaram por torturas nessa época, contudo, para desconhecimento de muita gente, eles também foram responsáveis, quando se encontravam numa situação favorável, por queimar 100 mil mulheres na fogueira, entre os séculos XV e XVIII, sob a alegação de que eram bruxas. E, ainda segundo o autor, “os séculos posteriores tratariam esses horrores com leviandade. Na cultura popular atual, bruxas não são vítimas de tortura e execução, e sim personagens malvadas de desenhos animados.”. Agora temos até o “Dia das Bruxas”.

Nota: Crucificação, obra do pintor Hans Baldung/ Crucificação de São Pedro, obra de Caravaggio

Fonte de pesquisa
Os anjos bons da nossa natureza/ Steven Pinker/ Edit. Companhia das Letras

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A VIOLÊNCIA NO ANTIGO TESTAMENTO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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As pessoas escravizam, estupram e assassinam membros de sua família imediata. Chefes militares chacinam civis indiscriminadamente, inclusive crianças. Mulheres são estupradas, vendidas e roubadas como brinquedos sexuais. E Jeová tortura e massacra pessoas às centenas de milhares por desobediências triviais ou sem razão alguma. […] Não são atrocidades isoladas nem obscuras. Elas envolvem todos os principais personagens do Antigo Testamento. (Steven Pinker)

O Antigo Testamento contém mais de seis mil passagens que falam explicitamente sobre nações, reis ou indivíduos que atacam, destroem e matam. […] Sem contar os aproximadamente mil versículos nos quais o próprio Jeová aparece como executor direto de punições violentas […], e em mais de cem outras passagens, Jeová ordena expressamente que se matem pessoas. ( Raymund Schwager)

O canadense Steven Pinker, um dos mais aclamados cientistas atuais, defende em seu livro “Os Anjos Bons da Nossa Natureza” que a violência no mundo vem sendo reduzida. Para abonar a sua ideia, ele remonta à pré-história da humanidade até chegar aos dias de hoje. Em linhas gerais, por exemplo, mostra passagens do Antigo Testamento, livro que considera como a “celebração da violência”.

Segundo o autor, o Antigo Testamento foi ambientado nos fins do segundo milênio a.C., embora tenha sido escrito mais de quinhentos anos depois dessa época. E estudiosos modernos da Bíblia comparam a sua criação com a da Wikipedia que é feita por colaboradores. “Foi compilado no decorrer de meio milênio por escritores que tinham diferentes estilos, dialetos, nomes de personagens e concepções de Deus, e então montado a esmo, o que o deixou repleto de contradições, duplicações e non sequiturs.”, explica Steven.

É impossível acreditar que toda a selvageria mostrada no Antigo Testamento tenha transcorrido verdadeiramente. De acordo com Steven Pinker, a maior parte do que foi ali relatado jamais aconteceu, conforme comprovam os estudiosos do assunto. Nesses escritos estão incluídos mitos sobre as origens de tribos, ruínas locais, códigos legais adaptados, tabus, etc. Ainda assim, tais relatos funcionam como uma janela aberta para o conhecimento da vida das civilizações do Oriente Próximo à época, trazendo à tona os valores que as guiavam. Ao contrário dos dias de hoje, conforme ensina Steven, “Os autores do Antigo Testamento não viam nada de errado na escravidão ou em castigos cruéis como cegar, apedrejar e esquartejar. A vida humana não tinha valor em comparação com a obediência irrefletida ao costume e à autoridade”.

O escritor adverte que sua posição trata-se apenas de uma visão histórica, pois “A imensa maioria dos judeus e cristãos praticantes, nem é preciso dizer, são pessoas decentes que não sancionam o genocídio, o estupro, a escravidão ou o apedrejamento.”. A seguir, alguns exemplos da violência contida no Antigo Testamento:

  • só havia quatro pessoas no mundo: Adão e Eva e seus dois filhos Caim e Abel. O irmão mais velho mata o mais novo, o que só aí demonstra uma taxa de homicídio de 25%;
  • quando os homens e as mulheres começaram a multiplicar-se pelo mundo, Jeová (Deus) decide enviar o dilúvio para puni-los pelo mau comportamento;
  • Deus sacrifica os habitantes da cidade de Sodoma, onde mora Ló, sobrinho de Abraão, porque ali se praticava sexo anal e outros pecados da mesma monta. E a curiosa esposa de Ló também é morta, por ter olhado para trás;
  • O Criador, para testar a fidelidade de Abrão, ordena-lhe que decepe a garganta de seu filho, mas um anjo impede que tal tragédia aconteça;
  • Diná, filha de Jacó e neta de Isaac é raptada e violentada. O estuprador quer comprá-la, mas a família alega um impedimento: ele não é circuncidado. Fazem então a proposta para que todos os homens da cidade cortem seus prepúcios e tenham Diná. Enquanto ainda se encontram com o pênis sangrando, portanto enfraquecidos, os irmãos de Diná invadem a cidade, saqueiam-na, matam os homens e raptam as mulheres e crianças;
  • José, filho de Jacó, é vendido como escravo pelos próprios irmãos;
  • no Egito, os descendentes de Jacó são escravizados pelo faraó, que, para impedir o crescimento dos israelitas, exige que os meninos sejam mortos ao nascer;
  • o exército egípcio é afogado no mar Vermelho;
  • Moisés e o irmão Arão, a mando de Deus (Jeová), matam três mil de seus companheiros;
  • há inúmeras mortes de animais por parte dos israelitas a mando de Deus (Jeová);
  • pelo simples fato de ter usado o incenso errado na preparação do tabernáculo, Deus (Jeová) transforma Arão e seus dois filhos  em cinzas;
  • os israelitas matam os varões midianitas, quando se dirigiam para a Terra Prometida, além de saquear e destruir a cidade, levando como escravas mulheres e crianças. Depois recebem a ordem de Moisés para matar as crianças de sexo masculino, deixando vivas as escravas sexuais núbeis;
  • Deus (Jeová) dá ordem aos israelitas para matar os homens e pegar as mulheres, crianças e animais, das cidades que não aceitarem as novas leis;
  • só porque precisava de roupas masculinas para pagar uma aposta, Sansão mata 30 homens de uma só vez, por ocasião de seu casamento. E para vingar a morte da mulher e do sogro, mata mil filisteus. E mesmo com os olhos furados, ele trucida três mil homens e mulheres, ao implodir uma enorme construção;
  • Saul, quando rei, recebe a ordem para matar tudo que dissesse respeito a Amaleque: homens, mulheres,  e até mesmo crianças de peito e animais;
  •  Davi, depois de matar Golias, comanda um bando de guerrilheiros, e luta como mercenário. Saul trama sua morte. Ao se tornar rei, Davi mata milhares de pessoas. Mas por ter ordenado um censo, ele é punido por Deus (Jeová), que mata, por vingança, 70 mil de seus seguidores.
  • E assim vai…

Fonte de pesquisa
Os bons anjos da nossa natureza humana/ Steven Pinker/ Companhia das Letras

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MULHER – A BESTA DE CARGA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O aparecimento do patriarcalismo foi um golpe quase que fatal na vida da mulher. Ela assumiu a posição legal de escrava, juntamente com seus filhos. Passou a ser a besta de carga de direito e de fato.

Para se casar, a mulher era levada à feira como escrava, pelo pai, que gozava do direito de dispor de suas mulheres e filhas como quisesse: vender, trocar, presentear, matar, etc. A vítima passivamente deixava-se ser examinada por dezenas de mãos, como se fosse uma égua à venda. Seus dentes eram olhados, a grossura das pernas, a força dos braços, as ancas, e etc e tal. Uma vez comprada, ela passava a fazer parte da herança do marido, de modo que, quando esse morria, caía no ninho de aranha da família dele, como se fosse um objeto. Isso quando não era estrangulada e em seguida “piedosa e santamente” consumida com o esposo morto, ou obrigada a matar-se, em nome do falecido, para servi-lo em outro mundo.

O macho exercitava o sexo fora de casa, mas a besta de carga tinha que permanecer na mais estrita castidade antes do casamento e fidelíssima depois dele. Nascia assim, a moral na sua duplicidade, de acordo com o gênero em questão. Vejamos alguns exemplos:

  • Na velha Rússia, quando uma filha se casava, o pai batia nela levemente de chicote, e depois a entregava ao marido, como uma transmissão de poder.
  • Nas ilhas Fiji, o preço de uma mulher era o valor de um mosquete.
  • Em certas tribos, o marido dormia separado da mulher, porque seu bafo enfraquecia o homem.
  • Na Nova Caledônia, a mulher dormia num cômodo feito do lado de fora da casa.
  • Em alguns lugares, as mulheres não tinham acesso aos templos, mas os cães sim.
  • Quanto mais mulheres um homem tivesse, mais tranquilo estava em relação a seu futuro, pois tinha quem trabalhasse por ele.
  • Em algumas tribos da Índia, a mulher era nivelada aos animais domésticos nos casos de herança.
  • No continente africano, as mulheres só diferiam dos escravos quando davam prazer ao homem ou satisfação econômica.

O casamento, na verdade, começou como forma de lei de propriedade, parte do instinto da escravidão.

  • Muitas mães matavam as suas filhas, com medo de que viessem a sofrer tanto quanto elas. Ainda vemos isso, nos dias de hoje, em certas culturas.
  • Qualquer deslize por parte da mulher era severamente punido pelo macho.
  • Ao barão feudal cabia deflorar a noiva de cada um de seus servos, bem antes que ela fosse tocada pelo futuro noivo, numa prova de consideração.
  • Após uma temporada trabalhando a serviço do pai da moça, o pretendente tinha permissão para levá-la para o seu clã.
  • Os eslavos da Rússia, até o século passado, ainda praticavam o casamento por captura.
  • Com o crescimento da riqueza, o noivo passou a oferecer ao patriarca um presente, ou uma quantia em dinheiro, em troca de sua filha, enquanto em outras culturas, o dote era responsabilidade da família da mulher. Ainda é comum, em diversas culturas, a existência do famigerado dote.

Nota: Imagem copiada de http://amarjunqueira.blogspot.com.br

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O TRABALHO E O ÓCIO NA ANTIGUIDADE

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A perfeição do cidadão não qualifica o homem livre, mas só aquele que é isento das tarefas necessárias das quais se incumbem servos, artesãos e operários especializados; estes últimos não serão cidadãos, se a Constituição conceder os cargos públicos à virtude e ao mérito, pois não se pode praticar a virtude levando uma vida de operário ou trabalhador braçal. (Aristóteles)

Sou melhor que Esquines e mais bem nascido; não gostaria de dar a impressão de insultar a pobreza, mas devo dizer que meu quinhão foi, quando criança, frequentar boas escolas e ter bastante fortuna para que a necessidade não me obrigasse a trabalhos vergonhosos. (Demóstenes)

Todo trabalho é sórdido e indigno de um homem livre, pois constitui o preço do trabalho e não de uma arte. (Panaitios)

Na Antiguidade, ao contrário de nossos dias, a ociosidade era vista como um mérito, um privilégio de poucos. A classe de notáveis, numa cidade, era composta por aqueles que viviam em permanente ociosidade. O trabalho, por sua vez, não era digno de respeito, sendo o trabalhador visto como uma pessoa socialmente inferior e, por consequência, ignorante. Os verdadeiros cidadãos eram aqueles que não trabalhavam, donos de mãos lisas que jamais mostravam a presença de um calo, portanto, aos ociosos cabia a possibilidade de ocupar os cargos públicos, pois eles tinham tempo para pensar, ocupando-se de tarefas dignas. Assim pensavam os ricos.

O aclamado filósofo Platão pregava que o ideal era que “os cidadãos fossem alimentados pelo trabalho rural de seus escravos”, cabendo, portanto, à gentalha a execução dos ofícios. O homem de bem, classificado como cidadão, deveria levar uma vida de ociosidade, vivendo apenas da renda de seus bens. Aristóteles, outro filósofo, por sua vez, achava que a felicidade só era propícia àqueles que possuíssem meios de organizar a própria vida, ou seja, aos ociosos, pois somente eles viviam moralmente de acordo com o ideal humano, e, portanto, eram cidadãos em sua totalidade. A pobreza era vista como um defeito e os pobres tachados de moralmente inferiores, cuja missão era a de servir humildemente seus superiores.

A ojeriza ao trabalho era tão grande, que Plotino, o místico, preconizava que “A massa dos trabalhadores braçais é uma desprezível multidão, destinada a produzir objetos necessários à vida dos homens virtuosos.”. A alegação era a de que, ao ter que produzir para os ociosos, o trabalhador não era dono de seu tempo, sendo incapaz de pensar por si só. Assim sendo, jamais poderia ser visto como um homem virtuoso. Ao contrário de hoje, a virtude não se encontrava no trabalho, mas na indolência. Como os tempos mudam!

É bom lembrar que, naqueles tempos, a riqueza era relativa à posse de terras, os chamados “bens de raiz”. O comércio só era visto com bons olhos quando levava o indivíduo a adquirir terras. Assim falava o filósofo, escritor e político romano Cícero sobre o comércio: “O comércio é sórdido, se não passa de um pequeno comércio em que só se compra para revender diretamente; mas sendo um alto negócio, grande comércio, nada mais tem de muito desprezível.”.

Nota: Jardim de Hortas, obra de Vincent van Gogh

Fonte de pesquisa
História da Vida Privada I/ Editora Companhia das Letras

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A ESCRAVIDÃO NO IMPÉRIO ROMANO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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De todos os lados, a morte pode te surpreender: um naufrágio, bandidos, e, para não falar de um poder mais alto, o último de teus escravos tem um direito de vida e morte sobre ti. (Sêneca)

Meu pai sempre me ensinou a não encarar tragicamente as perdas materiais; se me morre um boi, um cavalo ou um escravo, eu não faço disso um drama. (o médico Galeno)

Os escravos estavam presentes em todo o Império Romano. Os romanos estavam certos de sua superioridade em relação a eles. Tinham-nos como crianças, ainda que fossem velhos, e sujeitos à decisão do tribunal doméstico, presidido pelo amo. Quando levados aos tribunais públicos, sofriam castigos físicos e até mesmo a morte, fato inimaginável para um homem livre daquela época. Seus senhores nutriam por eles um grande medo, pois, embora tidos como inferiores, tinham contato íntimo com seus amos, numa relação de amor e ódio. E nunca se sabia quando esse ódio viria à tona. Eram tidos e tratados como um bem material, pertencente aos donos, fazendo parte de seu patrimônio. Ainda que fossem vistos como inferiores, executavam diferentes funções na economia, na política na sociedade e na cultura do Império Romano. Os povos vencidos, que se transformavam em escravos, eram muitas vezes mais sábios do que seus senhores, como foi o caso dos gregos.

Os filhos de escravas eram considerados escravos e, consequentemente, pertenciam ao mesmo senhor, que detinha sobre eles todos os poderes. Tanto podia criá-los como enjeitá-los, ou até mesmo afogá-los, se assim lhe aprouvesse. A tradição de rejeitar filhos ainda bebês era tão comum, e não apenas entre os pobres, que havia mercadores de escravos que iam buscar os enjeitados nos monturos públicos, para vendê-los depois. Os pobres, sem quaisquer meios para criá-los, muitas vezes vendiam-nos diretamente a tais mercadores, mal acabavam de deixar o útero da mãe, ainda envoltos em sangue. Havia também os adultos que se vendiam para não morrerem de fome, tamanha era a miséria em que viviam.

Ao vender sua carga humana, o mercador era obrigado a prevenir o comprador sobre seus defeitos, dentre esses estavam:

• fanatismo religioso;
• fascinação exagerada para o amor;
• gosto exagerado pelos espetáculos e pinturas (cartazes).

O fato de ser escravo era um estigma, pois não importava a função que executava ou a instrução que tivesse, ele podia ser vendido a outrem, a qualquer momento. A situação era tão absurda, que se o dono de um escravo cometesse um crime, era o infeliz que seria torturado diante dos tribunais públicos, para que revelasse o crime de seu amo, uma vez que um homem livre não poderia sofrer tortura. O senhor também tinha direito a deflorar o hímen de suas escravas. Os filhos dos escravos eram vistos como crias de um rebanho, não sendo dada nenhuma importância à vida deles. Viver ou morrer dependia dos objetivos do amo.

Um senhor podia libertar seu escravo, tornando-o um homem livre, tanto em vida quanto através de testamento. Em caso de dúvida quanto ao testamento, o direito romano decidia em favor da libertação do escravo. Depois de alforriado, seu senhor, se ainda vivo, não podia voltar atrás. Não se tratava de uma preocupação humanitária com a vida dos escravos, pois isso só acontecia em caso de dúvida. Nenhuma voz defendia essa gente. Se se podia dizer que havia humanitarismo, esse estava ligado à exortação aos senhores para serem bons amos. O que não equivalia a nenhuma penalidade, caso fossem tratados com desumanidade.

Quando fora da casa de seu senhor, os escravos podiam frequentar seitas religiosas, pois eram esses os poucos lugares em que eram aceitos. Nos dias de festa, obtinham folga para assistirem aos espetáculos públicos (teatro, circo de arena, etc.). E com o passar dos tempos, certas mudanças foram sendo introduzidas na vida dos escravos, como:

• casar-se;
• dedicar-se à mulher e filhos;
• vender a família junta.

Contudo, isso também não significou que a sociedade romana estivesse imbuída de qualquer laivo de conscientização quanto à vida miserável daquela gente, pois a má nutrição, a perversidade dos castigos, a opressão, o sentimento de inferioridade, a miséria material e moral continuavam incólumes.

Nota: Mercado dos Escravos, obra de Jean-Léon Gérôme

Fonte de pesquisa
História da Vida Privada/ Companhia das Letras

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O AMOR CONJUGAL NO IMPÉRIO ROMANO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Possa vossa mulher igualar o marido na sua incansável bondade! Que raramente uma cena doméstica perturbe vossa união. (cumprimento de Ovídio aos recém-casados)

Rezavam as leis romanas que “Casar-se é um direito do cidadão”. Portanto, tratava-se de um dever cívico, com a finalidade de parir filhos legítimos e também aumentar o patrimônio do marido com o dote levado pela esposa. Não havia nenhuma preocupação com o amor. O fato de amarem-se não passava apenas de um mérito adicional, mas não exigido. Se se amassem, melhor seria para o casal, mas isso não era importante. Não fazia a menor diferença. O importante é que se tolerassem.

A desarmonia entre esposo e esposa, já naquela época, era tida como um infortúnio, contudo, aceitava-se tal condição resignadamente. Havia inclusive, segundo os moralistas de plantão, um ponto positivo nas desavenças, pois, ao lidar com uma esposa difícil, o homem estaria se preparando para lidar com as dificuldades do mundo. Ou seja, preparava-se para aguentar as adversidades do cotidiano.

A esposa, assim como os filhos e os escravos, pertencia ao marido. Embora não houvesse obrigatoriedade, era visto como mérito o fato de o marido tratá-la bem, mas sem nada de afagos, ficando um lá e outro cá. A cópula era restrita à escuridão da noite e sem muito “uis e ais”. Com o tempo e o surgimento de uma nova moral, a esposa foi ascendendo no seu papel. Já não mais era colocada no rol dos empregados domésticos, que a ela se submetiam por ordem do marido. Passou a situar-se acima dos amigos do esposo, vistos na vida social greco-romana como de fundamental importância na vida do cidadão. Para aqueles tempos, tratava-se de um grande passo.

O casal devia fazer amor apenas com a finalidade de gerar filhos. A vida em comum baseava-se apenas numa amizade entre eles, devendo ser exíguos e rápidos nas carícias no leito. A esposa jamais deveria receber o mesmo tratamento dado à amante, sendo a prostituição totalmente legalizada. Seria infame ter uma relação afervorada com a esposa. A diferença entre ela e a amásia era abissal. Um homem considerado de bem, jamais deveria ter um comportamento “imoral” com sua mulher, uma vez que a finalidade de eles se deitarem juntos resumia-se unicamente à concepção. Fora disso, o marido fogoso incorreria num ato indecoroso, podendo ser denunciado publicamente. Mas quem sabia o que se escondia entre quatro paredes? Tarefa difícil a do censor.

Sêneca (filósofo, advogado e mestre) e Plínio (escritor, naturalista e comandante do exército romano), contudo, falavam com prazer sobre a alegria da vida conjugal que ambos levavam com suas esposas. Vida essa sempre agraciada pelo sentimento, virtuosidade e bom exemplo. Para o segundo, “o verdadeiro objetivo do casamento é a ajuda e a amizade que os esposos proporcionam um ao outro”. Por isso, advogava em favor de um novo casamento, mesmo quando um dos cônjuges não mais tinha capacidade para procriar.

A visão de Sêneca e Plínio contrasta com uma sociedade altamente patriarcal, em que até na cama, o domínio sexual pertencia exclusivamente ao homem, predominando uma disciplina rígida no trato com a esposa.

Nota:  imagem de um casal no fundo de um espelho de bronze (c. de 70-90), de autoria desconhecida.

Fonte de pesquisa:
História da Vida Privada/ Companhia das Letras

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